Os tubarões estão atrás de factoides que provoquem uma euforia compradora das ações, empresas e títulos que eles adquiriram a preço de banana.
O governo interino
enviou ao Congresso a PEC 241 com o objetivo de congelar os gastos públicos por
20 anos, tendo como referência os gastos de 2016.
Nunca em nenhum outro
país uma proposta de congelamento dos gastos públicos foi sequer cogitada como
proposta legislativa, muito menos colocar tal aberração em um texto
constitucional. Mesmo na Grécia, massacrada pela austeridade fiscal imposta
pelos credores e pela Alemanha, imaginou-se tal coisa.
Essa proposta tão
absurda serve para mostrar o grau de anormalidade política e institucional em
que vive hoje o país.
É a prova de que
estamos caminhando para o caos político e econômico, em razão da incrível
ousadia e irresponsabilidade daqueles que imaginam controlar o povo e o
Congresso com a repetição nauseante de um arsenal de mentiras.
A proposta é tão
anormal que nenhum economista ou professor universitário com credibilidade se
atreveu a defende-la. No dia 16 de agosto, a Comissão de Assuntos Econômicos do
Senado debateu o assunto.
Meirelles mandou dois
funcionários de segundo escalão para defender a proposta. Confrontados pelos
professores convidados a fazer uma análise séria do assunto, exibiram a grande
fragilidade da PEC 241 e da visão econômica do chefe.
Os dois rapazes
apenas aumentaram minha incompreensão sobre as razões pelas quais "o
"mercado" e certos políticos progressistas veem Meirelles como
"salvador da Pátria". Que Pátria?
Os mensageiros deste
"salvador do mercado" repetiram o velho chavão que diz que o
"Estado é como uma dona de casa que sabe que não pode gastar mais do que
arrecada". Ora, qualquer um que lê os jornais com atenção e conhece um
pouco de história sabe que isso é um sofisma manipulador e primário. O Estado,
no mundo inteiro, gasta mais do que arrecada quase sempre e isso é visto como
absolutamente normal e saudável.
Infelizmente ou
felizmente o Estado é muito mais complexo do que o orçamento doméstico.
Voltando à PEC 241.
Obviamente, em termos
bem simples e diretos essa PEC promete explicitamente e na melhor das hipóteses
que:
. a saúde não melhore nada por 20
anos,
· a
educação não melhore nada por 20 anos,
· o salário
mínimo não melhore nada por 20 anos
· a
segurança pública não melhore nada por 20 anos,
· o
trânsito das cidades – que depende da construção de metrô e obras viárias – não
melhore nada por 20 anos,
· as
condições de moradia não melhore nada por 20 anos, mas que a população nas
favelas ou em submoradias aumente significativamente em 20 anos.
· o
saneamento básico não melhore nada por 20 anos
· a
qualidade de vida da maioria da população não melhore nada por 20 anos
· a
proteção ao meio ambiente não melhore nada por 20 anos
· nossa
justiça lenta e parcial não melhore nada por 20 anos
· o combate
à seca no Nordeste e às mudanças climáticas, que podem ter efeitos
catastróficos, não melhore nada em 20 anos
· o
desenvolvimento científico e tecnológico do país não melhore nada em 20 anos
· a gestão
pública não melhore por 20 anos
· a
distribuição de renda não melhore nada por 20 anos
· a
desigualdade regional não melhore nada por 20 anos
· a
capacidade do país se defender não melhore nada por 20 anos
· a
infraestrutura não melhore nada por 20 anos
É exatamente isso o
que esta PEC está propondo. E olhe, senhoras e senhores senadores que essa PEC
é considerada a medida mais importante do governo interino.
Falando português claro
e sem eufemismo, na verdade, é a proposta legislativa mais idiota e mais
desumana que eu já vi tramitar no Congresso por iniciativa do Executivo, em
toda história do Brasil.
Obviamente o povo
brasileiro jamais vai concordar com essa barbaridade. Não foi para isso que
muitos pediram o afastamento de Dilma. Mas o povo não sabe que isso esta em
discussão.
A grande mídia, é
claro, não vai dar espaço para que o povo seja informado.
Ademais, os
congressistas têm a voz cortada pelos instrumentos ilegais de tramitação
acelerada, que excluem o debate.
Além do que, uma
parte significativa dos parlamentares tem medo de criticar em público e se
posicionar contra as medidas impostas pelo poder econômico depois que:
· os
tentáculos e os métodos agressivos de Eduardo Cunha e seus parceiros se
espalharam no Congresso e no governo,
· a grande
imprensa passou a adotar o critério de que todo mundo que pensa diferente dela
é sua inimiga mortal,
· começaram
as investigações da Lava-Jato com prisões preventivas generalizadas, abusivas,
espetacularização e destruição de reputações,
· o Poder
Judiciário e o Ministério Público tomaram para si a prerrogativa de condenar a
opinião do Congresso e seu poder de legislar.
