Organizei 10 perguntas e respostas sobre a PEC 241, com base na minha apresentação de ontem na Comissão de Assuntos
Econômicos do Senado. Espero que ajude aqueles que estão sendo convencidos pelo
senso comum. Lembrem-se: o orçamento público é muito diferente do orçamento
doméstico.
1. A PEC serve para estabilizar a
dívida pública?
Não. A crise fiscal brasileira é sobretudo
uma crise de arrecadação. As despesas primárias, que estão sujeitas ao teto,
cresceram menos no governo Dilma do que nos dois governos Lula e no segundo
mandato de FHC. O problema é que as receitas também cresceram muito menos --
2,2% no primeiro mandato de Dilma, 6,5% no segundo mandato de FHC, já
descontada a inflação. No ano passado, as despesas caíram mais de 2% em termos reais,
mas a arrecadação caiu 6%. Esse ano, a previsão é que as despesas subam 2% e a
arrecadação caia mais 4,8%.
A falta de receitas é explicada pela
própria crise econômica e as desonerações fiscais sem contrapartida concedidas
pelo governo e ampliadas pelo Congresso. Um teto que congele as despesas por 20
anos nega essa origem pois não garante receitas, e serve para afastar
alternativas que estavam na mesa no ano passado, como o fim da isenção de 1995
sobre tributação de dividendos, o fim das desonerações e o combate à sonegação.
A PEC garante apenas que a discussão seja somente sobre as despesas.
A PEC também desvia o foco do debate sobre
a origem da nossa alta taxa de juros -- que explica uma parte muito maior do
crescimento da dívida, já que refere-se apenas às despesas primárias federais.
Uma elevação da taxa de juros pelo Banco Central tem efeito direto sobre o
pagamento de juros sobre os títulos indexados à própria taxa SELIC, por exemplo
-- uma jabuticaba brasileira.
A PEC é frouxa no curto prazo, pois
reajusta o valor das despesas pela inflação do ano anterior. Com a inflação em
queda, pode haver crescimento real das despesas por alguns anos (não é o
governo Temer que terá de fazer o ajuste). No longo prazo, quando a arrecadação
e o PIB voltarem a crescer, a PEC passa a ser rígida demais e desnecessária
para controlar a dívida.
2. A PEC é necessária no combate à
inflação?
Também não. De acordo com o Banco Central,
mais de 40% da inflação do ano passado foi causada pelo reajuste brusco dos
preços administrados que estavam represados (combustíveis, energia
elétrica...). Hoje, a inflação já está em queda e converge para a meta. Ainda
mais com o desemprego aumentando e a indústria com cada vez mais capacidade
ociosa, como apontam as atas do BC.
3. A PEC garante a retomada da
confiança e do crescimento?
O que estamos vendo é que o corte de
despesas de 2015 não gerou uma retomada. As empresas estão endividadas, têm
capacidade ociosa crescente e não conseguem vender nem o que são capazes de
produzir. Os indicadores de confiança da indústria, que aumentaram após o
impeachment, não se converteram em melhora real. Os últimos dados de produção
industrial apontam queda em mais de 20 setores. A massa de desempregados não
contribui em nada para uma retomada do consumo. Uma PEC que levará a uma
estagnação ou queda dos investimentos públicos em infraestrutura física e
social durante 20 anos em nada contribui para reverter esse quadro, podendo até
agravá-lo.
4. A PEC garante maior eficiência na gestão
do dinheiro público?
Para melhorar a eficiência é necessário
vontade e capacidade. Não se define isso por uma lei que limite os gastos. A
PEC apenas perpetua os conflitos atuais sobre um total de despesas já reduzido,
que costuma ser vencido pelos que têm maior poder econômico e político. Alguns
setores podem conquistar reajustes acima da inflação, e outros pagarão o preço.
5. A PEC preserva gastos com saúde e
educação?
Não, estas áreas tinham um mínimo de
despesas dado como um percentual da arrecadação de impostos. Quando a
arrecadação crescia, o mínimo crescia. Esse mínimo passa a ser reajustado
apenas pela inflação do ano anterior. Claro que como o teto é para o total de
despesas de cada Poder, o governo poderia potencialmente gastar acima do
mínimo. No entanto, os benefícios previdenciários, por exemplo, continuarão
crescendo acima da inflação por muitos anos, mesmo se aprovarem outra reforma
da Previdência (mudanças demoram a ter impacto). Isso significa que o conjunto
das outras despesas ficará cada vez mais comprimido.
O governo não terá espaço para gastar mais
que o mínimo em saúde e educação (como faz hoje, aliás). Gastos congelados
significam queda vertiginosa das despesas federais com educação por aluno e
saúde por idoso, por exemplo, pois a população cresce.
Outras
despesas importantes para o desenvolvimento, que sequer têm mínimo definido,
podem cair em termos reais: cultura, ciência e tecnologia, assistência social,
investimentos em infraestrutura, etc. Mesmo se o país crescer...
6. Essa regra obteve sucesso em outros
países?
Nenhum país aplica uma regra assim, não
por 20 anos. Alguns países têm regra para crescimento de despesas. Em geral,
são estipuladas para alguns anos e a partir do crescimento do PIB, e combinadas
a outros indicadores. Além disso, nenhum país tem uma regra para gastos em sua
Constituição.
7. Essa regra aumenta a transparência?
Um Staff Note do FMI de 2012 mostra que
países com regras fiscais muito rígidas tendem a sofrer com manobras fiscais de
seus governantes. Gastos realizados por fora da regra pelo uso de contabilidade
criativa podem acabar ocorrendo com mais frequência.
O país já tem instrumentos de
fiscalização, controle e planejamento do orçamento, além de metas fiscais
anuais. Não basta baixar uma lei sobre teto de despesas, é preciso que haja o
desejo por parte dos governos de fortalecer esses mecanismos e o
realismo/transparência da política fiscal.
8. A regra protege os mais pobres?
Não mesmo! Não só comprime despesas essenciais
e diminui a provisão de serviços públicos, como inclui sanções em caso de
descumprimento que seriam pagas por todos os assalariados. Se o governo gastar
mais que o teto, fica impedido de elevar suas despesas obrigatórias além da
inflação. Como boa parte das despesas obrigatórias é indexada ao salário
mínimo, a regra atropelaria a lei de reajuste do salário mínimo impedindo sua
valorização real -- mesmo se a economia estiver crescendo.
O sistema político tende a privilegiar os
que mais têm poder. Reajusta salários de magistrados no meio da recessão, mas
corta programas sociais e investimentos. Se nem quando a economia crescer, há
algum alívio nessa disputa (pois o bolo continua igual), é difícil imaginar que
os mais vulneráveis fiquem com a fatia maior.
9. A PEC retira o orçamento da mão de
políticos corruptos?
Não. Apesar de limitar o tamanho, são eles
que vão definir as prioridades no orçamento. O Congresso pode continuar
realizando emendas parlamentares clientelistas. No entanto, o Ministério da
Fazenda e do Planejamento perdem a capacidade de determinar quando é possível
ampliar investimentos e gastos como forma de combate à crise, por exemplo.
Imagina se a PEC 241 valesse durante a crise de 2008 e 2009?
10. É a única alternativa?
Não. Há muitas outras, que passam pela
elevação de impostos sobre os que hoje quase não pagam (os mais ricos têm mais
de 60% de seus impostos isentos de tributação segundo dados da Receita
Federal), o fim das desonerações fiscais que até hoje vigoram e a garantia de espaço
para investimentos públicos em infraestrutura para dinamizar uma retomada do
crescimento. Com o crescimento maior, a arrecadação volta a subir.
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