Uma organização religiosa benemerente organizou em um shopping do Rio de Janeiro um
feirão de empregos. Os promotores conseguiram duzentas vagas de empregos
simples, atendentes de telemarketing, motoristas etc. e anunciaram que
distribuiriam 400 senhas para candidatos a empregos serem entrevistados, tudo
ocorreu no ultimo mês de Agosto.
Desde
a noite anterior milhares de pessoas dormiram na fila para pegar as senhas, as
entrevistas da Globonews mostraram gente em um nível de desespero que não me
lembro ter visto antes no Brasil. Alguns pediram dinheiro a vizinhos para pagar
passagem de ônibus para tentar ao menos ser entrevistados, os que não
conseguiram sequer a oportunidade de uma entrevista estampavam nos rostos e nas
falas o desespero final de um futuro terrível.
Essa
singular amostragem revelou o grau explosivo do tecido social brasileiro.
Mas
a mídia econômica “mainstream” Globonews, Jovem Pan, Band News continua sua
alucinada aposta no “fim da recessão” porque no segundo trimestre de 2017 o PIB
cresceu 0,2%. É uma completa fuga da realidade. Um crescimento de 0,2% não é
notável.
O
fim de uma recessão de três anos se registraria após no mínimo de três
semestres de escala firme de crescimento, um trimestre não significa nada, a
oscilação mesmo dentro de um ciclo é normal, como um cardíaco tem oscilação de
pressão no espaço de um dia.
Não
é indicativo de recuperação incorporar empregos mal pagos do subemprego
informal, tal não alivia o desemprego, aliás estatísticas de desemprego que
contam empregos informais impedem a comparação de séries históricas, emprego é
algo tecnicamente definido como alguém registrado como empregado, aqui, na
Alemanha ou na Índia. Guardador de carros não registrado como empregado no
Brasil, na França ou no Canadá não move estatísticas de emprego. Contar biscateiros
como empregados é um equívoco e serve para encorpar uma estatística que deveria
ser se precisa para ter credibilidade, se qualquer ganho de renda pode ser
passível contagem como emprego, deveríamos contar os pedintes e mendigos como
empregados porque alguma renda eles auferem no mês, eles estão vivos, recebem
de alguma forma ingresso de recursos para se alimentar.
O
segundo trimestre de 2017 recebeu um enorme influxo de receitas da super safra agrícola
do ano, esse dinheiro recebido nas zonas rurais vaza para toda a economia,
produzindo compra de veículos, máquinas, equipamentos de uso e domésticos,
material de construção.
Essa
massa de recursos entrou nos canais de consumo e por si só justificaria mais de
0,2% de crescimento do PIB, é um efeito sazonal que ainda se espalha para o
terceiro trimestre.
Mas
a mídia econômica não analisa, não contesta, não disseca ou debate tais
eventos.
A
mídia econômica brasileira é enviesada, surfa em um processo de manada
repetindo e repercutindo bordões cuja central de disseminação são os “mercados’
com seus comentaristas papagaios, na imprensa eletrônica e impressa brasileira
NÃO há nenhum espaço para discutir economia, todos atendem a sinais de torcida,
o coro segue o maestro.
Outro
dia numa das redes o prof. Carlos Langoni, ex-Presidente do Banco Central, deu
uma entrevista cor de rosa da situação econômica, parecia que estava
descrevendo a Suécia. Um extraordinário descolamento da realidade, um “wishfull
thinking” de um mundo róseo para o Brasil de Meirelles e Goldfajn, é um cego
descrevendo os Alpes suíços. Aliás, é interessante como ex-presidentes do Banco
Central são maus analistas, não tem farol de milha e se perdem nas planilhas
com frações decimais, parece que todos têm o mesmo fetiche com meta de
inflação. Outro arauto da onda de prosperidade é o ex-Ministro Luis Carlos
Mendonça de Barros que em um programa PAINEL do começo do ano disse que a
economia iria tão bem em 2017 e 2018 que seria impossível Meirelles não ser o
próximo Presidente da República.
Agora
o mesmo Mendonça de Barros projeta um crescimento de PIB de 4% para 2018.
Porque
não analisam a crucial questão do CRÉDITO? Hoje os 4 maiores bancos têm R$ 714
bilhões (1º semestre de 2017) em crédito à economia produtiva, 20% menos do que
em 2015. Mas tem R$ 300 bilhões de EXCESSO DE CAPITAL que daria para suportar
mais R$ 2 trilhões de crédito adicional à economia. A questão do CRÉDITO
mereceria horas de análise nos programas CONTA CORRENTE e PAINEL da TV e nas análises
de jornais. Nas colunas do jornal VALOR há maior análise mas não é mídia de
massa, o problema está nos comentaristas de TV, verdadeiros “entertainers” no
nível dos programas de culinária.
