terça-feira, 15 de agosto de 2017

O ninho da recessão: como a economia brasileira perdeu o rumo – por André Araújo (Jornal GGN)



A ABERTURA COLLOR E O PLANO REAL
Os ensinamentos da História Econômica são essenciais para entender a atual e profunda crise da economia brasileira. Essa crise não advém de erros da gestão Dilma apenas. Esses erros existiram, mas de modo algum são a raiz primeira da atual crise, uma recessão que já dura três anos e não aponta para nenhum horizonte de solução à vista. Se os erros da gestão Dilma fossem a única causa da crise, a simples correção apontaria para uma rápida saída, o que não está acontecendo. Os equívocos do governo Dilma foram de operação, enquanto as causas da crise são mais profundas, de natureza estrutural e de correção muito mais complexa.
A recessão brasileira de 2014 a 2017, vem por um longo caminho de grandes enganos e equívocos na condução da macro política econômica cujas sementes estão no desmonte da indústria brasileira, provocada por uma reversão completa de um sólido sistema de incentivos e proteção que vinha desde o Estado Novo, reversão operada no primeiro momento do Governo Collor e depois aprofundada pela nova política de estabilidade monetária artificial implantada pelo Plano Real em 1994.
O sistema brasileiro de incentivo à indústria é o mesmo e até mais leve daquele praticado pela Alemanha quando se industrializou atrás da Inglaterra, pelo Japão quando passou rapidamente de uma economia agrícola feudal para uma potência industrial agressiva, em um espaço de tempo mais rápido do que potências europeias, pelos “tigres asiáticos” quando despontaram para ser economias industriais depois da Segunda Guerra, pela Índia pós independência. Todos os países industriais fizeram nascer e impulsionar sua indústria com sistemas de proteção e incentivo em diversos graus, o Brasil praticou a regra, não foi exceção, praticou de forma racional e cuidadosa, criou empregos excelentes na indústria, abasteceu a população com produtos adequados ao nível econômico do País e com isso gerou receita para o Estado e serviços de saúde e alimentação para os trabalhadores.
O Brasil viveu economicamente de sua agricultura desde os primórdios do descobrimento até o começo do século XX com a criação da indústria têxtil, mas foi a partir da Era Vargas que a revolução industrial brasileira deslanchou SOB A PROTEÇÃO DO ESTADO. O sólido sistema de incentivo à indústria nasceu da substituição de importação de produtos manufaturados e esse sistema foi se estruturando de forma escalonada através de leis e organismos, sendo o seu epicentro a partir da década de 50 a CACEX-Carteira de Comércio Exterior do Banco do Brasil, braço de Governo a quem cabia emitir licença de importação de produtos industriais.
Um sofisticado sistema de grupos setoriais procurava condicionar a emissão de licenças a não existência de similar nacional mas ia além. Em milhares de casos incentivava o fabricante nacional a produzir pela primeira vez produtos que até então demandavam importação.
Uma indústria nascida exclusivamente por causa do sistema de proteção foi a automobilística, nos anos JK, através da atuação do GEIA, comandada pelo Almirante Lucia Meira. Para fazer nascer essa indústria FECHOU-SE A IMPORTAÇÃO de todo tipo de veículo, de automóveis a caminhões e tratores, também de peças, motores e componentes.
Fui testemunha de todo esse processo primeiro como empresário do setor de bens de capital e depois como dirigente de sindicato patronal nacional do setor e de outra associação brasileira das empresas fabricantes de equipamentos elétrico (ABINEE), interagindo com a CACEX de forma contínua, especialmente com a sua Divisão Industrial. Essa foi a época da construção do grande parque hidroelétrico brasileiro que deu um saldo na indústria de bens de capital.
