Realmente, creio que o grande problema de Serra seja a hipocrisia e o oportunismo político. E creio também que isso, ao longo do tempo e de forma articulada, pode sim explicar o mal-estar do eleitor com ele. Mas sublinharia dois aspectos relevantes. O primeiro, a presença constante em São Paulo em quase todos os pleitos majoritários desde meados dos anos 1990. Há um desgaste natural de qualquer candidato pois não dá tempo do eleitor respirar. Então, mesmo aqueles defeitos que se poderiam relevar se tornam insuportáveis, por que reiterados frequentemente. Isso serve para o caso de Serra, mas não apenas. Político muito exposto, com frequência inusual, perde o ineditismo de suas falas e propostas e permite sublinhar seus defeitos.
No caso de Serra, por exemplo, seu oportunismo foi ficando a cada eleição mais evidente. Nunca me esquecerei dos panfletos distribuídos por sua campanha a presidente, no Rio, em 2010, em que ao lado de sua foto sorridente vinha a frase: "Jesus Cristo é a verdade e a Luz" - José Serra. Aquilo era o apogeu do oportunismo. Constrangia os eleitores clássicos do PSDB e provavelmente não angariaria um único voto nem do mais empedernido evangélico.
Mas há outro fator importante, ao meu ver. Não é curioso que Serra tenha construído sua carreira pública alicerçando-se sempre no discurso da eficiência, da gestão e do planejamento, mas na maioria absoluta das vezes sequer apresente um plano de governo? Não é absurda essa história de que ele "faz acontecer"? Não é coisa de político "não técnico" dizer que teve idéia a ou b ao visitar tal ou qual lugar? Ou seja, ele se vende como o mais preparado, mas não apresenta nada nesse sentido, não apresenta nada que tenha preparado para apresentar. Se vende como um político ultra-moderno mas seu discurso é de político tradicional. Por exemplo, Lula se vende como político tradicional e seu discurso é tradicional. Dilma foi apresentada como gestora, bem como Haddad agora o é, e suas falas, seus discursos eleitorais, suas formas de se apresentar são técnicos. Fernando Henrique, por exemplo, ao assumir o papel de pai do real, elegeu-se falando tecnicamente. Ou seja, o político não pode criar, para o eleitorado, uma imagem difusa, uma personalidade ambígua. Isso é muito forte em tudo que se faz numa campanha. É por isso que uma campanha define uma identidade visual, por isso que a "arte" da campanha, com o nome do candidato e seu número bem legível, sem nenhum detalhe dispensável, é sempre tão clara: não há espaço para ambiguidade. E Serra é, essencialmente e gradativamente mais, ambíguo. É o técnico do planejamento que não apresenta plano de governo, que não possui metas, indicadores, nada.
Enfim, poder-se-ia perguntar, então: mas será que Serra não sabe disso tudo? Será que um homem inteligente, estudado, que vive a política desde sempre não sabe disso tudo que nós, meros mortais, ficamos aqui esquadrinhando a partir de observações muitas vezes feitas a partir da leitura de jornais e de blogs, etc? Minha hipótese é a de que sabe disso tudo e muito mais. Mas é de uma soberba ímpar. É esta soberba que o faz acreditar naquilo que a Veja diz sobre ele: de que seria Serra a elite da elite. Como ele é esse creme do creme, ele pode falar em planejamento e gestão sem de fato realizar isso por que ele dará conta disso. Qualquer outro precisaria estudar, escrever, etc. Ele não. E por que se percebe tão acima da média, se permite golpes oportunistas: somente um idiota (o que ele evidentemente não é) ou alguém muito prepotente abraçaria o conservadorismo tosco com a desfaçatez que ele abraçou. Ele é tão superior que vê a todos como inferiores e, portanto, enganáveis. Não foi ele que foi a Recife ou Salvador, ainda em março de 2010, num evento qualquer e se deixou filmar/fotografar dando banho em um cadeirante no mar? E não saiu de lá perguntando aos repórteres: filmou direitinho?
Resta evidente que o eleitorado não é burro. Faz muitas escolhas estapafúrdias, sim, usa critérios heterodoxos muitas vezes, sim, mas não é burro. Sabe muito bem interpretar os sinais emitidos pelos políticos, mesmo quando são ambíguos. E, talvez, justamente quando se tornam muito ambíguos é que passam a ser mais e mais rejeitados.
Comentário
De fato, o plano de governo da candidatura de José Serra em 2010 era... a coletânea de dois discursos que ele fez (!). E isto foi recebido anodinamente pela imprensa amiga, é claro.
Certa vez, comentando sobre seu “plano de governo”, ele o elogiou que eram provenientes de dois discursos muito “consistentes”. Então tá.
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