segunda-feira, 11 de março de 2013

Chávez: o adeus a uma nêmesis do neoliberalismo – por Chris Nineham (Information Clearing House / Vila Vudu)

Chris Nineham
Morreu uma das maiores figuras do século 21. Em tempos de universal mediocridade e ortodoxia neoliberal à venda por toda parte, o Presidente Hugo Chávez da Venezuela impôs-se pela personalidade de independência, princípios e coragem. Não apenas falou sobre socialismo e justiça social: tomou medidas para que, em seus vários governos, houvesse meios para melhorar de fato a vida de milhões em seu país, sobretudo dos mais pobres. Foi homem de tal carisma e tão radical, que não seria exagero dizer que produziu governos e movimentos progressistas por toda a região.

Sua presença e sua política de esquerda já eram, elas mesmas, produto de ampla radicalização nos movimentos de base. As políticas neoliberais que Pinochet começou a implantar brutalmente no Chile nos anos 1970s, começaram a ser difundidas para todo o continente, a partir do início dos anos 1980. Na Venezuela, foi o Presidente Carlos Andrés Pérez quem introduziu o programa, gerido pelo FMI, “A Grande Virada”, no final dos anos 1980s. Entre 1981 e 1997, os 10% mais ricos na Venezuela viram sua fatia da renda bruta nacional crescer, de 22 para 33%. Os pobres venezuelanos responderam àquela “virada” com ocupações, protestos de massa e agitação: o “Caracazo”.

Inspirado por esses movimentos, o jovem Hugo Chávez, então jovem oficial do exército venezuelano, lançou uma tentativa de golpe, longamente planejada, em 1992. O golpe tinha apoio popular, mas foi contido pelo governo de Pérez. Ao ser preso, Chávez fez uma de suas típicas declarações de coragem: “Infelizmente”, disse, “não alcançamos, por hora, os objetivos que definimos. Novas possibilidades surgirão, e o país conseguirá andar na direção de futuro melhor”. Instantaneamente, a boina vermelha do uniforme do regimento de paraquedistas que Chávez usava e a expressão “por hora” tornaram-se símbolo de resistência para os pobres do país.

Marcha à esquerda

O golpe falhado desestabilizara o regime. A esquerda cresceu e a classe rica dividiu-se internamente. Chávez saiu da prisão em 1994 e lançou o Movimento 5ª República, que concorreu e venceu as eleições de 1998 e fez dele, filho de professores que sobreviviam com salários de miséria, o símbolo da oposição à austeridade que os EUA haviam conseguido impor ao país: era Presidente da Venezuela. Diferente de tantos líderes progressistas, Chávez moveu-se para a esquerda depois de eleito e empossado.

Um dos pontos cruciais desse processo foi a tentativa de golpe contra seu governo, em 2002. O golpe foi coordenado por generais, líderes religiosos e grandes empresários, com ativo apoio das empresas de imprensa e discretamente apoiado pelos EUA. Chávez foi sequestrado no palácio e levado de lá num helicóptero que decolou da cobertura do próprio prédio. Mas o golpe foi contido pela mobilização espontânea de dezenas de milhares de moradores dos barrios. Em cenas magnificamente gravadas e reunidas no documentário “Por dentro do golpe” [orig. Inside the Coup (2003), divulgado sob o título A revolução não será televisionada - assista logo abaixo edição legendada em português], a multidão cercou o palácio presidencial onde os líderes do golpe festejavam. À vista daquelas centenas de milhares de pessoas, o clima de festa mudou rapidamente. Houve negociações e Chávez foi trazido de volta ao palácio, no mesmo helicóptero que o sequestrara, para alegria da multidão.

http://youtu.be/MTui69j4XvQ

Uma segunda tentativa de golpe aconteceu no final daquele ano, ligada a um movimento de lockout das grandes petroleiras que operavam no país. Dessa vez, um movimento de massa de trabalhadores restabeleceu condições para que o governo, afinal, assumisse o controle sobre o petróleo nacional.  Depois disso, e beneficiando-se dos preços crescentes do petróleo, Chávez lançou vários programas sociais que em muito melhoraram a vida dos pobres da Venezuela. Programas de moradias, de subsídios para alimentação, novos centros médicos e um programa de alfabetização em massa, todos organizados através de “missões” populares, e que tiveram impacto gigantesco na vida de milhões de pessoas. Quase metade da população, em momentos diferentes, por exemplo, passaram a receber subsídios estatais regulares para alimentação.

