O tema do câmbio é inerentemente complicado, basta ver o esforço das reportagens do jornal televisivo em persistentemente dar voltas e voltas para explicar o efeito do câmbio sobre importadores, exportadores e o consumidor-telespectador. Essa complicação não é percebida apenas pelos não-economistas, pelo contrário, quando o debate ganha especificidades técnicas ele fica mais obscuro e embaralhado. Isso é de certa forma natural quando se tem que explicar, por exemplo, a relação entre a posição vendida em dólares dos bancos (conseqüentemente comprada em reais) e as compras de dólares do banco central acima do fluxo cambial e como ela afeta a taxa de câmbio brasileira. Soma-se a esse embaraço as diferentes opiniões que carregam consigo matrizes teóricas heterogêneas e, por vezes, um fundo ideológico.
Diante disso, talvez seja importante dar uns passos para trás para lançar um pouco de luz sobre tema um tanto complexo. Um primeiro passo é entender o mercado de câmbio em uma forma mais simples, sem o mercado de derivativo e sem as intervenções do banco central. Nesse caso a cotação da taxa de câmbio depende de duas coisas:
1) do fluxo cambial líquido - que é dado pela entrada e saída de divisas do país
2) da vontade dos bancos em manter ou variar sua posição cambial. (Isso considerando que somente os bancos podem carregar posições cambiais à vista.)
Dessa forma, pode haver situações em que a entrada líquida de dólares é importante, mas o real se desvaloriza já que os bancos querem aumentar a posição comprada em dólares. Ou seja, os dólares do mercado são disputados a tapa pelos bancos que oferecem preços melhores pela moeda americana, o que desvaloriza o real.
A situação oposta ocorre quando não há fluxo positivo de divisas, mas os bancos querem se livrar de posições compradas em dólar. Nesse caso, (faça você o raciocínio) a taxa de cambio do real se valoriza. Isso explica algo que é objeto de muita incompreensão – o fato do movimento da taxa de câmbio não ser explicado pelo fluxo de divisas.
Para dar passo à frente precisamos incluir o banco central em nosso esquema. Esse intervém no mercado à vista comprando ou vendendo divisas e essa intervenção tem impacto na posição cambial dos bancos. Ou seja, dado um fluxo cambial (FC) nulo, uma operação de compra de dólares do banco central (BC) implicará em uma variação na posição vendida dos bancos (-PB) no mesmo valor, sendo FC=BC+PB.
Em 2010, o que ocorreu no Brasil foi que o banco central comprou mais dólares que o fluxo cambial (BC>FC) logo os bancos venderam dólares e construíram enormes posições vendidas. Contudo, não se pode afirmar que o banco central é responsável pela posição vendida dos bancos, esses não são obrigados a vender ao banco central, eles vendem porque há algo rentável na operação. Além disso, não se pode afirmar que os bancos estão especulando pela valorização do real simplesmente por estarem vendidos em dólar no mercado à vista. Um banco pode estar vendido à vista e comprado no futuro, de forma que sua exposição cambial (não é mais posição!) seja nula.
O mercado de derivativos de câmbio traz duas questões importantes além do hedge acima citado: primeiro ele é um lócus de especulação de diversos agentes que, vendendo dólar futuro, apostam na valorização da moeda brasileira. Segundo, ele dá oportunidades de arbitragem aos bancos entre as cotações à vista e futura. Isso, porque a pressão especulativa sobre o dólar futuro torna seu preço barato em relação ao preço à vista o que leva os bancos a tomarem empréstimos externos, venderem dólar internamente (ao banco central!) e comprarem dólar futuro para fazer o hedge da operação. O resultado final dessa arbitragem, além da valorização do real, é um lucro sem riscos e um aumento da posição vendida de dólar à vista.
Finalmente, essa demorada explanação presta-se a embasar algumas expectativas quanto ao impacto da circular 3520 do banco central que institui o recolhimento de compulsório sobre a posição vendida em câmbio dos bancos.
Em um primeiro momento espera-se o abrandamento do canal de arbitragem dos bancos descrito nesse artigo, fazendo com que o preço do dólar futuro se ajuste ao à vista – e não o contrário. Adicionalmente, é esperada uma leve corrida dos bancos ao mercado para comprar os dólares disponíveis de forma a ajustar sua posição à vista, valorizando a moeda americana, e desvalorizando o real.
Nesses termos, a função de enxugar a liquidez em dólar, originalmente da autoridade monetária, passa temporariamente para os bancos. Isso não impede que o banco central faça leilões de compra, o que muda é o tamanho do apetite dos bancos em vender. E quais as limitações dessa medida? Bom, a circular 3520 não onera os influxos de capitais, portanto, uma nova onda de entrada de recursos motivada por expectativas de aumentos na Selic ou por uma nova rodada de afrouxamento monetário do FED exigirá medidas de outra natureza.
Pedro Rossi, economista, é pesquisador do Centro de Estudos de Conjuntura e Política Econômica da UNICAMP (Cecon).
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