LOGO NO INÍCIO do seu primeiro
mandato, Lula questionou o excesso de autonomia do Poder
Judiciário e defendeu a existência de um controle externo. “Não é meter a mão
na decisão do juiz. É pelo menos saber como funciona a caixa-preta de um
Judiciário que muitas vezes se sente intocável”. A declaração causou grande
mal-estar entre os magistrados. Imediatamente, presidentes de tribunais
superiores e de entidades de classe dos juízes a repudiaram. Essa grande reação corporativista é um padrão,
acontece toda vez que a categoria é criticada publicamente.
Em 2004, sob
muitas críticas, foi criado o importante Conselho Nacional de Justiça (CNJ) como órgão de
controle, mas a caixa-preta do judiciário ainda segue intocável. O Brasil tem
o poder judiciário e o Ministério Público mais caros do mundo e boa parte dos
seus integrantes não quer que isso mude.
O juiz
Marcelo Bretas, um dos heróis anti-corrupção forjados nos tribunais, virou
notícia esta semana ao recorrer à Justiça para garantir o direito de sua esposa
receber auxílio-moradia, contrariando uma proibição do CNJ – criada
justamente após o ministro Fux autorizar o pagamento do benefício para toda a
magistratura, e não apenas a quem não tem residência na cidade em que trabalha.
Além de
Bretas, diversos outros colegas recorreram aos tribunais para conseguir o
benefício duplo. O primeiro juiz sorteado para julgar o pedido de Bretas, por
exemplo, teve que se declarar impedido por também ter requerido o benefício em dose dupla. A farra do
auxílio-moradia também passa pelas cortes superiores: 26 ministros recebem o penduricalho mesmo tendo imóvel próprio em
Brasília (alguns tem mais de um imóvel).
Outro herói
anti-corrupção que não abre mão de receber o auxílio-moradia mesmo tendo casa
própria a 3 km do trabalho é Sergio Moro. O juiz se defendeu afirmando que o benefício “compensa a
falta de reajuste dos vencimentos desde 1 de janeiro de 2015 e que, pela lei,
deveriam ser anualmente reajustados”. Ele reivindica algo que nenhuma categoria
de funcionário público tem: reajuste anual. E ainda por cima admite que o
auxílio – de caráter indenizatório e que ele mesmo considera
discutível –serve como um disfarce para compensar a falta de reajuste
salarial.
É curioso
como juízes da Lava Jato, afamados pela defesa da ética pública, se sentem à
vontade para receber penduricalhos que colocam suas remunerações acima do teto.
Em um tweet
cheio de ironia e emoticons, Bretas respondeu aos que criticaram o acúmulo de
benefícios.
Bretas fala nas redes como se fosse um cidadão latino-americano, sem
dinheiro no banco, que estava apenas lutando pelos seus direitos. Acredita ser
justo que ele e sua esposa recebam dos cofres públicos um auxílio-moradia em
dose dupla mesmo morando debaixo do mesmo teto. O magistrado, que afirma ser a
bíblia o livro principal da sua Vara, considera moralmente aceitável
que o Estado ajude o casal a custear uma espaçosa residência com vista para o Pão de Açúcar em um
dos endereços mais valorizados do Rio de Janeiro.
Casa do juiz Marcelo Bretas. Reprodução
Bretas não suportou as críticas e saiu bloqueando todo mundo no Twitter.
Logo em seguida, anunciou que daria um tempo da rede social – um
espaço que ele usava com frequência, inclusive para bater boca com políticos. Foi uma saída triunfal, comemorando
30 mil seguidores, e ostentando um bizarro apoio da Associação dos Juízes
Federais (AJUFE).
Agradeço aos mais de 30 mil seguidores.
Findo este período de férias, informo que não usarei esta conta de Twitter pelos próximos meses.
Teremos um ano de muito trabalho …
Até ?? pic.twitter.com/l4OzpIaT1z
Findo este período de férias, informo que não usarei esta conta de Twitter pelos próximos meses.
Teremos um ano de muito trabalho …
Até ?? pic.twitter.com/l4OzpIaT1z
— Marcelo Bretas
(@mcbretas) January 30, 2018
A esperada
reação corporativista veio no dia seguinte. A Associação de Juízes Federais do
Rio de Janeiro e Espírito Santo correu para proteger o colega dos críticos e
lançou nota pública em sua defesa. Em entrevista ao The Intercept Brasil, o presidente da entidade
afirmou que não só Bretas, mas toda a categoria está sofrendo uma perseguição
pela sua atuação nos casos de corrupção. O magistrado, assim como Bretas, é
casado com uma juíza, e também recebe o auxílio em dobro.
As respostas
da nobreza judiciária às críticas quase sempre resvalam nesse humor
involuntário. Não custa lembrar a famosa declaração de José Renato Nalini,
ex-presidente do TJ-SP e atual secretário de Educação de São Paulo, que defendeu
o pagamento do auxílio-moradia para que juízes pudessem “comprar terno em
Miami”:
Mas nem
sempre a reação é motivo para risadas. Quando a Gazeta do Povo iniciou uma
série de reportagens sobre os vencimentos dos membros do
Judiciário e do MP do Paraná, revelando que a remuneração total dos magistrados
e promotores ultrapassa o teto do funcionalismo público, entidades
representativas dos magistrados e dos promotores se indignaram em nota pública.
Mas a coisa
não ficaria nisso. Pelo grave crime de cometer jornalismo, o jornal e os
repórteres que assinaram as matérias foram alvos de uma série de ações
judiciais coordenadas por magistrados paranaenses. Foram mais de 40 ações individuais movidas em juizados especiais com
pedidos de indenização que, somados, chegam a R$1,3 milhão. Um áudio publicado
pelo BuzzFeed News mostrou um juiz orientando os colegas a iniciar a onda de processos
contra os jornalistas.
A casta jurídica está
sempre alerta em defesa dos seus privilégios.
A retaliação
veio com requintes de crueldade: além dos conteúdos das ações serem
praticamente os mesmos, todas foram movidas em juizados
especiais – que só podem julgar causas que não ultrapassam 40
salários mínimos. Assim, não houve possibilidade de recursos a Cortes
superiores, garantindo que os casos fossem julgados apenas pelos tribunais
paranaenses. Parte da estratégia intimidatória é o fato das ações terem sido
ajuizadas em 16 cidades do Paraná, fazendo com que os jornalistas tivessem que
viajar pelo estado para participar das audiências. O recado para quem
questionou os privilégios dos meritíssimos foi claro: a casta jurídica está
sempre alerta em defesa dos seus privilégios.
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