Como tantos personagens da América Latina, Hugo Chávez morreu como objeto da história.
Não teve direito a contar sua própria versão dos fatos. Não foi ouvido nem pôde explicar-se. Foi explicado, analisado e julgado – por adversários e inimigos.
Num continente onde a elite política convive com a má consciência de quem nada fez de relevante pela melhoria das condições de vida do povo, mas nem por isso abre mão de 100% do conforto que só um imenso egoísmo social permite, o combate a toda liderança nascida fora de seu berço é uma necessidade permanente.
Se ainda em 2012, 58 anos depois daquele tiro no peito, ainda se publicam livros em que Getúlio Vargas é chamado de fascista, salazarista, franquista...
Sabemos o que se faz com Lula. Imagine-se o que será feito com Chávez.
Embora um de seus antecessores estivesse na lista de autoridades pagas pela CIA, Chávez é chamado de inimigo da democracia.
Embora tenha sido vítima de um golpe de Estado articulado por empresários e militares conservadores e com apoio imediato de Washington, foi chamado de autoritário. Fez um governo que pela primeira vez enfrentou um ambiente de desigualdade social histórica e foi chamado de populista. Melhorou a saúde pública, especialmente os índices de mortalidade infantil, para patamares aplaudidos pela OMS. Foi chamado de demagogo.
A retórica é conhecida. Para se recordar que há muito a ser feito – o que é certíssimo –, tenta-se minimizar o pouco que conseguiu ele realizar, ainda que este seja essencial para quem não tinha nada.
É um problema de ponto de vista. É assim na história daqueles que não conseguiram o direito de narrá-la. Mas algo está mudando e Chávez, com suas qualidades e seus defeitos, é parte dessa novidade. Sempre se evitará comparar Hugo Chávez com seus adversários, por uma razão muito simples.
Na soma de qualidades e defeitos, acertos, erros e desastres, seus antecessores foram muito piores. E é por isso que, mesmo com inflação alta, crescimento baixo e até falta de comida em determinados momentos, nunca deixou de vencer eleições, cuja legitimidade sempre foi reconhecida por observadores isentos, como Jimmy Carter.
A falta de espelho permite grandes atrocidades – morais, políticas, históricas – sem que seja possível corar de vergonha.
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