O fenômeno dos VIRA-CASACA não é novo. A valer apenas o meu horizonte existencial, Carlos Lacerda já despontava como o primeiro grande renegado – exemplo extremo, inalcançável - lá pelos fins da primeira metade do século passado.
Da liderança juvenil do saudoso e glorioso Partido Comunista Brasileiro, gerou-se um trânsfuga que navegou da delação de ex-camaradas ao mais eficaz e rancoroso agente do golpismo de direita. Do golpismo que se embandeirou contra Vargas e Kubitschek nos anos 50, para se revelar de forma mais cruel na sequência do golpe de 64.
Da liderança juvenil do saudoso e glorioso Partido Comunista Brasileiro, gerou-se um trânsfuga que navegou da delação de ex-camaradas ao mais eficaz e rancoroso agente do golpismo de direita. Do golpismo que se embandeirou contra Vargas e Kubitschek nos anos 50, para se revelar de forma mais cruel na sequência do golpe de 64.
Confesso não conseguir entender como o cidadão com a experiência da vida de assalariado; o intelectual preocupado com o combate permanente à desigualdade; o ser humano capaz de entender a impossibilidade de ser feliz, cercado de insegurança e a infelicidade daí consequente, consegue se transformar num agente defensor do regime que causa todas mazelas que antes sempre pretendeu suprimir.
Sou ateu; não ajo por sentimento caritativo. Ajo exclusivamente por opções racionais. Busco, na verdade, a minha felicidade. Será que sou eu o panaca incapaz de entender que, rebelde na quase octagésima idade , com a vida pessoal satisfatoriamente resolvida, só pode realmente ser um panaca?
Bem...toda essa lenga-lenga inicial tem um sentido de desabafo diante do que venho contendo contra dois amigos muito próximos, de anos difíceis: Zuenir Ventura e Ana Maria Machado, que há tempos vêm publicando artigos na mesma linha do sempre cretino Cristovam Buarque, nas páginas opinativas do boletim oficial da direita mais reacionária do País – o Globo. Hoje, aliás, o pilantra tem a desfaçatez de dizer que nova esquerda é a que entende a importância da propriedade e da ação do "livre mercado", na conjuntura atual.
Zuenir foi o companheiro com quem passei um dia inteiro – o da edição do AI-5 , em 1968 – rodando a cidade num Fusquinha, para escapar ao que ocorria com outros amigos do peito que eram buscados e encarcerados pelos beleguins da ditadura. Camarada, que sempre admirei pela competência e coragem com que exercia o melhor jornalismo, nos períodos mais tenebrosos da repressão, sem ceder nos princípios.
Ana Maria Machado, então jovem linda e inteligente, era parceira das tertúlias no apartamento do muito saudoso Darwin Brandão, baiano da melhor cepa, que tinha papel fundamental nas assembleias de jornalistas democratas e de esquerda, onde quase sempre era o “mesa".
Quando os vejo – Ana Maria, de forma explícita, e Zuenir com mais sofisticação – se postando entre os mais frequentes portadores das bandeiras tucanas, não deixo de me sentir mal. E até de me perguntar: que tipo de substância gera o organismo para nos impor a capacidade de ser incoerentes com a história de defesa da coerência progressista pela qual sempre optamos anteriormente?
Ou pior: será que os regimes autoritários, pelo que produzem de execrável, podem permitir a confusão que permita ocultar, num “revolucionário libertário”, um verdadeiro liberal radical de direita? Pró-regime capitalista? Penso que foi em Thomas Mann que li algo a respeito.
Afinal, entre eles, era eu o “reformista” do Partidão, que não mostrava, como eles, simpatia pela alternativa – corajosa, legítima, mas já então visivelmente voltada ao fracasso – da luta armada.
Não são poucos os meus amigos, ou camaradas, ou as duas coisas simultaneamente, de então, atualmente mergulhados nesse retrocesso de consciência.
De negação prática do que antes defendiam de forma radical.
O que hoje, depois da partida dos insubstituíveis Leandro Konder e Carlos Nelson Coutinho, me faz sentir quase solitário em minha geração. A me ver dividindo intimidade e afinidade ideológica e política com companheiros de pelo menos 15 anos de diferença na idade. Alguns, até com meio século de distância.
Mas não vou me manter na lamentação. Porque isto também é bom pois me dá o sentimento de que toda uma vida de lutas não foi em vão. Gente muito melhor e mais capaz do que eu está vindo por aí. O que garante sentido quando termino minhas ranzinzices com um Luta que Segue! Fui.
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