Na última 6ª feira, em discurso a empresários, em São Paulo, a Presidenta Dilma Rousseff rebateu as críticas do conservadorismo, reiteradas um dia antes pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Segundo o tucano, a decisão brasileira de reduzir em meio ponto a taxa de juro mais alta do mundo teria sido 'precipitada'.
A resposta da Presidenta veio em tom de alerta: "...diante da crise e da ameaça de deflação e depressão em algumas economias desenvolvidas, (estamos abrindo espaço para que o BC) possa iniciar um ciclo cauteloso e responsável de redução da taxa básica de juros. Não é admissível que, se de fato se configure uma recessão e um processo deflacionário no resto do mundo, nós aqui estejamos sem levar isso em conta'.
A deflação temida pela presidenta e desconhecida do sociólogo cosmopolita é uma espiral baixista de preços que se auto-alimenta.
Trata-se de uma das doenças mais graves do capitalismo.
Para muitos economistas, mais grave que a sua contrapartida de sinal trocado, a hiperinflação, que costuma ser equacionada com a arma clássica do coquetel conservador: recessão, arrocho salarial e juros estratosféricos.
A deflação, ao contrário se instala dentro da recessão. É uma espécie de síntese das contradições do sistema, que assume a forma de uma paralisia progressiva. Ataca, sobretudo, metabolismos com baixa resistência, caso dos EUA hoje, onde a taxa de juro real já é negativa e os recursos de intervenção do Estado estão imobilizados politicamente.
Se as taxas de juros são negativas quem tem dinheiro prefere guardá-lo em segurança no cofre do Tesouro norte-americano a correr o risco de emprestá-lo em troca de rendimentos mínimos e incertos.
Essa escolha quando feita pelos bancos amplifica a contração da atividade econômica pela retração do crédito. O crédito é a alma e o motor do capitalismo. Sem ele o sistema desfalece. É o que tem ocorrido nos EUA, onde mais de US$ 1,3 tri estão empoçados nos caixas dos bancos.
Historicamente, a tentativa de quebrar esse círculo de ferro, nem sempre bem sucedida, inclui doses cavalares de gasto fiscal em obras públicas, oxigênio negado à paralisia norte-americana pelo radicalismo neoliberal.
Na Europa há espaço para novos cortes de juros (hoje em torno de 1,5%). Mas o predomínio de burocratas ortodoxos e governos conservadores, entre os quais se incluem socialdemocratas colonizados pelo neoliberalismo, restringe o uso desse instrumento, tanto quanto a alavanca do investimento público.
O elevado custo de uma deflação pode ser inferido dos desdobramentos causados pela explosão da bolha imobiliária nos EUA, em 2008, que até hoje não cessaram.
A espiral descendente dos preços dos imóveis criou um fosso entre o valor da dívida hipotecária das famílias e o valor de mercado de suas residências. Em muitos casos, o patrimônio passou a valer a metade da dívida.
Em apenas um mês, em novembro de 2008, o preço médio dos imóveis residenciais nos EUA caiu mais de 20%.
Não raro, isso foi acompanhado da perda do emprego ou da troca involuntária por outro de salário inferior. O peso da dívida adquiriu assim um peso insuportável no orçamento familiar.
O efeito imediato é a redução da demanda, que agrava a recessão, que deprime ainda mais o valor dos imóveis. E assim sucessivamente.
Para desafogar os mutuários seria necessário estender o processo de deflação ao valor dos empréstimos, impondo perdas equivalentes aos bancos, construtoras, investidores, ações de companhias ligadas à construção etc.
A resistência do capital financeiro a esse compartilhamento de perdas é uma das causas da encruzilhada paralisante enfrentada pela crise mundial nesse momento. Toda ela está amarrada no impasse em torno de uma conta de chegar explosiva entre passivos e ativos Ou seja, entre a catastrófica massa de capital fictício sedimentada pela desregulação financeira do ciclo neoliberal – nas mãos de fundos, bolsas, investidores, empresas, bancos etc – e a riqueza real disponível. Se a referência for o PIB mundial essa desproporção é de 10 para 1.
Sem impor perdas ao capital fictício o que sobra é um ajuste selvagem que se faz via desemprego, perda salariais e falência de nações. É o que assistimos nesse momento.