Produtos como laminadores de siderurgia, hidrogeradores, compressores de grande porte, bombas centrífugas de todos os tipos, excitatrizes para navios, trocadores de calor, injetoras, prensas para indústria automobilística, válvulas para indústria de petróleo, passaram a ser fabricadas no Brasil porque a CACEX examinava o pedido de licença e consultava os fabricantes nacionais para ver a possibilidade de produção local, em grande parte dos casos era possível produzir no Brasil, assim nasceu uma grande variedade de novas industrias absorvendo a melhor tecnologia disponível do mercado mundial. Era a época em que engenheiros recém-formados já saíam da faculdade com emprego garantido tal era a demanda da indústria nacional.
O mesmo processo foi seguido pela indústria de autopeças, toda ela nascida sob a proteção da CACEX, sem o que ela simplesmente não existiria. Fui o primeiro fabricante de motores de arranque para a pioneira Willys, uma das primeiras fábricas nacionais de automóveis.
As reuniões na Divisão Industrial da CACEX eram tensas entre importadores e potenciais fabricantes e foi delas que nasceu o primeiro produto de uma série que poderia ser fabricada no Brasil e este primeiro produto deu início a uma linha inteira posterior, mas que começou pelo apoio da CACEX. Sem esse processo, amparado pela Lei do Similar Nacional, não haveria indústria de bens de capital no Brasil e também em outa plataforma a CACEX incentivou a fabricação de matérias primas e metais antes importados, especialmente em metais não ferrosos, produtos químicos e petroquímicos, papel e celulose.
Foi esse amplo e sofisticado sistema, operado na cúpula pelo Ministério da Indústria e Comércio que criou as bases da grande indústria brasileira, o que fez o Brasil ser uma das dez maiores economias do mundo, o que não era antes da industrialização.
Foi Vargas quem extraiu como reciprocidade pela participação do Brasil na 2ª Guerra a primeira indústria siderúrgica nacional de grande porte, a Companhia Siderúrgica Nacional, início da segunda fase da industrialização brasileira, depois do tecido e da farinha.
Todo esse grande edifício construído a partir da Era Vargas e consolidado no Governo Geisel como o II Plano Nacional de Desenvolvimento foi desmontado do dia para a noite nos primeiros meses do Governo Collor, sem nenhum cuidado, a machado e martelo, com a desculpa de que “nossos carros são carroças”, uma lenda, nossa indústria automobilística já era a 6ª do mundo em 1990 e a Volkswagen em São Bernardo tinha 48.000 empregados sob o mesmo teto, hoje tem menos de 4.000 porque de fabricante virou montadora de conjuntos importados da Coréia, do Vietnã, de Singapura, da Malásia, de 100% do veículo o Brasil recuou para não mais de 40% do carro, importando conjuntos prontos de câmbio e motor que antes eram fabricados no Brasil. Por ser um paraíso das importadoras-montadoras o Brasil é o País do mundo que tem o maior número de fabricantes de veículos estabelecidos no País, cerca de 60, evidentemente que a grande maioria simples montadoras com pouca fabricação local, já que no atual modelo industrial brasileiro se permite a completa importação CKD indiscriminada de conjuntos prontos, basta um galpão aqui para montagem, retroagimos aos anos 40, quando a Ford e a GM já montavam veículos no Brasil.
Com isso a indústria que ocupava 23% do PIB em 1990 tem hoje uma participação de 9% com a perda de 10 milhões de empregos industriais, enorme perda de arrecadação que empobrece o Estado brasileiro em impostos diretos, indiretos e contribuições previdenciárias. Empobrece o Tesouro mas não os encargos, porque as pessoas mesmo desempregadas continuam existindo e requerendo escolas para os filhos e hospitais para os adultos, cai a arrecadação mas não caem as obrigações do Estado, essa a tragédia da desindustrialização provocada pela abertura irresponsável e leviana em nome de uma suposta sofisticação do consumo de importados.
