Marcelo Cipis / FolhaPress |
Talvez não exista momento mais propício do que este para se lembrar da frase de Adorno e Horkheimer, para quem há horas em que não há nada mais estúpido do que ser inteligente.
A frase se
referia à incapacidade de setores da sociedade alemã de encararem claramente os
signos de ascensão do nazismo no começo dos anos 1930 e pararem de procurar
explicações sutis e inteligentes sobre a impossibilidade de o pior ocorrer.
Dificilmente raciocínio dessa natureza não se aplicaria ao Brasil atual.
De fato, nosso
país tem ao menos a virtude da clareza. E foi com a clareza a guiar seus olhos
redentores que o general Antonio Hamilton Mourão revelou aos brasileiros que as
Forças Armadas têm um golpe militar preparado, que há uma conspiração em marcha
a fim de destituir o poder civil. Para mostrar que não se tratava de uma
bravata que mereceria a mais dura das punições, o comandante do Exército,
general Eduardo Villas Bôas descartou qualquer medida e ainda foi à televisão
tecer loas a ditaduras e lembrar que, sim, as Forças Armadas podem intervir se
o "caos" for iminente.
O
"caos" em questão não é a instauração de um governo ilegal e
brutalizado saído dos porões das casernas. Ao que parece, "caos"
seria a situação atual de corrupção generalizada. Só que alguém poderia
explicar à população de qual delírio saiu a crença de que as Forças Armadas
brasileiras têm alguma moral para prometer redenção moral do país?
Que se saiba,
quando seus pares tomaram de assalto o Palácio do Planalto, cresceram à sua
sombra grandezas morais do quilate de José Sarney, Paulo Maluf, Antonio Carlos
Magalhães: todos pilares da ditadura. Enquanto eles estavam a atirar e censurar
descontentes, o Brasil foi assolado por casos de corrupção como Capemi, Coroa
Brastel, Brasilinvest, Paulipetro, grupo Delfin, projeto Jari, entre vários
outros. Isso mesmo em um ambiente marcado pela censura e pela violência arbitrária.
De toda forma,
como esperar moralidade de uma instituição que nunca viu maiores problemas em
abrigar torturadores, estupradores, ocultadores de cadáveres, operadores de
terrorismo de Estado, entre tantas outras grandes ações morais? As Forças Armadas
brasileiras nunca tomaram distância dessas pessoas, expondo à nação um
mea-culpa franco.
Ao contrário,
elas os defenderam, os protegeram, até hoje. Que, ao menos, elas não venham
oferecer ao país o espetáculo patético de aparecerem à cena da vida pública
como defensoras de um renascimento moral feito, exatamente, pelas mãos de
imoralistas. As Forças Armadas nunca foram uma garantia contra o
"caos". Elas foram parte fundamental do caos.
É verdade que
setores da sociedade civil sonham com mais um golpe como forma de esconder o
desgoverno que eles mesmos produziram. Há setores do empresariado nacional que
articulam abertamente nesse sentido, sonhando como isto não terem que se
confrontar mais com uma população que luta pelos seus interesses. Para tanto, eles
apelam ao artigo 142 da Constituição de 1988.
Este artigo fora,
desde o início, uma aberração legislativa imposta pelos próprios militares. Ele
legalizava golpes de Estado, da mesma forma que o artigo 41 da República de
Weimar, que versava sobre o estado de emergência, permitiu a ascensão da
estrutura institucional do nazismo. Segundo o artigo, se qualquer poder chamar
as Forças Armadas para garantirem a ordem, se digamos o sr. Rodrigo Maia fizer
um apelo às Forças Armadas porque há "caos" em demasia, o golpe está
legalizado. Ou seja, é verdade, nossa Constituição tinha uma bomba-relógio no
seu seio. Bomba pronta a explodi-la, como agora se percebe.
Contra essa
marcha da insanidade, há de se lembrar que, se chegamos ao ponto no qual um
general na ativa pode expor abertamente que conspira contra o poder civil,
então cabe àqueles que entendem não terem nascido para serem subjugados pela
tirania, que não estão dispostos a abrir mão do resto de liberdade que ainda
têm para se submeter a mais uma das infindáveis juntas latino-americanas,
prepararem-se para exercer seu mais profundo direito: o direito de resistência
armada contra a tirania.
Que os liberais
se lembrem de John Locke e de seu "Segundo Tratado sobre o Governo".
Que os protestantes se lembrem de Calvino e de sua "Instituição da
Religião Cristã". E que o resto se lembre que a liberdade se defende de
forma incondicional.
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