Mas
será que não tem senso crítico, dúvidas, questionamentos, angulações diferentes
um de outro? É impressionante como os papagaios da TV não têm dúvidas de
espécie alguma, só certezas e visões fechadas, o prof. Afonso Celso Pastore dá
aulas terminativas sobre o futuro, Langoni segue nesse linha, Loyola também tem
a meta de inflação como totem mas a inflação cada vez mais baixa não será um sinal
contrário, como em todo o mundo, de que a economia está fria? Quando há muita
demanda, os preços sobem e não caem, isso já se sabia no Séc. XVI antes de se
firmar um conhecimento chamado de ciência econômica, já se sabia isso por
intuição desde os mercantilistas de Colbert, aquecimento puxa os preços para
cima.
Quem
vive de consultoria econômica, como os ex-presidentes de Banco Central e seus
satélites precisa vender alguma perspectiva rósea porque se tudo for cinzento
os clientes nem os contratam. Consultor precisa ser sempre otimista para dar
esperança ao cliente pagador.
A
marca da inteligência é a dúvida e não a adesão à primeira onda. Outro surfista
do admirável mundo novo é o ministro da Fazenda, que já decretou o fim da
recessão há vários trimestres, com ares de Grande Sacerdote do Templo, fala com
ar solene que já estamos em um ciclo de crescimento, como se 0,2% fosse grande
coisa após 8% de queda nos últimos três anos.
Os
gurus da economia precisam operar com o pulso das ruas, mais do que com estatísticas.
O
presidente do Banco Central, zelador do sistema financeiro, a última coisa que
passa por sua cabeça é estimular a economia para amenizar o desemprego, o seu
sonho eterno é a INFLAÇÃO ZERO, o sonho dos rentistas, inflação zero com juro
real alto e dólar baixo, melhor que isso só morango com chantilly, dá para
fazer duas temporadas europeias por ano e mais um cruzeiro no Caribe no verão,
é o paraíso dos supersalários da burocracia e dos rentistas da renda fixa.
Por
um original cruzamento de variáveis políticas, o Brasil chegou a esse ponto da
curva como País em maior recessão por mais tempo entre todas as grandes
economias. Um País rico em recursos naturais, que se basta em alimentos e
energia, levado a maior desesperança por comandos absurdamente equivocados na
sua política econômica, uma política medíocre que insiste em NÃO usar os
fatores de produção de que dispõe o País, não querer usar sua capacidade
industrial ociosa, não tem interesse em investir em infraestrutura apesar das
notórias carências, quando a mobilização desses fatores por si só pode eliminar
o desemprego, mobilização que atende pelo nome de ESTÍMULOS MONETÁRIOS, colocar
mais dinheiro em circulação, como fazem bancos centrais de primeira linha em
tempos de recessão.
A
usina de geração de boas notícias sobre a economia é o Boletim FOCUS e sua
central de retransmissão é o sistema GLOBO, o propósito é cacifar o Ministro da
Fazenda como um bom candidato para a Presidência da República nas eleições de
2018. A prova da campanha é a SIMULTÂNEA geração de boas notícias ao mesmo
tempo em todas as emissoras de TV.
Isso
é irreal. As notícias econômicas são por natureza conflitantes e
diversificadas, nos EUA ou Europa não há um “coro” sacro que fala a mesma coisa
de forma coordenada, como no Brasil.
Economia
é um campo fértil de discussões, não é catecismo de missa que todos repetem.
Do
modo como a economia está hoje enquadrada, o Brasil pode atender o modus
vivendi de 30 milhões de brasileiros com razoável estabilidade econômica, MAS
não atende e nem tem perspectiva de atender os outros 170 milhões. Ora, uma política
econômica que não tenha como objetivo o total da população não é uma política de
Estado, o Estado é o barco onde estão todos, pobres e ricos, um Estado que
funciona para uma parte do País não é historicamente viável, não se pode
“apagar” ou “esquecer” como se não existissem 4/5 da população que não tem
nenhuma estabilidade mesmo em nível de sobrevivência.
Falta
à equipe econômica essa visão do todo, governam para o “mercado” e para aqueles
que o mercado atende e esses não são os desesperados que estavam na fila de
emprego do shopping no Rio. Quem atenderá esses órfãos da globalização
financeira?