O Congresso esta
funcionando de forma anômala. No mínimo, quando se refere a questões de
interesse do poder econômico, as opiniões divergentes e o contraditório estão
restritos em razão do medo e da forma de tramitação inconstitucionais e não
democráticos que funcionam como rolo compressor.
Esse contexto explica
porque a PEC 241 pode ser aprovada, mesmo propondo explicitamente que o Brasil
não melhore em nada nos próximos 20 anos.
Se nosso país já
fosse o mais desenvolvido do mundo, a proposta já seria um absurdo, porque o
ser humano quer sempre melhorar e progredir.
Mas, com as carências
que temos, como esperar por vinte anos, duas gerações, para retomar os
investimentos em saúde, educação, habitação, saneamento, infraestrutura urbana
e mais?
Pensando bem, a PEC 241 é ainda muito pior do
que isso.
Sabemos que a
população brasileira vai aumentar e que, portanto, nada vai melhorar por 20
anos, pelo contrário tudo vai piorar com a vigência da PEC.
Mais doentes para os
mesmos hospitais, mais idosos para a mesma previdência pública, mais estudantes
para as mesmas escolas e universidades, mais carros para as mesmas ruas, mais
pessoas para as mesmas favelas, mais dejetos para o mesmo sistema de esgoto e
de tratamento de água, mais caminhões para as mesmas estradas, mais caos urbano
para mesma segurança pública, mais conflitos para a mesma justiça.
Limitam-se aí os
malefícios desta PEC?
Não. Esses são apenas
os mais evidentes.
A população
brasileira esta envelhecendo rapidamente. Esse fato é certamente a inspiração
econômica da PEC 241.
No dia 16 de agosto,
o professor Pedro Rossi, da Unicamp, lembrou em audiência pública no Senado,
que mesmo a reforma previdenciária mais radical que Temer conseguir aprovar não
impedirá que a população brasileira continue a envelhecer. E nem a reforma
previdenciária mais radical vai impedir que as despesas previdenciárias
ultrapassem 8,6% do PIB em 2036, disse o professor.
Ora, se aprovada a
PEC 241 e as despesas previdenciárias atingirem apenas 8,6% do PIB em 2036, e
as despesas com saúde e educação ficarem congeladas, todos os outros gastos
públicos – como funcionalismo, segurança, defesa, proteção contra catástrofes,
obras viárias, saneamento, habitação, ciência e tecnologia, justiça,
legislativo – terão que disputar apenas 1% do PIB.
Porque é isso que vai
restar do orçamento para esses setores. Seria, então, a destruição do Estado
Nacional
O absurdo de tal
proposta me faz pensar que essa PEC visa apenas jogar a sociedade contra os
aposentados, a saúde e a educação públicas e distrair os brasileiros para que
não percebam que o nível atual de juros é incompatível com o envelhecimento da
população , com a saúde e a educação públicas.
Enfim, reafirmando,
os cálculos do professor Pedro Rossi mostram que a PEC 241 seria a destruição
do Estado Nacional, da educação, da saúde e da previdência.
É isso que querem que
o Congresso aprove?
Não. É ainda pior.
O governo e alguns
poucos economistas lunáticos que estão defendendo essa proposta dão a entender
que mesmo que tudo que dependa do Estado piore por 20 anos, ou seja, destruído,
ao menos o setor privado poderá crescer e gerar empregos.
Mas isso também não
acontecerá.
Nunca na história de
um país grande houve crescimento econômico sem que houvesse crescimento dos
gastos públicos.
Em tese, em um país
bem pequeno, é possível que o setor privado cresça mais do que o setor público,
porque – por ser pequeno – a maior parte da produção industrial e agrícola esta
voltada para as exportações. Além disso, quando o consumo interno cai, é
possível aumentar as exportações sem gerar super oferta no mercado
internacional.
Portanto, o mercado
internacional pode ser decisivo no crescimento do setor privado em um país
pequeno. Já em um país grande, o crescimento econômico depende primordialmente
do crescimento do mercado interno, que depende dos gastos públicos.
Como somos um dos
principais fornecedores no mercado internacional da maioria dos produtos que
nós exportamos, como soja, café, carne, minério de ferro, algodão, celulose de
eucalipto e mais, não é possível compensar a queda no consumo interno com mais
exportações. Porque isso provocaria uma saturação no mercado de nossos produtos
de exportação.