Seria possível uma reforma da Lei do Similar mas com análise da relação custo-benefício, todo sistema precisa de evolução mas sem a implosão de todo um modelo sólido que deu resultado, esquecendo que as grandes potências industriais asiáticas até hoje tem fortíssimos sistemas de proteção à indústria e empregos, como a China, por exemplo, um País fechado que importa do Brasil soja em grãos, mas não aceita processamento da soja no Brasil porque precisa preservar empregos industriais. Todos os países industriais asiáticos protegem a ferro e fogo seus empregos e só importam alguma coisa quando são absolutamente obrigados por razões de contrapartida, NINGUÉM ABRIU SEU MERCADO DE GRAÇA como o Brasil irresponsavelmente praticou com a ABERTURA COLLOR, confirmada e continuada sob uma visão neoliberal inocente que veio com a “equipe do Real” que passou a usar a importação como forma de combater a inflação, um troca estúpida, joga-se fora empregos aqui para combater a inflação com brinquedo chinês e café da Itália, como se isso fosse a modernização, largando pelo caminho os desempregados e suas carências.
Vê-se por essa operação da economia que a perda de empregos no Brasil tem muito a ver com a obsessão fanática pelas metas de inflação, mais um custo cobrado pela estabilidade artificial da moeda, preferência pela importação em benefício da estabilidade sem pensar no custo concreto e direto dessa prática na geração de empregos e perda de arrecadação.
Um grande mercado nacional tem enorme valor econômico, ninguém abre mercado de forma descuidada como fez o Brasil em 1990, abriu com leviandade, como se importar água mineral francesa e chocolate suíço fosse um sinal de modernidade e não apenas uma caricatura de país emergente e frívolo, sem projeto nacional, como um resort de pessoas despreocupadas.
Os “economistas do mercado” que surgiram na vida política a partir do Governo Collor e passaram a comandar inteiramente a economia desde o Plano Real fizeram circular a “lenda” de que para o Brasil ser moderno deveria abrir a importação completamente e desproteger a indústria nacional. É FALSO. As grandes economias dinâmicas de nossos tempos, Japão, Coréia do Sul, China, Tailândia, Vietnã, Malásia, Índia tem POLÍTICA INDUSTRIAL DE LONGO PRAZO e dispensam extremo cuidado com a proteção e incentivo às suas indústrias.
Política econômica é escolha, é opção, um País precisa escolher qual a melhor relação custo beneficio de cada política, não existe política só boa, todas têm aspectos negativos e positivos.
Inflação baixa é boa? Sim, MAS A QUE CUSTO? Essas perguntas não são feitas por mentes simplórias, fanáticas ou mal-intencionadas que sacrificam um País inteiro para obter uma vitória estatística a ser mostrada na reunião anual do FMI e garantir um futuro emprego em Washington no próprio Fundo ou em algum banco de Wall Street, sonho dos “economistas de mercado” que usam países como laboratórios para embelezar seus currículos.
O PLANO REAL E A ESTABILIZAÇÃO ARTIFICIAL DA MOEDA
O segundo equívoco nas raízes da atual crise econômica secular no Brasil foi um plano de estabilização artificial da moeda que eliminou a inflação apenas na sua feição gráfica sem resolver antes os desequilíbrios que causavam a inflação. Eliminou-se o sintoma inflacionário sem eliminar as causas da inflação, abaixa-se a febre sem curar a infecção que lhe deu origem. Mas para manter a moeda estável artificialmente era preciso ampará-la com muletas sem as quais a moeda não fica de pé, ÂNCORAS para segurar o que é mera aparência de estabilidade.
Foram usadas DUAS âncoras, a CAMBIAL e a de JUROS ALTOS
Usou-se desde o início a mais custosa das âncoras, a ÂNCORA CAMBIAL, amarrar o Real ao dólar, mantendo-se este artificialmente baixo através da intervenção permanente do Banco Central, a um custo estratosférico. Apenas no primeiro semestre de 2016 a âncora cambial, representada por swaps cambiais vendidos pelo BC, custaram R$201 bilhões. R$ 201 bilhões em UM SEMESTRE. Nos 23 anos do Plano Real estima-se o custo da âncora cambial em R$7 trilhões de Reais, dinheiro subtraído da economia produtiva para manter a FICCÇÃO de uma moeda estável. Para lastrear artificialmente uma moeda que não tem nenhum dos elementos para ser estável, o Banco Central precisa ampará-la com imensas reservas externas, hoje chegando a perto de 400 bilhões de dólares, rendendo 1% ao ano ou pouco mais que isso e custeada com títulos que pagam juros reais de 6% ao ano, um imenso custo de carregamento além do custo dos seguros cambiais vendidos ao mercado. Seguro cambial e carregamento de altas reservas internacionais são apenas parte do custo da existência do Real como moeda estável de ficção.
