Ao contrário do que pretende nos enganar o libelo privatista, a maior parte das grandes petroleiras do planeta é composta de empresas públicas.
Em um país que costuma apagar rapidamente eventos históricos importantes de sua memória coletiva, nunca é demais recuperar fatos carregados de significado. Tanto mais pelo simples fato de que, muitas vezes, tendem a se repetir por aqui ensaios esfarrapados, como se fossem a maior novidade da face da Terra.
Refiro-me, no caso, a todo esse carnaval que vem sendo feito em torno da tentativa de desmonte que o governo Temer está tentando patrocinar em cima de uma das maiores conquistas do povo brasileiro ao longo das últimas décadas - a Petrobrás. A blindagem dos meios de comunicação em torno de críticas às opções de política econômica se completa com a construção de uma narrativa, segundo a qual a equipe é formada de indivíduos de elevada competência técnica e profissional. E o mesmo fenômeno se dá com o Pedro Parente, o indicado para a presidência da nossa petroleira. Tudo na base da torcida e do embalo do “agora, vai!”.
Ocorre que, durante o governo FHC, já haviam sido encaminhadas uma série de medidas com o mesmo objetivo de hoje: preparar o pacote para viabilizar a privatização da empresa. Em 1999, por exemplo, o governo tucano preparou o lançamento de ações do grupo para serem negociadas na Bolsa de Nova Iorque. Tal iniciativa nos era vendida como mais um importante passo para a nossa aceitação no glorioso mundo das finanças internacionais. O pequeno detalhe - para além de todas as demais implicações perigosas de natureza política, financeira e econômica - residia no fato de que a empresa estaria sujeita às chantagens e demandas judiciais no universo do financismo ianque e globalizado.
No ano seguinte, outra importante decisão foi tomada com relação à empresa. No pior/melhor estilo de submissão ao “glamour” do ambiente determinado pelos interesses do capital internacional, a equipe de FHC resolveu que o nome do grupo era, digamos assim, por demais brasileiro. Assim, dando seguimento ao caminho definido pelo complexo de vira-lata, ele deveria ser alterado para uma referência mais internacional: Petrobrax. O então presidente Reichstul dá início a essa complexa e custosa operação, que deveria sair por US$ 50 milhões apenas para a mudança da logomarca. Estávamos em dezembro de 2000, articulou-se uma ampla inédita resistência política entre o Natal e Ano Novo e o processo terminou não se consumando. A empresa se manteve perante o mundo com o nome pelo qual sempre fora conhecida.
Dezesseis anos depois, a coisa tenta se repetir. Aproveitando-se da crise de imagem e das inegáveis dificuldades conjunturais enfrentadas pela Petrobrás em função da Operação Lava Jato, o financismo se prepara para mais uma tentativa de bote. O atual presidente tucano da empresa se arvora direitos imperiais e começa a decidir isoladamente a respeito do futuro do conglomerado estatal. Vale lembra que todas as vezes em que o PSDB ensaiou colocar o tema da privatização da Petrobrás na pauta de disputa eleitoral, foi fragorosamente derrotado nas urnas. Assim, torna-se bastante compreensível que tenha se aproveitado do subterfúgio de chegar ao poder pela via do golpe para implementar tal estratégia.
Dessa forma, Parente decidiu que não interessa mais à empresa a participação em áreas estratégicas, a exemplo de biocombustíveis, distribuição de GLP (gás de cozinha), produção de fertilizantes e petroquímica. De acordo com o novo plano de negócio divulgado há poucos dias, a Petrobrás deveria se voltar exclusivamente para a simples exploração de óleo e gás, justamente o tipo de atividade que gera menos valor agregado. Reproduzimos aqui o velho esquema neo-colonialista de produtor/explorador de “commodities” na periferia, ao passo que as atividades mais estratégicas ficam para os países do centro do mundo.
