Os bombardeios americanos foram um pesadelo para a população civil norte-coreana / GETTY |
Segundo historiadores,
foram três anos de ataques aéreos contínuos e indiscriminados, que arrasaram
cidades e vilarejos da república comunista e mataram dezenas de milhares de
civis.
James Person,
especialista em política e história coreanas do centro de estudos Wilson Center,
em Washington, diz que essa parte da história dos Estados Unidos não é muito
divulgada no país. "Como ocorreu entre a Segunda Guerra Mundial e a
tragédia do Vietnã, a maioria do público americano não sabe muito sobre a
Guerra da Coreia."
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Mas, na Coreia do
Norte, nunca se esqueceram dela - e essas lembranças continuam a ser uma das
razões do rancor que impera ali contra os Estados Unidos e o mundo capitalista.
Desde então, Pyongyang sempre viu os americanos como uma ameaça, uma rivalidade
que está na raiz da tensão que existe na região, agora em seu auge.
Mas como foi esse
capítulo não resolvido da história da península coreana?
Só a intervenção chinesa foi capaz de frear o avanço das tropas dos Estados Unidos e da ONU / GETTY |
Apoiado por
Stalin, em Moscou, Il-sung deu início ao primeiro grande conflito da Guerra
Fria. Na primeira fase de hostilidades, o enorme poder aéreo americano havia se
limitado a atingir alvos estratégicos, como bases militares e centros
industriais, mas um fator inesperado mudou tudo.
Pouco depois do
início da guerra, a China, temendo o avanço dos Estados Unidos rumo às suas
fronteiras, decidiu sair em defesa da Coreia do Norte, sua aliada. Os soldados
americanos começaram a sofrer cada vez mais baixas por conta dos ataques das
Forças Armadas chinesas, que não eram tão bem equipadas quanto as dos Estados
Unidos, mas muito mais numerosas.
"Para o
comando americano, era vital interromper os suprimentos enviados por chineses e
soviéticos que permitiam a Coreia do Norte manter seus esforços bélicos",
explica Person.
Foi então que o
general Douglas MacArthur, herói da Segunda Guerra Mundial no Pacífico, decidiu
dar início a sua "tática de terra arrasada".
O general MacArthur foi quem impulsionou a 'tática de terra arrasada' aplicada pelos EUA / GETTY |
Foi o marco do
início da guerra total contra a Coreia do Norte. A partir desse momento, todas
as cidades e vilarejos passaram a receber a visita diária dos bombardeiros
americanos B-29 e B-52 e sua carga mortal de napalm, nome dado a um conjunto de
líquidos inflamáveis.
Ainda que
MacArthur tenha caído em desgraça pouco depois, sua estratégia continuou a ser
aplicada. Segundo Taewoo Kim, professor de Humanidades da Universidade Nacional
de Seul, todas as cidades e vilarejos da Coreia do Norte foram reduzidos as
escombros.
O general Curtis
LeMay, chefe do Comando Aéreo Estratégico durante o conflito, declarou muito
anos depois: "Aniquilamos cerca de 20% da população".
Cálculos assim
levaram o jornalista e escritor Blaine Harden, autor de várias obras sobre a
Coreia do Norte, a qualificar como "crime de guerra" a ação militar
americana. Person não enxerga assim: "Aquilo foi uma guerra total em que
todas as partes envolvidas cometeram atrocidades".
As estimativas de
pesquisadores dão conta que, nos três anos de guerra, foram lançadas 635 mil
toneladas de bombas contra a Coreia do Norte. De acordo com Pyongyang, 5 mil
escolas, mil hospitais e 600 mil residências foram destruídos. Um documento
soviético redigido pouco antes do cessar-fogo de 1953 fala em 282 mil civis
mortos pelos bombardeios.
As bombas fizeram milhares de civis deixarem suas casas para se salvar / GETTY |
Como havia
ocorrido com os habitantes de cidades alemãs como Dresden na ofensiva final dos
Aliados contra o Terceiro Reich, os norte-coreanos viram suas ruas e casas
devorados por chamas, ao ponto de a maioria ter de ir para os minúsculos
abrigos subterrâneos improvisados para se salvar.
Medo
nuclear
Enquanto o mundo
inteiro estava atento à península coreana, temendo que os Estados Unidos e a
União Soviética acabassem travando uma guerra nuclear, o então ministro de
Relações Exteriores norte-coreano, Pak Hen En, denunciava na ONU o
"bestial extermínio de civis pacíficos pelos imperialistas
americanos".
Seu relato contava
que, para garantir que Pyongyang ficasse sempre cercada por incêndios, os
"bárbaros transatlânticos" a bombardeavam com artefatos de ação
retardada que detonavam de forma alternada, "impossibilitando que as
pessoas saíssem de casa".
