Vamos logo ao ponto: por que CartaCapital, e outros jornalistas, miram em Daniel Dantas? Porque o banqueiro orelhudo é a personagem mais representativa da interferência financeira na política nativa, da corrupção à moda da casa. Há mais figuras na parada, mas não chegam ao nível e à dimensão do nosso heroi, pelo menos por ora.
É neste enredo que entra o delegado Paulo Lacerda, ex-diretor da Polícia Federal, ex-diretor da Abin, enfim desterrado para Portugal, no melancólico e inédito posto de adido da nossa embaixada em Lisboa. A exoneração de Lacerda deu-se na calada das festas de fim de ano, a aproveitar o momento em que o pessoal ergue brindes e troca presentes, e seu afastamento, murmurado em tom anódino, não mereceu maiores reparos da mídia.
Paulo Lacerda, policial conhecido por sua ficha impecável, é quem esteve à frente da PF quando da Operação Chacal, a primeira que visou as falcatruas do orelhudo em 2004. Quatro anos depois, emprestou efetivo da Abin à Operação Satiagraha, aquela que até hoje resulta na condenação de Dantas por corrupção, determinada pelo juiz de primeira instância Fausto De Sanctis.
Por que Lacerda vai para Portugal? Na origem do enredo, uma reportagem da revista Veja anuncia que uma conversa entre o presidente do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, e o senador Demóstenes Torres foi grampeada. Conversa, aliás, sem qualquer relevância. Mas o magistrado tonitroa o propósito de “chamar às falas” o presidente da República, como se identificasse nele o responsável pela interceptação ilegal.
Que faz o primeiro mandatário? Convida Mendes à calma e pede tempo para analisar o caso? Pelo contrário, recebe-o imediatamente, em companhia do ministro da Defesa, Nelson Jobim, este que não perde a oportunidade para mergulhar em uniforme de general. Sustenta Mendes, apoiado por Jobim, que o grampo sofrido é obra da Abin e pede a cabeça de Paulo Lacerda. Que de imediato é afastado temporariamente do cargo, a coroar um erro destinado a demonstrar-se irreparável.
O arco-da-velha funde sua palheta em uma única cor, o rubro da vergonha. No entanto, o tempo passa. Prova-se que a Abin não tem condições de grampear quem quer que seja, só pode mesmo rastrear grampos. Há quem diga que Lacerda carrega outra culpa: ajudou o nunca assaz falado delegado Protógenes da Satiagraha. E que culpa seria esta, se não há lei ou regulamentos para condená-la?
A este respeito cabe uma observação. Em novembro de 2007, Paulo Lacerda visitou seu sucessor na direção da PF, Luiz Fernando Corrêa, e foi claro na sua exposição: caso a PF não se dispusesse a oferecer reforços à Satiagraha, ele os forneceria. Por que a questão não foi levantada na ocasião, catorze meses atrás, e só veio à tona depois do encontro do presidente Lula com Mendes e Jobim?
Avolumam-se os porquês, pois contra Paulo Lacerda nada foi apurado. E se algo há que não sabemos, algo escondido nos bastidores, convém explicitá-lo, se o Brasil for de fato um país democrático onde vigora o Estado de Direito. O delegado assumiu aos olhos da opinião pública, em função do seu desempenho e de sua ressonância, uma importância capaz de transcender o seu próprio posto.
É dever do governo explicar, à revelia da mídia que prefere o silêncio em proveito de outras personagens do entrecho, as razões do fim melancólico reservado a um leal servidor do Estado. Caso contrário, justifica-se a suspeita de que as razões da política miúda pesam mais, muito mais, do que a justiça e a ética. E suspeitas mais, de que tudo se faz para evitar, até quando for possível, a relação orgânica entre Daniel Dantas e o poder nativo.
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Réquiem
Na quinta-feira 8 foi concluída a compra da Brasil Telecom (BrT) pela Oi. Um negócio urdido e abençoado nos corredores do Palácio do Planalto, que forçou uma mudança extemporânea das leis em vigor no setor de telecomunicações, e repleto de conflitos de interesses, a começar pela sociedade dos beneficiários com a empresa de um dos filhos do presidente da República. A patranha está selada. E não foi por falta de aviso.
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