A segunda âncora foi a de juros muito acima da média mundial, varias vezes acima dessa média. Essa segunda âncora engordou a dívida pública federal em títulos, algo que era quase inexistente em 1994 e hoje está em R$3,3 trilhões, dos quais ¾, ou seja R$2,4 trilhões são compostos pela agregação de juros apenas rolados e não pagos desde 1995.
Outra parte da dívida pública, estimada em 11% do total é pela incorporação na dívida pública federal de 43 moedas podre tipo SUNAMAM que existiam antes de 1994, dívidas velhas sem liquidez e na maioria em processos e sob contestação judicial, absurdamente declaradas boas, trocadas por títulos líquidos federais, as Notas do Tesouro Nacional-NTN tão bons como dinheiro vivo. O grosso dessas moedas podres foram compradas antes por bancos, como se soubessem que iriam ser trocadas, largamente beneficiados com essa perda do País.
Para completar o CUSTO DO PLANO REAL, foram privatizados grande parte dos bons ativos da União, acumulados desde a Primeira República, como a Itabira Iron (Vale do Rio Doce) Vendeu-se a Vale do Rio Doce, 40% das ações da Petrobras , toda a telefonia, rodovias, as Light São Paulo e Rio, petroquímicas, toda a siderurgia, etc. obtendo a União US$109 bilhões que se dissiparam em despesas correntes e pagamento de juros, na linha “vender a mobília para pagar o almoço”, o ativo se foi e as despesas e juros continuam.
Os autores do Plano Real bem definiram seu trabalho como “o fim da Era Vargas”, de fato, desmontaram todo o ativo acumulado tijolo a tijolo por grandes Presidentes do Brasil.
O ENFRAQUECIMENTO DO ESTADO NACIONAL APÓS OS ANOS 90
Uma causa e também consequência dos processos históricos que estão na raiz da Abertura Collor e do Plano Real e que permanecem até nossos dias é o enfraquecimento do Estado nacional brasileiro com notável perda de soberania e foco no interesse nacional.
As mentes e almas dos dirigentes brasileiros até 1990 eram, com seus erros e acertos, profundamente enraizadas na construção histórica do Brasil, políticos de brasilidade forjados nas lutas pela formação desse grande Estado nacional, o maior da América Ibérica, o único que manteve intacto o legado do Descobrimento, da cultura e do território.
Essas gerações de políticos que chegaram à Era Vargas, moldados pela Primeira República, eram uma elite de alta densidade nacionalista, expressa na rica literatura do Século XIX e da primeira metade do Século XX, na riqueza de nossa arquitetura, pintura e música desse período formativo de um grande País e sua população distinta da América Espanhola.
Já especialmente o Plano Real teve como equipe e direção personagens com formação nos Estados Unidos, alguns com vivência e atividade naquele País, outros com ligação com bancos e fundos estrangeiros, com uma visão alienada de qualquer sentido nacional, com projetos pessoais, mas não de País. No Governo FHC a predominância desse biótipo foi preponderante, perdeu-se aquela ligação profunda com as raízes do Brasil que vinha da Era Vargas para uma elite alienada de alma e visão, com um pé no exterior maior do que o pé no Brasil.
