Quando li, no Valor Econômico, a entrevista em que Joaquim Barbosa denunciou um misterioso carro preto que ronda sua casa, perguntei: por que o presidente do STF não chama a Polícia em vez de denunciar o fato para dois jornalistas?
Como lembrou um advogado que conhece essas coisas, bastaria um telefonema de uma autoridade da República para que a Polícia Federal entrasse em ação – até com helicópteros, se fosse necessário.
Barbara Gancia foi mais rápida. Escreveu: “Hmmmm”.
A verdade é que acho que a fase de embargos do julgamento do mensalão está trazendo surpresas desagradáveis para quem imaginava que seria um puro espetáculo midiático.
Pontos fracos da denúncia se tornam mais evidentes, na medida em que pessoas interessadas em debater o que houve têm a possibilidade de refletir e elaborar sobre o que assistiram.
Há pontos que chamam a atenção. Está demonstrado que as penas de corrupção ativa foram definidas a partir de um erro clamoroso de datas, permitindo que os réus fossem punidos a partir de parâmetros mais duros do que a lei determinava na época em que os fatos ocorreram.
Há outros casos.
Está cada vez mais difícil demonstrar, com base nos autos, que houve desvio de dinheiro público. As auditorias não apontam para desvios nem irregularidades. As notas fiscais que demonstram serviços fiscais estão lá, os gastos das agências também.
Outro dado curioso. Existe um laudo elaborado por três peritos do Instituto de Criminalística que concluiu, após demorada apuração, que oito dirigentes do Banco do Brasil deveriam ser apontados como responsáveis pelos recursos que, conforme a denúncia, foram desviados para o esquema de corrupção.
Não estou dizendo que isso ocorreu. Estou dizendo que essa era a narrativa da acusação.
Curiosamente, o único condenado como gestor dos recursos do Visanet foi Henrique Pizzolato, que não foi acusado pelos peritos e não era o gestor daqueles recursos. O outro apontado, Luiz Gushiken, foi julgado e inocentado cinco anos depois.
Veja-se, também, o que aconteceu com a tese de “compra de votos”.
Até agora não apareceu um caso concreto de compra de votos no Congresso durante o governo Lula. Não há uma lei que teria sido aprovada com esse tipo de ajuda.
Ao contrário da emenda da reeleição, em que pelo menos dois parlamentares admitiram que haviam vendido seus votos, no mensalão não apareceu um caso concreto.
Acreditando naquilo que determinados ministros disseram durante o julgamento, insinuando que o mensalão servira para comprar votos para a reforma da previdência, o PSOL tentou entrar na festa pela porta dos fundos.
Bateu às portas do Supremo para pedir que a reforma da previdência fosse anulada. Em teoria, era muito coerente. Se a reforma foi produto de crime, os bons princípios recomendariam que fosse revogada – algo semelhante a obrigar um ladrão a devolver o dinheiro depois de um roubo.
A tese não conseguiu passar nem pelo procurador-geral Roberto Gurgel, aquele que no início do julgamento lançou a teoria da “compra de votos, compra de consciências”.
Lembrando que é preciso distinguir entre prova e presunção, Gurgel rejeitou o pedido lembrando que “não se pode presumir sem que tenha havido a respectiva condenação, que outros parlamentares foram beneficiados pelo esquema e, em troca, venderam seus votos para a aprovação da Emenda número 41”.
É isso aí, meus amigos: presumir é diferente de provar.
Mas ficou uma pergunta: se a presunção não vale para anular a reforma, por que pode valer para condenar aquilo que se chamou de “organização criminosa”?
Nem vamos lembrar que só agora soubemos que, sob a presidência de Cármen Lúcia, ministra do STF, o Tribunal Superior Eleitoral aprova as contas de campanha do Partido dos Trabalhadores desde 2002.
De duas uma: ou o TSE não fez o serviço direito, e deve ser questionado por isso; ou o TSE fez tudo certo e então são as denúncias contra o PT que merecem ser questionadas.
É difícil negar que o comportamento de Joaquim Barbosa tem contribuído para diminuir a credibilidade das decisões do tribunal.
Em entrevista a Isabelle Torres e Josie Jeronimo, publicada pela IstoÉ que acaba de chegar às bancas, a ministra Delaíde Arantes, do TST, faz várias afirmações que traduzem um sentimento que não é só dela. “Ele faz críticas à magistratura que eu não faria, pois não contribuem para alterar nada no Judiciário”. A ministra condena o comportamento de Joaquim Barbosa no julgamento do mensalão. “Preocupam-me as declarações que ele fez ao ministro Ricardo Lewandowski. Eu não critico um colega que vota diferente de mim. Não acho que tenho esse direito. Eu realmente tenho uma preocupação com a forma como ele fala e como se coloca”.
É neste ambiente que o debate sobre os embargos terá início.
A preocupação é tanta que pretende-se submeter o ministro Teori Zavascki, que acaba de assumir sua cadeira no Supremo, a um conhecido jogo de pressões em tom patriótico.
Saudado de forma unânime quando foi indicado, Zavascki já não é festejado com o mesmo ânimo.
Isso porque é um ministro que já criticou a “banalização” do crime de formação de quadrilha – postura que, se for mantida no exame de embargos, pode beneficiar vários condenados, a começar por José Dirceu. O novo ministro tem uma postura mais cautelosa em relação a outro crime, lavagem de dinheiro, e, numa demonstração de apego ao princípio da soberania popular, já deixou claro que, em sua opinião, apenas o Congresso tem o direito de interromper o mandato de políticos eleitos.
Nesse ambiente, procura-se ressuscitar o coral cívico que fez a trilha sonora do julgamento.
É um perigo.
Os embargos são a última oportunidade para se evitar possíveis erros e contradições de um julgamento que terminou em penas pesadas, que implicarão em anos de perda de liberdade.
É bom que os fatos sejam examinados com serenidade.
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