Infraestruturas
essenciais, como barragens, usinas elétricas e ferrovias, foram
sistematicamente atacadas. Taewoo Kim destacou que, "em todo o país, ficou
impossível levar uma vida normal na superfície".
As autoridades
comandaram uma mobilização nacional para que fossem erguidos mercados,
acampamentos militares e outras instalações sob a terra para que o país pudesse
funcionar. A Coreia do Norte virou uma nação subterrânea e em permanente estado
de alerta.
Person diz que
"toda a cidade de Pyongyang se mudou para debaixo da terra, e isso teve um
tremendo impacto psicológico nos seus habitantes". O especialista explica
que o medo persiste até hoje e a isso se deve o fato de que armazéns e
instalações críticas continuem sendo mantidos em grandes profundidades.
Durante a noite,
os norte-coreanos recrutados pelo Estado trabalhavam freneticamente para
reparar as vias de comunicação e as usinas destroçadas pelas explosões durante
o dia. O fruto desse trabalho causava surpresa e frustração no comando
americano, que viam alvos de ataques sendo restaurados em pouco tempo.
Uma vez que o
conflito em terra se estabilizou, diante da incapacidade de ambos os lados de
se imporem, a campanha aérea tornou-se uma luta de desgaste em que os norte-coreanos
levaram a pior.
Finalmente, em
1953, após longas negociações, veio o cessar-fogo. O então presidente americano
Harry S. Truman sempre quis evitar uma escalada do conflito que pudesse levar a
um confronto direto com os soviéticos.
Seu sucessor,
Dwight D. Eisenhower, também compreendeu de partida que o país não poderia
manter indefinidamente seus esforços bélicos na península. A morte do líder
soviético Stálin em março daquele ano mudou o clima político em Moscou, o que
facilitou o fim das hostilidades.
A historiadora
Kathryn Weathersby, da Universidade da Coreia em Seul, explica que
"sabemos pelos arquivos soviéticos que Stálin insistia que as duas Coreias
e a China continuassem a lutar para que as forças americanas seguissem ali por
ao menos dois ou três anos e, assim, os países do bloco comunista na Europa
continuassem a atuar sem medo de uma intervenção".
Sem ele, o
armistício foi mais fácil. O acordo de paz definitivo e a reunificação das
Coreias seguem pendentes, mas tudo isso cimentou o mito que continua
alimentando a retórica oficial norte-coreana.
Às vezes, os meios
de comunicação do regime recordam os cidadãos da enorme dor infringida pelos
aviões estrangeiros. Tanto Kim Il-sung como seus sucessores Kim Jong-il e Kim
Jong-un se apresentam como representantes da heróica resistência que livrou a
nação de sucumbir à "agressão" estrangeira.
A propaganda oficial apresenta o avô de Kim Jong-un, Kim Il-sung, como o artífice da resistência norte-coreana / GETTY |
De alguma maneira,
o legado da guerra funciona como combustível ideológico para o regime dos Kim.
Também é uma das razões que explicam sua insistência em desenvolver um arsenal
nuclear, apesar das constantes críticas internacionais. "Eles decidiram
usar a história para justificar a opressão do povo e a miséria", diz
Person.
De acordo com
especialistas, em seu afã propagandístico, as autoridades de Pyongyang não têm
dúvidas em deformar o passado já suficientemente brutal.
Weathersby diz que
"os museus norte-coreanos diminuem a importância dos bombardeios, talvez
porque destacar a superioridade tecnológica americana geraria perguntas
incômodas". Em vez disso, explica a pesquisadora, "mostram uma
narrativa de matanças gratuitas supostamente perpetradas pelas tropas
americanas".
Para ela, uma
divisão da península nunca resolvida definitivamente e o potente poderio
militar que o Pentágono mantém na Coreia do Sul e no Japão explicam por que a
Coreia do Norte segue ainda sob uma espécie de estado de exceção permanente.
E explicam também,
como destacou recentemente em um artigo da BBC o analista Justin Bronk, o fato
de suprimentos e munição do exército serem guardados próximos da fronteira sul,
em silos sob a terra, para fazer frente a uma hipotética invasão.
A guerra e o fogo
que choviam do céu fizeram da Coreia do Norte um Estado-bunker. Mais de 70 anos
depois, isso não mudou.
Comentário
Um país elimina 20% da população do outro, mormente civis.
Ainda assim, quem é descrito como o vilão da história?
Ademais, lidando com um dado tão alarmante, por que todos não sabemos disso? Interessa a quem que não saibamos que tantas pessoas foram chacinadas? Porque tal dado não é dito e redito quando se trata do problema com a Coréia do Norte?
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