Nessa esteira chegamos até nossos dias como dirigentes culturalmente ligados ao estrangeiro no comando da economia, mesmo sem desvio de interesse faz com que sua ação se desligue dos anseios mais arraigados do povo brasileiro para se vincular a uma visão globalizada no seu sentido mais perverso, não naquela visão que procura inserir o País no movimento global sem perder a raiz nacional, como faz a China, mas sim na percepção colonizada de que o estrangeiro é sempre melhor, bom é ser da metrópole e o Brasil apenas uma terra de passagem e saque para viver no exterior, o pior tipo de elite que um País pode produzir, elite de mente colonizada e envergonhada de seu próprio País.
O enfraquecimento do Estado tornou o Brasil apenas uma moldura geográfica que cerca o território sem a liderança de um projeto nacional, de uma visão de futuro, um dos maiores países do planeta sem postura e presença internacional e sem explicar sua presença no mundo, seu papel regional e civilizatório, seu lugar nas relações internacionais, sem se orgulhar de ser a maior civilização multiétnica do mundo atual, de ter o maior patrimônio ecológico do planeta em fase de dilapidação pelo desprezo com seu próprio futuro.
Essa ausência de raiz nacional está claramente presente na atual política econômica brasileira com toda a ação voltada para os “mercados”, eufemismo que significa voltada para fora do Brasil e para os interesses e sensores que estão no exterior, como se o Brasil, seu governo e população, fossem um detalhe e não um grande Estado, um dos dez maiores do planeta.
Todos esses fatores se refletem na economia, no apequenamento da função de Ministro da Fazenda e de Presidente do Banco Central, o primeiro sem sequer tocar na questão nacional, na questão do emprego, na questão da sobrevivência das comunidades miseráveis pelo Brasil afora, nos 20 milhões de jovens sem emprego, sem educação e sem futuro empilhados nas periferias, arsenal de montagem do crime que assola o Brasil de hoje, um Ministro que se liga mais do que nada a Wall Street e nada ao ethos profundo da nacionalidade.
No mundo moderno há um ESPAÇO PARA O ESTADO e um ESPAÇO PARA O MERCADO, não são excludentes e sim complementares. Nos países centrais de alta renda per capita o Estado pode ser menor que o mercado, como nos EUA, 28% do Estado e 72% do mercado. Na Europa o Estado é maior porque o pensar coletivo é equilibrado com o individual, o Estado tem 40 a 50% da economia, trata-se de opção política do Estado de bem-estar social e zelador do patrimônio cultural. No geral a qualidade de vida na Europa é melhor do que nos EUA, em serviços públicos, cultura, educação e saúde, são opções de sociedades formadas de forma distinta, os EUA mais para o individualismo e o europeu mais para o pensar no coletivo.
Nos países de renda per capita baixa, como o Brasil, o espaço do Estado precisa ser maior porque cabe a ele tarefas que o mercado não irá suprir. É compatível com o estágio da economia brasileira um Estado com 45% da economia e um mercado com 55%, não é estranho às necessidades do País que um mercado voltado mais para a classe média não vai atender as comunidades carentes, hoje 70% da população, cabe ao Estado ampará-las.
Estado e Sociedade dependem de estágios e estes de cultura e educação, cada País deve criar as estruturas de Estado adequadas a sua realidade, sem tentar copiar outras realidades.
A DIFÍCIL SAÍDA DA CRISE ECONÔMICA
A crise econômica brasileira é estrutural e o Plano Real transformou erros que poderiam ser consertados com relativa facilidade em defeitos permanentes cuja reversão é política.