Alerta recente da OIT informa que o mundo já tem mais de 200 milhões de desempregados. A oferta de trabalho cresce aquém do crescimento populacional. O estoque incha em vez de diminuir. A retração do mercado sinaliza um déficit de 40 milhões de empregos entre 2011 e 2012.
Fecha-se o círculo de ferro: consumidores não compram por falta de dinheiro ou pela expectativa de que os bens venham a sofrer novas reduções. Bancos não emprestam porque o juro é baixo e os riscos são altos. Empresas não produzem porque não há demanda – e não investem porque suas máquinas estão ociosas Quem tem estoque fica encurralado por dívidas com fornecedores que o retorno das vendas já não cobre. O conjunto gera novas quedas de preços reproduzindo a mecânica da deflação em patamares cada vez mais subterrâneos. Mas as dívidas financeiras resistem blindadas pelo poder político dos bancos e grandes corporações.
Os indicadores de preços nos EUA ou na Europa não apontam ainda um cenário de deflação. Mas as previsões do FMI são de recuos pronunciados. Estimativas do Fundo feitas no início de setembro para a zona do euro apontavam uma taxa de inflação de 2,5% para este ano, caindo para 1,5% em 2012. Já nos Estados Unidos, a inflação passaria de 1,6% a 3% até o final de 2011, para recuar a 1,3% em 2012.
Expectativas de quedas mais pronunciadas ganham força até mesmo entre aqueles que costumam manifestar confiança nas virtudes auto-depurativas dos mercados. O presidente do banco central de Israel é um deles.
Ortodoxo de carteirinha, ex-dirigente do FMI, Stanley Fischer reduziu a taxa de juros do país de 3,25% para 3% ao ano, mesmo com a inflação acima da meta oficial. Fischer foi taxativo ao se justificar. A inflação nesse momento, explicou, é questão "irrelevante". E advertiu: "em 2012 o mundo pode ter deflação, não alta de preços".
Há indicativos fortes nessa direção. Eles partem de uma das roletas preferidas do capital especulativo, as bolsas de commodities. Embora a base de comparação ainda seja elevada, as cotações das commodities agrícolas e minerais fecharam setembro com as maiores quedas desde 2008. A soja teve um recuo de 16%; o cobre acumulou uma perda de 25% em relação ao pico de alta em 2010.
À fuga de especuladores ariscos somam-se agora sinais crescentes de desaceleração da economia chinesa, cuja produção industrial acumula três quedas mensais consecutivas. O que acontecer com a economia chinesa nos próximos meses terá impacto decisivo no movimento deflacionista das matérias-primas, que tem na China o maior importador mundial.
A precaução da Presidenta Dilma em armar o país contra o risco de uma deflação - incluindo-se uma redução mais acentuada da Selic - é mais que justificável. Uma vez iniciado é muito difícil reverter um processo deflacionário, mesmo em países dotados de grande poder de fogo fiscal.
A deflação japonesa, por exemplo, perdurou por toda a década de 90. O Estado japonês investiu US$ 1,4 trilhão em obras públicas, incluindo desde garagens urbanas a muros de contenção contra tsunamis, passando por pontes de duvidosa relevância. Entre elas a maior ponte pênsil do mundo entre Kobe e a ilha de Awaji. A obra custou US$ 7,4 bi e, segundo Paul Krugman, registra um tráfego desprezível de apenas 4 mil veículos por dia. Nem assim o Japão conseguiu engatar um novo ciclo de expansão sustentável.
Na deflação norte-americana de 29, os preços chegaram a cair 25%, em média. O desemprego saltou de 1,5 milhão de pessoas, em 1929, para 12,8 milhões em 1933, atingindo 24,9% da força de trabalho; em 1939 era ainda de 17%. O PIB diminuiu de US$104 bi para US$ 56 bi, entre 1929 e 1933.
Os EUA contaram com Roosevelt , o New Deal e uma relação de forças polarizada pela expansão dos ideais socialistas que arrancou concessões do capitalismo em benefício da renda, do emprego e do consumo. Mesmo assim foi preciso uma guerra mundial para que o sistema reencontrasse o caminho do pleno emprego e da produção.
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