Recentemente se iniciou um debate na Itália a respeito dos termos pejorativos como culturame - lixo intelectual - novamente em uso depois de décadas. Os políticos empregam estes termos para desacreditar os intelectuais da oposição.
Se estou bem lembrado, culturame foi um termo cunhado por Mario Scelba, Ministro italiano do Interior nos últimos anos da década de 1940, que só acreditava na lógica dos cassetetes da polícia.
Spiro Agnew, vice-presidente de Richard Nixon, falava dos esnobes decadentes, o qual remete aos velhos seminários fascistas que riam dos escritores ou dos intelectuais que falavam com sotaque espanhol a respeito dos poetas românticos.
Uma expressão semelhante em inglês é eggheads (cabeças de ovo). Durante os conflitos políticos do pós-guerra, os intelectuais de direita ressuscitaram a expressão inocentes úteis, que foi como Vladimir Lênin chamou os intelectuais que simpatizavam com a esquerda.
Todos esses termos reforçam a ideia de que o desprezo em relação aos intelectuais é uma característica da direita. A consequência é que não existam intelectuais de esquerda, porque todos os intelectuais são da oposição.
Por definição, um intelectual sempre está em oposição a algo; inclusive os que apoiam a direita podem opor-se a ela em muitas questões. Houve grandes intelectuais conservadores, inclusive alguns reacionários. Reacionário não é palavrão - como nos dias de Peppone e de Dom Camilo nos romances de Giovanni Guareschi a respeito de um povoado italiano no pós-guerra - porque muitos intelectuais e artistas já sonharam com a volta a uma ou outra tradição, a um ou outro regime do passado.
Um reacionário não é apenas um fascista. Dante - um importante intelectual - era um reacionário, e mesmo atualmente existem muitos escritores que não fazem outra coisa a não ser criticar a modernidade, a tecnologia e as utopias revolucionárias.
Recentemente a direita italiana identificou como seus "heróis" intelectuais pessoas que eram de esquerda por definição - caso (talvez de forma justa) do intelectual italiano Pier Paolo Pasolini, uma vez que defendia um estado pré-industrial da natureza.
Poucas pessoas fora da Itália, e talvez até dentro dela, lembram-se das especulações ocorridas nos anos 1960 a respeito do nascimento de uma cultura de direita. Havia inclusive uma revista chamada La Destra (A Direita).
Alguns editores como Borghese desenterraram uma obra sem importância de Adolf Hitler e se rebaixaram a publicar Spiro Agnew (chamado no seu tempo de o vice-presidente mais reacionário dos Estados Unidos, o homem que diz em voz alta aquilo que Richard Nixon apenas sussurra).
A Rusconi Books publicou muitos representantes do pensamento de direita. Essas obras - desde o japonês Yukio Mishima e o escritor italiano Giuseppe Prezzolini até o escritor e político italiano Panfilo Gentile - redescobriram uma verdadeira "grande" filosofia reacionária como a de Joseph de Maistre, diplomata francês da era pós-revolucionária considerado um precursor do fascismo.
Para encontrarmos escritores de renome que eram ou são de direita, conservadores ou reacionários basta olhar ao nosso redor.
Podemos encontrar escritores fascistas ou antissemitas como Louis-Ferdinand Celine ou Ezra Pound. E inimigos clássicos da modernidade como o austríaco e historiador de arte Hans Sedlmayr, o filósofo Martin Heidegger ou o intelectual galês René Guénon.
Se olharmos os catálogos dos editores ditos democráticos, podemos encontrar tentativas da esquerda de revindicar para si alguns escritores de direita, como acontece com Ernst Junger ou com Oswald Spengler. Estes escritores de direita não serão também culturame?
O certo é que pensamos na direita como algo homogêneo. Inclusive nestes círculos achamos intelectuais que os reconhecem como seus pares, mas por serem intelectuais não rotulam os seus opositores como culturame ou esnobes decadentes.
Outros - criaturas do sistema da política de farda, lacaios dos políticos, interessados apenas no poder ou no dinheiro - nunca leram o suficiente para saber que existem os intelectuais de direita. Apenas enxergam os de esquerda, principalmente quando estão na oposição.
Para essas mentalidades limitadas, intelectual é sinônimo de opositor. Como o comandante da Luftwaffe (força aérea alemã), Hermann Goering, quando ouvem falar de cultura levam as mãos às suas armas.
Embora a comparação com Goering seja duvidosa, a linha de pensamento surge na obra de teatro nazista "Schlageter", por Hanns Johst: "Wenn ich Kultur hore ... entsichere meinen Browning". Mas aqueles que lançam mão das suas armas não sabem nada a respeito da origem da citação. Não leem; simplesmente não leem.
Umberto Eco é filósofo e escritor. É autor de "A Misteriosa Chama Da Rainha Loana", "Baudolino", "O Nome da Rosa" e "O Pêndulo de Foucault". Artigo distribuído pelo The New York Times Sybdicate.
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