O ciclo de alta de commodities mascarou a crise por vários períodos, dando a impressão de uma evolução da economia que era só aparente, a prova da não evolução é a estagnação da renda per capita e pior ainda, sua má distribuição, um País com uma classe média estagnada em 30 milhões de brasileiros e 170 milhões de pobres e remediados, a chamada classe média baixa. O enorme crescimento das “comunidades”, oceanos de periferias sem estrutura urbana, aglomerações de casebres sem títulos de propriedade, sem serviços de saneamento e coleta de lixo, dominados por gangues e milícias é a expressão da disfuncionalidade do ilusório crescimento de renda em ilhas de alto padrão nas cidades médias e nas metrópoles, nos condomínios fechados e nos núcleos do luxo cercados pela miséria, desesperança e criminalidade, uma sociedade se tornando disfuncional pela desarticulação de seus segmentos, há uma linha de harmonia onde a pobreza é tolerada porque vislumbra um futuro ainda que remoto, MAS quando a pobreza não vê futuro a não ser mais pobreza essa sociedade rompe seus vínculos de classes e se torna disfuncional, rumando para uma implosão.
O Brasil está nessa disjuntiva que só a política no seu nível mais alto pode resolver.
O Brasil não sairá da crise econômica com a atual política monetária e cambial que esgota qualquer possibilidade de investimento público, única ferramenta para reversão do processo recessivo. É uma simples questão aritmética. Não há no horizonte um vislumbre nem a longo prazo da possibilidade de um superávit primário e muito menos um superávit suficiente para pagar os juros da dívida pública. Nessa conta a única forma de pagar os juros é aumentar a dívida pública com a agregação dos juros. Esse processo é insustentável. Tem que ter um fim.
A dívida pública não pode crescer indefinidamente. Há duas saídas simultâneas e somadas:
1. Aumentar rapidamente o investimento público com emissão de moeda e assim reativar a economia e aumentar a arrecadação, uma vez que com a redução substancial do gasto público é impossível a curto prazo a economia crescer. Para isso o modelo de meta de inflação tem que ser abandonado porque haverá algum risco de inflação, embora pequena e o Governo não pode ser amarrado a essa meta como eixo de toda a política econômica, uma só variável não pode reger toda a economia, nenhum banco central se coloca em tal camisa de força, o Federal Reserve tem meta de estabilidade conjugada com meta de pleno emprego, meta de inflação sozinha é uma “moleza” para o Banco Central, derruba tudo e consegue a meta, é um modelo irresponsável, ridículo, irracional, um País não é só isso.
De qualquer modo, dado a capacidade ociosa de mão de obra e capacidade instalada de maquinas e equipamentos há grande espaço para reativar a economia sem inflação.
2. Rebaixar os juros básicos para inflação + 2% ao ano, se não houver tomadores, pagar a dívida com emissão de moeda, como fez o Fed no modelo “quantitative easing”. Para controlar a expansão monetária aumentar o compulsório dos bancos SEM remuneração, é um absurdo um compulsório remunerado, como gosta de fazer o Banco Central para alegria do sistema bancário, docemente obrigado a receber juros, não há algo igual no mundo.
O certo é que o atual modelo fracassou, está fracassando e fracassará no futuro porque só atende ao público rentista e não ao conjunto da população brasileira para o qual existe Governo.
Ao contrário do que dizem as cassandras da mídia econômica, “os mercados” convivem com qualquer modelo, se adaptam, a capacidade de conversão é ilimitada, assim mostra a História.
A economia brasileira merece mais inteligência do que a atual que a serve com desprezo.
CONSEQUÊNCIAS DA RECESSÃO
Uma recessão duradoura já tocando em pisos de depressão traz como consequência duradoura a destruição das esperanças de uma ou mais gerações de jovens pobres entre 14 e 15 anos. Sem o primeiro emprego não haverá o treinamento para a vida econômica e o Brasil corre o risco de perder 20 milhões de jovens sem perspectivas a não ser no crime.
A segunda consequência é a concentração de capital. Enquanto no andar de baixo há uma devastação nas micro e pequenas empresas, na plataforma do financismo está ocorrendo uma rápida concentração de capital por meio de fusões e aquisições bilionárias, o que é algo negativo para o conjunto da população, para o equilíbrio da economia competitiva e para o poder do Estado brasileiro. Ao lado desse fator outro ainda pior, a continua venda de grandes ativos como hidroelétricas, distribuidoras de energia, aeroportos, portos, empresas de água a grupos estrangeiros, saudados como salvadores da economia estagnada, completando com a cereja do bolo, a venda de largas extensões de terra a multinacionais, consequências da depreciação do valor dos ativos brasileiros causada pelo atual modelo econômico.
