Vamos entender melhor esse embate entre o presidente do Bradesco, Márcio Cypriani, e o do Banco Central, Henrique Meirelles, em torno das taxas Selic.
O conjunto de operações de um banco comercial é muito maior do que aplicar em títulos do governo ou montar operações de IPO. Esse papel cabe à sua Tesouraria ou banco de investimento. O crescimento de um banco comercial depende, em grande parte, do crescimento e da modernização da economia real.
Embora os bancos comerciais tenham sido beneficiários do modelo implantado a partir de 1992 - e consolidado a partir de 1994 - o setor hegemônico do jogo foram os gestores de recursos, atuando de forma independente ou dentro da estrutura maior dos bancos comerciais.
Esse sistema que consolidou o poder ideológico do Banco Central é integrado pelos seguintes personagens:
1. Os gestores de recursos.
2. Economistas, analistas e operadores de mesa, em geral tendo a maior parte de sua remuneração através de bônus de desempenho.
3. Membros dessa comunidade servindo provisoriamente no Banco Central.
A rede de relacionamentos do BC é com esse escalão. Fosse um BC sério, iria buscar o pulso da economia com o Márcio Cypriani, o Abilio Diniz, o Jorge Gerdau, a CUT e a Força Sindical, as Federações estaduais, os grandes atacadistas.
Mas, em vez de falar com o Cypriani, eles falam com o Otávio de Barros; em vez do Fábio Barbosa, com o “professor de Deus”. Os mais seletivos falam com Luiz Carlos Mendonça (que representa o interesse dos gestores).
É um clube fechado, que se autoprotege. A Pesquisa Focus - que visa ascultar as expectativas do mercado - passa ao largo da economia real. Todas as decisões do BC não visam beneficiar os bancos em si, mas a atividade dos bancos diretamente relacionada com arbitragens de taxas, captação de investidores externos.
Os bancos comerciais aceitavam esse jogo porque ganhavam pesadamente com a Tesouraria. Quando retomaram a função de emprestar, acabou o pacto ideológico.
Com a economia ameaçada pela recessão, o risco de inadimplência aumenta substancialmente, criando um círculo vicioso. Selic alta aumenta as taxas de captação, reduz o spread dos bancos e os torna muito mais seletivos na concessão de crédito, espremendo gradativamente os clientes para fora do mercado de crédito. Quanto maior a recessão, maior o aumento da inadimplência.
Para o BC, pouco importa. Nos últimos anos, o BC permitiu a expansão das atividades offshore, fechou os olhos a atividades criminosas - exemplos típicos, os dez anos de lambança de Edemar Cid Ferreira, as aventuras em Foz do Iguaçu, o caso Banestado - e toda análise de juros levava em conta a relação custo x benefício para os gestores de recursos.
O jogo acabou mundialmente. A quebra do sistema americano de bancos de investimento, os bancos suiços sob investigação internacional, a estatização do sistema bancário europeu decretaram o fim do ciclo.
No Brasil, como tudo chega atrasado, ainda se terá que aturar por algum tempo essa poder do BC.
Por Guilherme Silva Araújo
Nassif,
Acho que nesta questão ajudaria resgatar o debate sobre o papel das inovações financeiras e o debate sobre endogenia da moeda. O Banco Central tem se mostrado fundamentalista ao julgar que apenas o instrumento “taxa de juros” é suficiente para controlar os agregados monetários. As inovações financeiras dos últimos quarenta anos deram às instituições financeiras um poder muito grande de criar moeda. Vide o exemplo dos derivativos: Para aumentar sua soma de encaixes reais e o volume de empréstimos, os bancos norte americanos passaram a comercializar tais ativos, comprometendo assim seu capital próprio. Na medida em que as instituições menores começaram a mostrar sinais de que não tinham recursos para pagar os empréstimos, engendrou-se um clima de incerteza porque as maiores tinham créditos a receber das menores. Como todas comprometem seus capitais para elevar seus encaixes reais e o volume de empréstimos, as chances de quebradeira se tornaram evidentes.
Segundo Minsky (Estabilizing an Unstable Economy), o sucesso dos Bancos Centrais em regular a oferta de moeda depende muito mais do marco legal existente do que da taxa de juros. Contudo, devido ao ritmo frenético com que as inovações ocorrem nos mercados financeiros, os marcos legais tornam-se obsoletos muito rapidamente. Neste sentido, os Bancos Centrais são mais eficientes como emprestadores de última instância, ou seja, como agentes normalizadores das expectativas. O BC brasileiro é falho em normalizar expectativas porque julga a taxa de juros instrumento suficiente para controlar a oferta de moeda. em um contexto com sinais de endogenia (tal como ocorre conteporaneamente), mudanças da taxa de juros têm pouco efeito sobre o volume de liquidez, principalmente se os agentes não desejam emprestar.
A reclamação do Bradesco é válida, mas vai falar sozinho. O Bradesco, julgo eu, é um banco que guarda sólidas relações com a economia real, que tem um tino comercial, ao contrário das demais instituições, que direcionaram suas operações para os títulos públicos e outras quasi-moedas. Devido a estas relações, o sucesso do Bradesco depende muito do funcionamento da economia real. Mas não acho que os demais bancos serão solidários, até porque continuam batendo recordes de lucratividade mesmo no atual contexto. Abcs
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