Peça 0 – a Semana do Economista da Escola
de Economia da FGV
A Semana de Economia da Escola de Economia da Fundação Getúlio Vargas, tem
permitido uma visão bastante nítida dos limites e das pretensões da
macroeconomia no país.
A
diversidade de linhas de pensamento permitiu montar um quadro preciso do
momento atual, cujas principais conclusões são:
· O predomínio do financeiro sobre o
estratégico.
· O reconhecimento do conhecimento da
economia como arma política dos economistas, encastelados nos Bancos Centrais.
· O pastel de vento que está sendo vendido
por Henrique Meirelles, uma bomba para estourar em 2019.
· A manipulação das estatísticas como
instrumento de marketing.
Vamos
por partes.
Peça 1 – o economista e o financeiro
dos anos 80
Nos
anos 80, em função da inflação e a volatilidade dos ativos, o diretor
financeiro era o principal executivo das empresas, muito mais relevante que o
gestor maior, que o sujeito de qualidade, que os departamentos de inovação, que
a própria presidência.
Todas
as decisões, inclusive estratégicas, eram subordinadas ao financeiro.
Houve
um caso clássico, que marcou o último momento desse modelo de gestão. A Sharp
estava no vermelho. Contratou um financista que em três meses colocou a empresa
no azul. Em um ano, quebrou a empresa. Para obter resultados imediatos,
desativou a área de desenvolvimento, encolheu a de vendas, reduziu a
assistência técnica, peças centrais para o futuro da companhia.
A
partir dos anos 90, houve enorme sofisticação no modelo de gestão das grandes
corporações brasileiras. Visão estratégica, políticas de qualidade total,
investimento em produtos ou, com o câmbio desfavorável, importação e maquiagem
de produtos. Nos eventos da Fundação Nacional de Qualidade (FNQ), as premiações
passaram a levar em conta visão de futuro, ambiente de trabalho.
Nesse
modelo, o financeiro voltou ao seu lugar de receber os planos estratégicos,
estimar os custos e encontrar formas de financiá-los. E alertar quando os
planos estavam além dos recursos disponíveis ou com taxas de retorno
insuficientes.
No
subdesenvolvimento macroeconômico brasileiro, ocorreu o inverso. A política
macroeconômica é que passou a determinar o todo, dentro de uma lógica primária:
as receitas fiscais estão dadas; nada de aumento de impostos ou de uma reforma
tributária mais equânime. Quanto às despesas, virem-se! Havendo insuficiência,
preservem-se os ganhos do mercado, os rendimentos do capital, os salários e
aposentadoria das corporações públicas, e cortem-se os gastos finalísticos –
aqueles que são devolvidos à população na forma de política de rendas ou de
serviços ou em áreas igualmente críticas, como inovação, investimento.
É
o que explica esse Ponte Para o Futuro. Para obter o equilíbrio fiscal,
cortam-se investimentos em educação, saúde, segurança, financiamento da
inovação, financiamento de longo prazo. O corte nos investimentos públicos
derruba a atividade econômica que derruba as receitas fiscais, obrigando a mais
cortes até cavar um fundo do poço de 10 pontos percentuais de queda do PIB.
Mais
ainda.
A
política monetária não é eficaz. Um dos problemas apontados é a existência de
linhas de crédito e financiamento com juros abaixo da Selic. Acaba-se, então,
com a TJLP e inviabiliza-se qualquer financiamento de longo prazo – pois não há
mercado privado de financiamentos de longo prazo.
Nos
balanços das empresas privadas, há a taxa de depreciação. A empresa tem suas
máquinas. A cada ano, poderá abater um percentual do valor das máquinas a
título de depreciação, com base na hipótese de que no final do período de vida
útil se terá que comprar outra.
Os
cortes de custeio e investimento estão paralisando obras em andamento,
desmontando institutos de pesquisa, promovendo atrasos insanáveis em educação,
saúde, segurança. Quanto custa para o país o atraso educacional de milhões de
crianças, a cooptação de parte delas pelo crime, as perdas com roubos e
assaltos pelo desaparelhamento das policias.
Não
pergunte para um macroeconomista.