Chávez tomou, é claro, várias medidas para proteger-se contra golpes e golpistas. Mas o segredo de seu sucesso político nunca dependeu disso. Sempre foi homem de imensa energia. Manteve um programa semanal de televisão, “Alô Presidente”, no qual cantava, lia, contava histórias e falava, literalmente, por horas. Dizer que sabia falar ao povo é subquantificar e subqualificar esse processo. Mas nem por isso Chávez descuidou da atenção sempre ativa que sempre dedicou aos movimentos internacionais.

Conheci Chávez pessoalmente em 2006, como membro de uma delegação internacional de ativistas antiguerra. Típico dele, havia conseguido que Caracas recebesse aquela edição do Fórum Social Mundial, imenso conclave internacional antiglobalização. Falou-nos por quase uma hora, sobre socialismo, a história do movimento sindical nos EUA, as ideias de Chomsky, a questão campesina na América Latina e muito mais.

Entendia como poucos a dinâmica do imperialismo. Reconheceu, com alguma humildade, que a guerra do Iraque e os movimentos antiguerra dentro dos EUA haviam sido fatores determinantes, que de fato impediram que os EUA agissem mais ativa e mais diretamente contra seu governo

Eleito e reeleito

A imprensa o acusa de autoritarismo, provavelmente porque Chávez venceu mais eleições que qualquer outro presidente eleito, no mundo. Foi apoiado, consciente e profundamente por seus eleitores até seu último dia. Em dezembro passado, seu partido venceu as eleições regionais em todos os governoratos, exceto num. Hoje, até os jornalistas mais empenhados em derrotá-lo reconhecem que seu vice-presidente Nicolas Maduro dificilmente será derrotado nas novas eleições marcadas para dentro de 30 dias.

Chávez nunca atuou diretamente contra a elite de direita na Venezuela – nem por isso ela lhe fez oposição menos feroz. Quando nos recebeu, contou que o bem protegido palácio presidencial era o único local satisfatoriamente seguro, onde podia trabalhar. Sua força sempre veio de sua conexão com os pobres e os trabalhadores. Chávez foi presidente posto e mantido no poder por um sentimento popular de solidariedade, que periodicamente emergiu como movimento de massas. A continuação de seu trabalho e a transformação da sociedade venezuelana estão em andamento, longe de estarem concluídos e terão de continuar a ser disputadas. Chávez faz corar de vergonha muitos líderes ditos progressistas em todo o mundo, que se escondem atrás da opinião pública fabricada, para justificar a subserviência aos mercados e à direita reacionária. Provou que suas políticas radicais funcionam e geram votos. Mostrou que é possível – e muito popular – desafiar o império norte-americano.

É homem que será lembrado por muito tempo em cada esquina do mundo dos pobres [assim, portanto, os ricos não conseguirão esquecê-lo]. 

Comunicado da Vila Vudu: Aqui damos por encerrada a nossa homenagem ao Presidente Hugo Chávez Frías; todos trabalhamos sem parar durante mais de 48 horas, para encontrar e traduzir, distribuir e postar informação séria e pensamento progressista sobre o presidente Chávez. Pequena homenagem, para homem tão grandeOs pobres resistimos e vencemos, simplesmente, cada vez que não nos deixamos matar, nem calar, nem engambelar... Mas uma coisa é certa: em nenhum veículo da dita “grande imprensa” - a imunda imprensa-empresa brasileira - alguém encontrou melhores análises, melhor jornalismo e melhores comentários sobre o presidente Chávez, do que aqui, nessa blogosfera de trabalho comunista, voluntário e solidário, onde operamos. Só a luta ensina! 

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