A mídia e o Governo se orientam por um referencial econômico que não representa a
economia brasileira.
Nesse mundo fantasioso existem como personagens a Bolsa, o investidor
estrangeiro, a Avenida Faria Lima em São Paulo, a Rua Dias Ferreira no Rio e
uma categoria de mães de santo chamados de “economistas-chefes de bancos”, que
adoram frações de frações de 1% de qualquer coisa para mostrar precisão e
genialidade. No ultimo FOCUS desta segunda-feira, reviram a perspectiva de
crescimento do PIB para 2017, de 0.42 para 0.46%, como se esse preciosismo de
“forecasting” tivesse alguma importância real para a população brasileira.
Reparem bem: não é um numero da realidade, é o preciosismo na projeção
para o futuro. Ao invés de o Brasil crescer 0,42%, vai crescer 0,46%. Os dois
números podem estar completamente errados, mas para o FOCUS eles são
importantíssimos, porque garante os empregos dos “economistas-chefes”.
Não estão representados neste cenário de "faz-de-conta" as
milhares de empresas médias do Rio Grande do Sul ao Amazonas, os milhões de
pequenos empresários que são a espinha dorsal do emprego e renda, o fundamental
setor agrícola e pecuário, tanto de exportação como de alimentação do povo
brasileiro - são cinco milhões de propriedade agrícolas -, os incontáveis
prestadores de serviços autônomos que sobrevivem exclusivamente de seu trabalho
de encanadores, jardineiros, eletricistas, taxistas, marceneiros.
Nenhum deles faz parte do Boletim FOCUS, que nada tem a ver com eles. O
FOCUS é apenas uma brincadeira, um teatrinho sem nenhuma importância. Porque
quer prever um futuro, são chutadores de números, que o Banco Central, uma
instituição pública que custa caro ao País, usa para guiar seus passos, uma vez
que se presume que o nosso Governo não tem seus próprios economistas para
prospectar o futuro. Depende dos XPs da vida com suas echarpes e roupetas de
grife, operando basicamente para seus clientes de Nova York e Londres.
Essa alienação não é histórica. No passado não tão longínquo, o governo
e o Banco Central tinham suas próprias e sólidas estatísticas geradas nas
instituições públicas e nas associações empresariais. Não eram palpites como o
FOCUS, eram “tendências”, “linhas” que vinham da indústria pesada, através da
ABDIB, das associações comerciais de São
Paulo e Rio, da CNI-Confederação Nacional da Indústria, da CACEX, das
associações rurais (SRB, SNA), das associações setoriais ABINEE, ABIMAQ,
ABCITRUS, ABIA, ABIT, ANFAVEA, dos Clubes de Lojistas, das associações de
supermercados.
Essas eram estatísticas e projeções reais de gente com a mão na massa da
economia, gente do chão de fábrica e não almofadinhas PhD de bancos
exclusivamente de olho no mítico “investidor estrangeiro’ - na realidade, um
coleguinha economista que trabalha para algum fundo de Chicago que nem sabe
onde fica o Brasil ou uma offshore de Cayman, que opera dinheiro brasileiro
disfarçado de estrangeiro.
O
pior é que o Governo se guia exclusivamente por essa turma “digital”,
esquecendo que existe outra economia, a verdadeira, a que dá empregos na ponta
da enxada, no balcão, no trator, no caminhão, no boteco, na borracharia, na
oficina, bem longe do happy hour na Tratoria Fasano na Faria Lima ou no
Quadrucci na Rua Dias Ferreira.
A
mídia segue o Governo e foca exclusivamente nos informantes do boletim FOCUS,
só se interessa pelo investidor estrangeiro e pela opinião dos “economistas de
bancos”. Os repórteres não vão ao interior entrevistar médios empresários,
indústrias de beneficiamento de cereais, cerâmicos, pedreiras, fábricas de
confecção. Não têm interesse na economia real. Para a mídia, vale o André
Perfeito, a Zeina Latif, o economista chefe do Itaú. O resto não existe.
O
pessoal do “mercado” está sempre disponível para entrevistas e todos falam
exatamente as mesmas coisas. Entrevistar um é como entrevistar dez, o discurso
é idêntico: “a reforma da previdência é essencial” etc. Não falam uma palavra
sobre a política cambial do BC, ao segurar o dólar com swaps cambial e, com
isso, estimular os brasileiros a torrarem dólares em Miami. Nada falam sobre os
mega juros dos bancos na ponta do tomador, indiferentes à baixa da taxa Selic.
Os bancos não estão nem aí e não obedecem ao canto dos “economistas de
mercado", al di lá, baixando a Selic baixam os juros, etc. Não baixam e os
“de mercado” nem tocam no assunto, continuam a cantar que os juros vão baixar
tra, lá, lá, etc, mas os juros não baixam e eles fingem que não é com eles.
Dos saudosos tempos de Delfim Neto, lembro de sua ligação profunda com a
economia real. Telefonava no fim da tarde, duas ou três vezes por semana, para
o Dr. Manuel Costa Santos, na ABINEE, queria saber da venda de geladeiras, para
o Dr. Manuel Garcia Filho na Associação dos Pneus para saber das vendas, para o
Salvador Arena na Termomecânica para saber da venda do cobre, para o Mario Garnero
na ANFAVEA para saber de carros e caminhões.
Delfim tinha uma “rede” de contatos com toda a indústria, a exportação,
a agricultura, o pessoal do zebu. Esse era o Boletim FOCUS dele, com cheiro de
terra, de aço, de borracha, ele tirava o pulso da economia, sem precisar de
palpites de 0,0004%, como esses bocós de asfalto que não acertam uma. Boletim
FOCUS é um sinal da subserviência do Brasil ao mercado financeiro nacional e
internacional, do desligamento do Governo da realidade econômica nacional para
se lastrear exclusivamente na turma do “mercado”, como se o Brasil fosse uma
ilhota do Caribe.
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