A
visão primária da eficiência
Há
uma geração deles obcecada pelas análises de eficiência. E não conseguem avançar
além da primeira operação.
Hoje
em dia, com os grandes bigdatas, a economia caminha para a análises de
realidades complexas. Isto é, não apenas os efeitos diretos de uma medida, mas
as consequências totais sobre outros setores, inclusive implicações sociais,
ambientais.
No
Brasil, a discussão econômica não passou dos cálculos de um ou dois fatores, e
olhe lá!
Quatro
exemplos:
1. O aumento do salário mínimo permitiu que
em 55% dos lares com um aposentado ou pensionista, este se tornasse o arrimo de
família. Os filhos e netos puderam estudar mais tempos, entrar mais tarde no
mercado de trabalho. A saúde da família foi preservada, assim como o poder de
atração do crime organizado. Para os que pensam apenas na eficiência dos
gastos: quanto o país economizou com essas externalidades? Jamais os cabeções
se interessaram em levantar esses dados. Tratam os gastos como um valor em si,
como se fosse mero desperdício.
2. O Tesouro empresta ao BNDES. Há uma
diferença entre o custo do dinheiro para o Tesouro (Selic) e o que vai receber
do BNDES (TJLP). No entanto, o financiamento do BNDES permitirá que fábricas
sejam construídas, que comecem a produzir, a pagar impostos sobre a produção, a
criar vagas formais de empregos. Qualquer análise minimamente competente sobre
eficiência do investimento, do ponto de vista fiscal, teria que levar em conta
esses dados.
3. A Previdência é um sistema de repartição
simples: as contribuições dos da ativa servem para bancar os benefícios dos
aposentados. Vai-se produzir uma reforma que desestimulará os mais jovens de
contribuir. Ao mesmo tempo, a reforma trabalhista irá aumentar exponencialmente
a informalidade (ou pejotização) no setor de serviços, o que mais cresce. A
sustentabilidade da Previdência depende fundamentalmente de dois estudos: o
nível de desistência dos que entram; o nível de informalidade do trabalho. Nenhum
estudo foi feito sobre dois pontos fundamentais.
Cena 2 – o poder político dos cabeças
de planilha
A
palestra mais retumbante do evento foi a de André Lara Rezende, o principal pai
do Cruzado, abordando os erros que foram cometidos pela ortodoxia econômica nas
últimas décadas, a o poder político dado a tecnocratas do Banco Central e da
área econômica.
Afirmações
de André:
· Os juros brasileiros são tão altos que
provocam perplexidade em toda parte.
· A ideia da independência do Banco Central
foi um clichê sem reflexão, permitindo, em nome de uma suposta competência
técnica, que só um tipo de economista, formados nos EUA, pudesse manter o
controle sobre o BC e a política monetária.
· Ser economista hoje em dia é um atalho
muito melhor para o poder do que fazer carreira política.
· O BC tem muito mais poder que o
Ministério da Fazenda. Além de poder, o economista do BC usufrui da exploração
de prestígio e não apenas aqui. Alan Greenspan era tratado como um gênio até
perceber o desastre que fez.
· Se o equilíbrio fiscal é fundamental para
melhorar as expectativas, o maior peso sobre o orçamento são os juros. No
momento em que o BC baixasse os juros vigorosamente, imediatamente se acenaria
para o mercado sobre a sustentabilidade da dívida pública.
· Hoje em dia, as faculdades de economia
servem apenas para ensinar matemática de baixa categoria.
Sobre
a palestra de André, escreverei um artigo à parte.
Os
ataques que sofreu dos economistas ortodoxos foi pesado. O mínimo que fizeram
foi trata-lo como “traidor”. E a razão é simples. Esses economistas fizeram sua
fama, reputação, em cima de um tipo de conhecimento enganoso e que está prestes
a ser reavaliado. Para garantir a reputação, bastava repetir o manual de
respostas prontas do livrinho. Desmontada a teoria, terão que pensar, competir
no mercado compondo cenários criativos, sem poder se escudar nos erros
coletivos para justificar os seus.
Cena 3 – o autoengano do mercado
O
jogo do mercado é simples.
