É verdade que a crise norte-americana não comporta análises simplistas.
Por isso mesmo é que eu pergunto em qual crise anterior que:
1) o sistema financeiro norte-americano quebrou, como ocorreu na atual crise?
2) as 3 maiores montadoras dos EUA tiveram que recorrer à ajuda estatal para não quebrar (o que significa que já quebraram)?
3) 2.600.000 trabalhadores ficaram desempregados num único ano?
4) o Estado norte-americano teve que aprovar um pacote de ajuda de US$ 700 Bilhões (cerca de 5,5% do PIB) para salvar instituições financeiras privadas falidas e especuladores financeiros que acumularam imensos prejuízos?
5) Durante vários anos a taxa de desemprego nos EUA oscilou em torno de 4,5%. Agora, já está em 7,2%. Isso já representa um aumento de 60%. E como a crise ainda está longe de terminar, já se prevê que a taxa poderá atingir os 10%. Além disso, a taxa de desemprego do Brasil, calculada pelo IBGE, é de 7,5% e não de 13,8%.
Além disso, de que adianta aos norte-americanos saber que a taxa de desemprego em outros países é maior? Nada, é claro. O que interessa, para os norte-americanos, é que o desemprego nos EUA está aumentando rapidamente.
As grandes corporações norte-americanas estão em boa situação financeira? bem, diziam isso também dos grandes bancos norte-americanos… Deu no que deu. Sem falar que as grandes corporações dos EUA já tem uma longa tradição de falsificar seus balanços. A Enron e assemelhadas que o digam…
Dizer que a mídia norte-americana é 90% Democrata é equivocado, pois foi essa mesma mídia que divulgou as mentiras do governo Bush sobre o Iraque a fim de justificar a Guerra contra o miserável país do Oriente Médio. E Bush é Republicano, como é do conhecimento de todos.
Além disso, os EUA já estão em guerra (contra os ‘poderosíssimos’ Iraque e Afeganistão) e o seu orçamento militar já passa dos US$ 800 Bilhões anuais, o que representa 6% do PIB.
Portanto, qualquer estímulo econômico que poderia vir do setor bélico já está acontecendo e, mesmo assim, o país enfrenta a sua pior crise financeira e econômica em várias décadas.
E uma guerra mundial, hoje, é inviável, pois seria nuclear e resultaria na destruição de grande parte do planeta.
E o fato de que a economia norte-americana tem capacidade de superar crises com facilidade, não significa que isso irá acontecer agora. E por vários motivos:
1) o déficit externo supera os US$ 800 Bilhões (6% do PIB, o que é altíssimo, até mesmo para um país rico como os EUA) e isso já ocorre há vários anos;
2) o déficit público irá superar US$ 1 Trilhão anuais nos próximos anos. Isso representa 7,7% do PIB/ano, o que é um patamar gigantesco para qualquer país. Na União Européia, por exemplo, o teto para o déficit público é de 3% do PIB anuais. No Brasil, em 2007, o déficit público foi de 2% do PIB. Esse déficit superior a US$ 1 Trilhão/ano já foi anunciado e reconhecido até mesmo por Barack Obama;
3) as estatizações da F.Mac, da F.Mae e de outras instituições financeiras, bem como os pacotes de ajuda econômica e de estímulo à economia, farão com que a dívida pública do país dispare nos próximos anos, o que irá limitar a capacidade de endividamento do Estado norte-americano, sob o risco de provocar uma aceleração da ‘fuga do dólar’, que já está em andamento;
4) grande parte do parque industrial norte-americano foi transferido para o exterior (China, Índia, México, etc). Logo, os pacotes de estímulo econômico podem acabar resultando num aumento dos já imensos déficits comercial e externo, que passam de US$ 800 Bilhões anuais, fragilizando ainda mais a situação financeira do país;
5) o dólar está perdendo espaço na economia mundial, seja como reserva de valor, seja como moeda que é utilizada nas atividades comerciais e financeiras globais. A participação do Euro é cada vez maior, até pelo fato de que a economia européia tem finanças muito mais sólidas do que a norte-americana.
