Em janeiro de 2003, no Fórum Social Mundial, Lula fez um discurso para uma multidão, em Porto Alegre. Como membro do comitê organizador, eu estava lá. A emoção de estar vivendo algo novo tomava conta do ambiente.
Passados dez anos, li e reli a transcrição deste discurso. E lembrei da esperança que havia tomado conta do país. De fato, o Brasil não é o mesmo. Só não vê que mudou quem não se conforma com um governo apoiado por camadas populares. Isto, aliás, já é uma mudança num país de tradição elitista, que nunca reconheceu a cidadania dos milhões de trabalhadores, favelados, camponeses, quilombolas, indígenas, pobres e excluídos. O governo petista é expressão da vontade política dessas maiorias.
A lista de feitos é grande. Lembro algumas políticas para enfrentar a exclusão social: Bolsa Família e segurança alimentar, políticas para promoção de igualdade étnica, racial, de gênero, ações em favor dos não plenamente reconhecidos como cidadãos. As políticas em termos de direito ao trabalho e renda: geração de milhões de empregos. As políticas de educação e o acesso de milhões a bens e serviços antes impossíveis, popularizando o consumo e puxando o crescimento do país. No plano da economia, a política recente de redução dos juros.
O que poderia ser feito e que não aconteceu também é uma lista grande. Em vez de investimentos para garantir o direito à mobilidade, incentivou-se o carro individual, congestionando as cidades. Na segurança pública, o medo continua. Continuamos não enfrentando a negação do direito à água e ao saneamento das camadas populares. Num país de chuvas torrenciais, continuamos uma nulidade em prevenção. Talvez na saúde resida o câncer maior. Os esforços são notáveis; os resultados, pífios.
Para finalizar, destaco a mudança que faltou. O PT vai ser responsabilizado por não ter usado sua legitimidade para apontar no rumo de um novo modelo. O agronegócio cresceu e a reforma agrária ficou para as calendas gregas. Cerca de 70 mil grandes propriedades do agronegócio no Brasil têm 200 milhões de hectares, um quarto do nosso território. E 4 milhões de famílias penam para ter terra. O modelo econômico reativado aponta as mesmas opções de antes: exportações baseadas em "commodities" minerais e agrícolas, agronegócio, projetos sob a liderança de grupos econômicos e financeiros, energia ao custo de impactos socioambientais. Um modelo responsável pela crise social, ambiental e climática que a humanidade enfrenta.
O desafio, após dez anos de governo do PT, é criar uma onda de mudanças democráticas no país, em termos de mudança estrutural, de direitos e de participação cidadã, de sustentabilidade da sociedade com respeito ao nosso bem comum maior, o patrimônio natural de que somos gestores. Não temos como avançar em justiça social sem enfrentar a questão da sustentabilidade. Isto ainda está longe do ideário do PT.
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