Além disso, as pessoas
demitidas nos serviços e no comércio não poderiam trabalhar na indústria
exportadora por não terem capacitação para isso, e por não existirem máquinas
suficientes para empregá-las no Brasil, e nem mercado externo para absorver tal
aumento das exportações.
Mesmo em países
pequenos, como a Grécia, é muito difícil que a economia cresça se o setor
público não acompanha, como a experiência recente mostrou.
Em um país grande é
realmente impossível a economia crescer se os gastos públicos não crescerem,
pois o consumo privado já está ajustado à renda das pessoas. Assim, se o gasto
público não crescer, a renda e o mercado interno não poderão crescer.
E se o mercado
interno não crescer, não haverá investimento do setor privado e assim o emprego
e os salários não irão crescer.
Em casos
excepcionais, e de forma marginal, é possível que o setor privado cresça mais
rápido do que o setor público, nos breves momentos em que há uma euforia no
investimento privado e taxas de juros muito baixas para financiá-lo a longo
prazo.
Isso está muito
distante da realidade brasileira. Taxas de juros baixas não é o caso do Brasil
e não será pelos próximos 20 anos. Mesmo porque a PEC 241 tem como objetivo
principal garantir que o governo pague as taxas de juros mais altas do mundo
por 20 anos, sem tornar a dívida pública impagável.
Dessa forma, podemos
concluir sem sombra de dúvidas que a
PEC 241, caso seja aprovada, condenará o Brasil a 20 anos de
recessão, estagnação, deterioração dos serviços públicos e das condições de
vida.
Só isso?
Não, a PEC 241
consegue ainda ser pior...
O governo interino
pode paralisar os gastos em pesquisa e desenvolvimento no Brasil, mas não pode
parar o desenvolvimento tecnológico do resto do mundo. Portanto, como nossas
empresas estão inseridas no mercado internacional, as máquinas usadas pelos
empresários brasileiros continuariam a ser trocadas por outras mais eficientes,
dispensando trabalhadores. Logo, o nível de emprego diminuiria nos próximos 20
anos.
Com o desemprego
crescente, os salários cairiam continuamente e, em consequência, o mercado
interno encolheria, o que levaria a economia a um ciclo vicioso de depressão.
Se em 2013, os jovens
se revoltaram por 20 centavos de aumento nas passagens, nem posso imaginar o
que fariam no contexto de depressão.
Só não estamos já em
uma situação revolucionária e de guerra civil, porque:
1. quando Dilma colocou Levy para
derrubar nossa economia, estávamos no menor nível de desemprego e com o maior
salário médio da nossa história.
2. a mídia e os propagandistas do
discurso de ódio nas redes sociais conseguiram convencer que estávamos, em 2013
e 2014, em uma crise moral e econômica profunda, quando, na verdade, a nossa
situação econômica e social era a melhor da nossa história.
3. a mídia e os propagandistas do
discurso de ódio nas redes sociais convenceram a maioria de que todos os
problemas, reais ou imaginários, presentes, passados ou futuros eram a culpa da
Dilma e que, portanto, queimar o "judas" no impeachment iria purgar a
sociedade de todas as culpas e problemas.
Dessa forma, o povo
demorou a sentir os efeitos da política recessiva que implantaram e ficou
distraído com divisão sórdida que criaram na sociedade, enquanto todos esperam
a fogueira do impeachment se apagar.
Quando isso acontecer
e as Olimpíadas acabarem, nem as prisões espetaculares da Lava-Jato vão
conseguir distrair a população de seus problemas reais e do que o governo
interino esta pretendendo aprovar no Congresso.
As pessoas aos poucos
passarão a direcionar sua raiva contra o Congresso, o governo interino e suas
políticas. E o governo e a governabilidade só se sustentarão com muita
repressão, violência e censura.
Mas por quanto tempo,
será possível represar a insatisfação?
Caso consiga conter a
insatisfação popular por um ano, o governo Temer talvez crie as condições para
uma revolta popular generalizada e um provável golpe militar preventivo,
próximo às eleições de 2018.
Se não conseguir
represar a revolta por tanto tempo, o Congresso deverá votar a eleição indireta
no início do ano que vem, o que poderá distrair o povo por alguns meses.
De uma forma ou de
outra e, mesmo sob uma ditadura de fato, a aprovação da PEC 241 tornará
qualquer governo inviável. Ela transformará o convívio em sociedade no Brasil
em um inferno, em razão da depressão econômica, da deterioração dos serviços
públicos e da qualidade de vida. Nesse contexto, uma ditadura levaria a uma
guerra civil antes do final da década.
A aprovação da PEC
241 contribuirá decisivamente para esse processo.
Mas a troco de que o
governo interino está propondo medidas tão explosivas?
Em troca de uma
suposta redução de um novo indicador contábil inventado pelos banqueiros,
chamado de relação
dívida bruta sobre PIB.