Há
um conjunto de grandes operadores que comandam as expectativas do mercado. Eles
se posicionam, montam suas carteiras e passam a gerar pontos de expectativa,
usando o jornalismo econômico como canal de transmissão. Quando a realidade
começa a se impor sobre a fantasia, eles despejam sua carteira no mercado,
vendendo no pico. E acelerando.
Hoje
em dia, a taxa de autoengano é tal que o mercado comemorou quando o Procurador
Geral da República (PGR) Rodrigo Janot se enrolou, pois acreditou que aumentou
a sobrevida de Michel Temer. Fundamentos da economia, análise da política
econômica?, que nada.
A
PEC do Teto incidirá exclusivamente sobre gastos federais – saúde, educação,
segurança, custo da máquina pública. Não enquadra Judiciário, Ministério
Público e corporações públicas. À cada ano, os setores não enquadrados irão
comer fatias cada vez maiores do orçamento, reduzindo o do Executivo federal
até o ponto da ingovernabilidade. Ou seja, os gênios do “dream team” econômico
não previram pontos básicos da análise.
André
Perfeito, um dos mais independentes economistas de mercado mostrou o circuito
do autoengano do mercado:
· O governo Temer pratica um populismo
fiscal amplo, gastos fiscais com objetivos políticos imediatos.
· Vai-se chegar a 2019 sem um modelo fiscal
consistente.
· O próximo governo, seja quem for, não
manterá a PEC do Teto simplesmente porque é inviável.
· O nó fiscal está chegando perto do muro,
vai bater e ninguém está fazendo nada.
· A reforma da Previdência, relevante, não
dará em nada senão for feita em cima do funcionalismo público, o único que
ainda tem renda.
· O mercado adjetiuva a política econômica
de acordo com os ganhos imediatos que traz. Se for lógica, mas impuser
sacrifícios ao mercado, é tratada como desastrosas. Se for desastrosa, mas
trouxer ganhos de curto prazo, é genial. Mas chega a hora da verdade.
· Hoje em dia, a Bolsa – que continua
subindo – trabalha em cima de apenas cinco papéis, dois de bancos (Bradesco e Itaú),
da Ambev, de uma empresa de commodities (Vale). Para ter uma ideia do tamanho
do estouro da Bolsa, o P/L (relação preço/lucro) do Bradesco está em 20 anos. É
um indicador próximo ao dos grandes momentos de crack da Bolsa no início dos
anos 70 e no fim dos anos 80.
O
próximo candidato assumirá, terá que abrir o jogo sobre a impossibilidade de
avançar nas tais reformas. Quando isto suceder, explodirá a taxa longa de juros
e aí será o estouro da boiada.
Cena 4 – as políticas alternativas
Coube
a Ricardo Carneiro, do Instituto de Economia da Unicamp, repor os pontos
fundamentais, os objetivos do desenvolvimento econômico.
1.
Aumento da produtividade
2.
Melhoria da distribuição da renda: com o tipo de sociedade que se quer
3.
A preservação do meio ambiente.
O
melhor exemplo do fracasso da ortodoxia está na comparação Estados
Unidos-China.
China
usou vários instrumentos de intervenção na economia; os Estados Unidos, uma
desregulação radical.
Além
da crise do subprime, em 2007 e 2008, os Estados Unidos pioraram em vários
indicadores: distribuição de renda, deterioração da classe média, deterioração
ambiental, perda do dinamismo produtivo tecnológico, com a inovação sendo
gerada de maneira assimétrica e desigual.
De
posição subalterna, a China se tornou a segunda economia do mundo, com uma ação
firme de Estado:
É
evidente que há características chinesas que não são transportáveis, próprias
de um regime autocrático. Mas demonstra que o desenvolvimento não se consegue
com manuais que ignoram totalmente os efeitos macroeconômicos na ponta, sobre
empresas e pessoas.
Assim como é evidente que tem que se enfrentar a
questão fiscal sim, com uma análise abrangente da estrutura de receita e
despesa e, se for o caso, com mudanças na Previdência. Mas, antes dela, na
estrutura de tributação, na distribuição equânime dos sacrifícios.
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