Caso a UE consiga criar uma autoridade política que fale em nome de todo o Bloco, esse processo de substituição do dólar pelo Euro irá se acelerar ainda mais.
E inúmeros países criaram ‘Fundos Soberanos’, que são utilizados, justamente, como mecanismos de fuga organizada do dólar. Até o Brasil já criou o seu. Nem a Gisele Bundchen aceita dólares mais em seus contratos, apenas Euros. Sabe tudo de economia, essa Gisele…
E o fato de que restaurantes estejam cheios não serve como termômetro para dizer que a economia norte-americana vai bem, até porque quem os frequentam são pessoas que integram grupos privilegiados da sociedade, os mais ricos, e que são sempre os que menos sentem os efeitos de uma crise econômica.
São os assalariados e a classe média ‘remediada’ os que são os mais afetados pelas crises e não os mais ricos. Estes, sempre tem ‘gordura’ para queimar, ao contrário das classes ‘menos abastadas’, e podem continuar frequentando seus restaurantes prediletos, mesmo que seja somente para manter as aparências de que estão numa boa situação econômica e financeira.
Todos os dados mais recentes e importantes da economia norte-americana mostram que uma significativa recessão começou no país. As vendas de veículos e de imóveis (2 importantes segmentos da economia dos EUA) despencaram. Nem as vendas do Natal escaparam da crise e também caíram.
Outra coisa: nas crises anteriores, os EUA ainda eram a potência mundial incontestável e não tinham, de fato, nenhum concorrente sério a ameaçar a sua liderança global.
Hoje, no entanto, a China e a Índia (bem com a Rússia, o Brasil e inúmeros outros países emergentes) crescem muito mais do que os EUA e isso irá continuar nas próximas décadas, pois tais países ainda tem um grande potencial de mercado para desenvolver internamente.
A UE continuará o seu processo de expansão. A Rússia já superou o pior momento da crise provocada pela extinção da URSS e está crescendo cada vez mais e atua de forma cada vez mais intensa no cenário internacional, mesmo contra a vontade dos EUA e da UE, como se viu na guerra contra a Geórgia, pela qual nem os EUA e nem a UE nada puderam fazer.
Na América Latina, a influência norte-americana é cada vez menor, com a ALCA sendo abandonada e governos nacionalistas, reformistas anti-imperialistas (Chávez, Evo, Corrêa, Ortega, etc) se consolidando no poder, vencendo todas as eleições.
Até mesmo o governo Lula repudiou a ALCA, denunciou todos os subsídios agrícolas dos EUA na OMC, articulou reuniões entre países latino-americanos das quais nem os EUA e nem o Canadá participaram e dá um apoio decidido aos governos nacionalistas da região.
O recente acordo militar assinado pelo Brasil com a França é outra demonstração desta perda de poder dos EUA na região. E tal acordo foi motivado, em grande parte, pela reativação da IV Frota norte-americana, e visa proteger a Amazônia e o petróleo do pré-sal, principalmente.
Além disso, fica cada vez mais claro a impossibilidade de qualquer vitória norte-americana nas Guerras do Iraque e do Afeganistão, dois dos países mais miseráveis do mundo. Se os EUA não conseguem derrotar o Iraque e o Afeganistão, irão vencer guerras contra quem? a China? a Rússia? a Índia?
Portanto, todos estes dados permitem concluir, sem sombra de dúvida, de que a crise norte-americana é muito mais profunda do que se pensa, de que ela não será superada com tanta facilidade, assim (o que até Barack Obama já admitiu) e que os EUA perdem, cada vez mais, influência e poder no Mundo. E este processo irá se desenvolver durante todo o século XXI.
Os EUA continuarão sendo um país rico e poderoso, mas será apenas mais uma potência em meio a várias outras.
Portanto, a Era em que os EUA diziam ao Mundo o que fazer terminou, gostem ou não os norte-americanos e os seus admiradores.
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