Assim, enquanto a recessão causa danos imediatos pela perda decorrente da ociosidade da mão de obra e do aparelho produtivo da economia, ao mesmo tempo gera efeitos duradouros no longo prazo pela mudança de posição nos grandes conjuntos da micro economia, pela perda de espaço da pequena e média empresa, pelo fechamento de pequenos negócios, exatamente aquele que dá o primeiro emprego e o primeiro treinamento para a vida econômica ao mesmo tempo em que favorece a criação de grandes oligopólios e carteis em todos os setores.
O revigoramento da economia pelo estimulo monetário tem o condão de romper com amarras de uma economia bloqueada pelo financismo que surfa na recessão, mais moeda em circulação dinamizará todos os circuitos de indústria pelo aumento da demanda, ativando a microeconomia com uma nova corrida pela produção onde a moeda é menos valiosa do que os ativos reais e produtos físicos, valorizando a mão de obra e enfraquecendo o rentismo paralisante.
A QUESTÃO POLÍTICA
A governabilidade do Brasil com qualquer partido ou Governo no poder é INSUSTENTÁVEL com a permanência da atual estagnação da economia com claros sinais de DEPRESSÃO. É muito difícil sair de uma depressão, muito mais difícil do que acabar com a inflação, quadro cujo remédio é muito bem conhecido a partir do Plano Schacht que acabou com a hiperinflação alemã de 1923 em seis meses, plano esse do qual o Plano Real é uma cópia total.
O mundo econômico sabe como acabar com uma inflação, mas não com a depressão.
O Brasil está INOVANDO a economia mundial, é a única grande economia na história que às voltas como uma recessão tem uma política econômica PARA AUMENTAR A RECESSÃO e provocar a depressão na sequência, de forma deliberada. É o caso de um País e suas classes dirigentes cometendo suicídio. O Governo não procura sair da recessão, procura aumentá-la com um modelo pró-recessão chamado METAS DE INFLAÇÃO e com juros vezes acima da média internacional. Não se vê nos programas dos potenciais candidatos nenhuma proposta para sair dessa caminhada para o abismo, o Brasil mais uma vez inovando para o mundo ver.

Comentário
Discordo de vários pontos, dentre eles a emissão de moeda – seria mais conveniente repatriar uma parte dos títulos públicos, 10% do valor alocado nos títulos norte-americanos já seriam cerca de 100 bilhões de reais, uma magnitude que poderia promover um significativo aumento dos investimentos públicos.
         Ainda assim o artigo é válido por vários pontos elencados.
         Estes parágrafos são particularmente argutos:
“Já especialmente o Plano Real teve como equipe e direção personagens com formação nos Estados Unidos, alguns com vivência e atividade naquele País, outros com ligação com bancos e fundos estrangeiros, com uma visão alienada de qualquer sentido nacional, com projetos pessoais, mas não de País. No Governo FHC a predominância desse biótipo foi preponderante, perdeu-se aquela ligação profunda com as raízes do Brasil que vinha da Era Vargas para uma elite alienada de alma e visão, com um pé no exterior maior do que o pé no Brasil.
Nessa esteira chegamos até nossos dias como dirigentes culturalmente ligados ao estrangeiro no comando da economia, mesmo sem desvio de interesse faz com que sua ação se desligue dos anseios mais arraigados do povo brasileiro para se vincular a uma visão globalizada no seu sentido mais perverso, não naquela visão que procura inserir o País no movimento global sem perder a raiz nacional, como faz a China, mas sim na percepção colonizada de que o estrangeiro é sempre melhor, bom é ser da metrópole e o Brasil apenas uma terra de passagem e saque para viver no exterior, o pior tipo de elite que um País pode produzir, elite de mente colonizada e envergonhada de seu próprio País.”

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