Além disso, a orientação estabelecida por Parente para os próximos anos é de “desinvestimento”, termo charmoso do financês que significa nada mais, nada menos que a privatização de ativos (empresas) existentes no grupo e a retirada estratégica do crescimento previsto em áreas nobres do setor. Sob o argumento falacioso de que a Petrobrás estaria “quebrada”, não restaria outra alternativa do que a venda de seu patrimônio para solucionar problemas de endividamento.
No mais típico estilo monárquico do “Estado sou eu”, Parente resolveu que o Brasil não precisa de uma Petrobrás tão forte e influente. E ponto final. Como se não bastasse esse tipo de postura autoritária e antidemocrática, ele também decidiu que os programas de conteúdo nacional tampouco são benéficos ao país e à empresa. Assim vai sugerir mudança na legislação e abrir escancaradamente a possibilidade de importação dos componentes dos núcleos de alta tecnologia exigidos no processo operacional produtivo. Ora, se há problemas de fornecimento no modelo atual, o estímulo deve ser na direção de melhor capacitar a indústria nacional para tal missão e não abrir esse precioso mercado para a China e demais países.
Esse é um dos aspectos do verdadeiro desmonte que se pretende impor, sem que nossa população seja sequer consultada a esse respeito. Há uma enorme confusão entre as perdas derivadas dos efeitos da Operação Lava Jato e a situação real da maior empresa petrolífera do País. A Petrobrás continua sendo uma das maiores e mais importantes empresas petrolíferas do mundo. Atualmente ela ocupa a 14ª posição. E vale a observação de que a grande maioria das empresas que estão à sua frente são também estatais ligadas a países que possuem níveis elevados de reservas a serem exploradas. Assim, estão ali no topo da lista empresas públicas de Arábia Saudita, Noruega, Irã, México, Kuwait, Abu Dhabi, Rússia, Argélia, Qatar, China, Iraque, Venezuela e outros.
Assim, ao contrário do que pretende nos enganar o libelo privatista, a maior parte das grandes petroleiras do planeta é composta de empresas públicas. O blá-blá-blá privatizante não se sustenta entre os que conhecem minimamente o funcionamento de um mercado tão específico e complexo como esse. As reservas do Pré Sal são a garantia plena e segura de que os problemas atuais da Petrobrás podem ser facilmente solucionados no médio prazo, com a consolidação das dívidas acumuladas e a urgente retomada dos investimentos. Não é necessário privatizar para superar a crise. Pelo contrário, recuperar a Petrobrás é essencial para retomada do crescimento de nossa economia, tendo em vista sua importante contribuição na formação do investimento agregado e na manutenção da atividade econômica de forma geral.
A cada semana que passa, são divulgadas novas informações a respeito da produção física da empresa. As últimas estatísticas são relativas ao mês de agosto. Assim, por exemplo, no mês passado batemos novo recorde na produção total de petróleo e gás no Brasil. Além disso, foi atingido no mês um novo valor máximo na média diária de exploração de petróleo, com o pico de 2,22 de barris por dia (bpd).
O que mais impressiona não é exatamente a intenção privatizante do governo Temer. Afinal isso já era amplamente esperado, desde o lançamento do documento “Ponte para o Futuro”. Esse foi o momento em que o PMDB se ofereceu de forma aberta ao mundo financeiro como uma alternativa confiável para ocupar o Palácio do Planalto e toda a Esplanada dos Ministérios.
Na verdade, o que chama a atenção é que o governo tenha nomeado para a presidência da empresa alguém que se declare tão abertamente a favor da venda da empresa para o capital privado. Alguém que vai sabotar de forma declarada e explícita a capacidade de recuperação da Petrobrás e promover o retorno do espírito que havia sido sepultado no passado. Para nosso desespero, estão por aí nos rondando os assombros da PETROBRAX.
* Paulo Kliass é doutor em Economia pela Universidade de Paris 10 e Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, carreira do governo federal.
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