Não parece pouca
vantagem para tamanha destruição de milhões de vidas e famílias?
Parece. Mas é ainda
pior do que isso.
A PEC 241 não
melhorará nenhum indicador contábil-fiscal.
Pelo contrário,
piorará, porque em países grandes como o Brasil esses indicadores só podem ser
melhorados por meio do crescimento econômico ou, eventualmente, por uma forte
desvalorização cambial.
Se aprovada a PEC
241, o PIB e a arrecadação de impostos não vão crescer. Assim, mesmo que os
gastos públicos fiquem estagnados, a dívida não poderá cair. Pelo contrário, em
razão dos insanos juros que estão em vigor no Brasil, a dívida continuará
aumentando!
Então quer dizer que
o governo interino e o "mercado" ficaram loucos ao propor tal medida?
Não acho que seja
isso. De fato, existe um fanatismo de "mercado" que é incapaz de
perceber as tendências suicidas do fundamentalismo neoliberal.
Mas esse certamente
não é o caso da pragmática cúpula do governo interino. Eles não têm convicções
neoliberais, porque não têm convicções.
Essa mesma cúpula, ao
promover o maior déficit primário em décadas, já traiu o "mercado" e
as próprias promessas neoliberais contidas no documento "Uma Ponte para o
Futuro".
Eles não são tão
idiotas irresponsáveis quanto parecem. Acredito que a PEC 241 não seja para
valer. Ela é só uma cortina de fumaça para nos distrair, enquanto aprovam o que
realmente lhes interessa.
E o que realmente
interessa para eles?
1) A entrega do Pré-Sal às grandes
multinacionais norte-americanas
2) As privatizações a preço de banana,
com os inevitáveis pixulecos
3) A eliminação de direitos trabalhistas,
sociais e previdenciários para satisfazer os financiadores do golpe
O governo interino
não quer realmente aprovar a PEC 241. Para ele, quanto mais tempo, ficar em
discussão no Congresso, melhor. No entanto, ao mesmo tempo, eles têm que
mostrar ao "mercado" que estão se esforçando para aprovara PEC
rapidamente.
Isso significa que os
grandes tubarões do "mercado" são suicidas?
Não. Eles são tão
pragmáticos quanto a cúpula do governo interino.
No momento, os
tubarões estão atrás de pretextos, de factoides que provoquem uma euforia
compradora das ações, empresas e títulos que eles adquiriram a preço de banana
nos últimos dois anos, em razão da crise econômica por eles engendrada pela
política de austeridade do Levy.
Ao mesmo tempo, o
governo interino esta, na prática, se lixando para responsabilidade e
austeridade fiscal, pois promove o maior crescimento do déficit primário em
décadas. Dessa forma, a PEC 241 é o único álibi que pode justificar algum
respeito do atual governo à austeridade fiscal.
Como a mídia e os
tubarões venderam ao "mercado" que as ações e títulos caíram de preço
porque Dilma não teve "responsabilidade fiscal", eles só podem criar
uma euforia compradora se provarem que ao atual governo é o oposto de Dilma em
termos de "responsabilidade fiscal".
Ora, como todas as
evidências mostram que o atual governo esta sendo irresponsável e está se
lixando para austeridade fiscal, criaram essa PEC 241 para tentar
"provar" que são alucinados fundamentalistas do austericídio fiscal.
Por alguns meses, isso
há de embalar as histórias de carochinha que a mídia vai contar sobre a
conversão da cúpula do governo ao fundamentalismo de mercado e, assim, dar
embasamento narrativo à euforia das bolsas, para vender a preços elevados as
ações que os tubarões compraram a preço de banana nos últimos 2 anos.
Ao mesmo tempo,
distraem o Congresso, a esquerda e o povo, enquanto aprovam o que realmente
querem: vender as riquezas nacionais e o patrimônio público a preço de fim de
feira, e cortar direitos sociais.
Parece o plano
perfeito, mas não estão contando com o despertar do povo do sono profundo em
que foi embalado. Um sono regado a ódio político, muita espetacularização de
operações policiais, prisões preventivas mal explicadas e vazamentos ilegais de
processos judiciais.
Também não estão
contando que podem errar a mão e acabar aprovando a PEC 241.
Se isso acontecer,
nenhum simulacro de democracia ou de estabilidade sobreviverá.
Quem viver, verá.
Roberto
Requião é senador da República em seu segundo mandato. Foi governador do Paraná
por três mandato, prefeito de Curitiba e deputado estadual. É graduado em
direito e jornalismo com pós-graduação em urbanismo e comunicação. É capitão do
Exército Brasileiro, na reserva.
Também em vídeo: http://www.robertorequiao.com.br
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