A
autocongratulação da mídia para ganhos pontuais nas estatísticas econômicas,
como se isso fosse o “fim da recessão”, em um coro forçado de “levantamento da
moral” do País, é um auto engano na melhor das hipóteses. Alguns ganhos
microscópicos em determinados índices cuja acurácia metodológica é discutível
não tem relevância para a expressão “saímos da recessão”. Há dados mais
concreto, por exemplo , a produção de cimento que nos sete primeiros meses de
2017 foi 9,7% menor do que no mesmo período em 2016, ou do consumo de
eletricidade no País, nos primeiro sete meses foi 2,3% menor do que em 2016 ou
no indicador mais brutal, a inesperada QUEDA DA ARRECADAÇÃO, uma queda que é
uma simples derivada da baixa atividade econômica e da queda de vendas das
empresas, que provocou uma surpresa espantosa do “dream team”, mostra que eles
estão longe de ter alguma capacidade intelectual de grandes economistas. Um
erro tão primário de “forecasting” é de chamar a atenção para a fragilidade
dessa equipe econômica, afinal a queda da arrecadação não foi resultante de
fenômenos da natureza, foi o resultado necessário da equação montada pelos
próprios surpreendidos, onde vale mais o índice de inflação do que vendas e
produção, aquilo que produz arrecadação, os grandes fatores da economia real e
não as elucubrações do boletim FOCUS, a CARAS do mercado financeiro com suas
frivolidades.
Desde
a Nova República, mas especialmente depois do Plano Real, o Banco Central foi
capturado pela cultura do mercado financeiro e desligou-se por completo da
economia produtiva. Todos seus presidentes vieram ou foram para o sistema
financeiro e o Boletim FOCUS é o “Diário Oficial” do Banco, tendo como
redatores os “economistas de mercado”.
Não
se fazem perguntas à indústria ou ao comércio, só aos bancos e seus coligados e
a política do BC passa a ser orientada pelas “expectativas do mercado”, o que
significa dizer que é o mercado financeiro quem dirige o Banco Central por
fraqueza do sistema político e da mídia.
A
pior equipe econômica da recente história brasileira só poderia produzir o pior
resultado que a ferramenta pode construir. A brutal queda da arrecadação se deu
pela dramática queda da atividade econômica QUE NÃO tem demonstrado tendência
de melhora, como querem fazer crer os GLOBOECONOMISTAS que trazem dados tipo
“olha como a inflação está no melhor nível desde 2003, a projeção do FOCUS caiu
de 3,38% para 3,16%, dado que o preço do tomate em Recife cai 7,334% e a
passagem de ônibus em Belém subiu 5,54%. Seriam cômicos se não fossem trágicos,
marionetes de algum bruxo por trás do pano, só um domador com chicote pode
fazer homens calejados e moças bonitas a dizerem tantas bobagens, alguns falam
com absoluta convicção, como Miriam Leitão, a politicamente correta da
economia, comentam seriamente as variações centesimais de índices irrelevantes
mostrando como “estão por dentro” da economia mas isso NÃO é economia, a visão
do grande economista não é detalhista, é uma visão de conjunto, do todo e de
seus efeitos sobre a vida das pessoas.
Porque
o FOCUS não traz a produção de cimento mês a mês, um indicador crucial?
Ou
porque o FOCUS não dá a expectativa do JURO REAL PARA A ECONOMIA PRODUTIVA,
cartão de crédito, cheque especial, crédito para médias empresas? Só traz a
taxa SELIC, que só interessa ao mercado financeiro. MAS, e a economia real,
onde está no FOCUS?
Porque
a mídia NÃO questiona isso ao invés de repetir o FOCUS como papagaios?
No
programa PAINEL da Globonews de sábado, dia 2 de setembro, foram convidados
três comentaristas de idêntica linha, Gesner de Oliveira, da FGV, Zeina Latif,
da XP Investimentos e o diretor de uma administradora de fundos, os três
identificados com a escola ortodoxa.
Ora,
existe uma outra linha de política econômica com nomes respeitáveis, cito
Antonio Correa de Lacerda, diretor da Faculdade de Economia da PUC-São Paulo,
Laura Carvalho, professora da USP, Reinaldo Carneiro, da UFRJ, Paulo Kliass,
também da UFRJ. O lógico em um debate é a presença de linhas em contraponto e
não de pensamentos únicos. Quem garante que o programa Meirelles está certo?
Porque não discutir as premissas desse programa?
Os
três debatedores do PAINEL não têm qualquer proposta para sair da recessão a
não ser a de um ajuste mais rigoroso, apenas Gesner disse que as taxas de juros
poderiam cair “um pouco mais rapidamente”, os outros se calaram a respeito, de
resto enfatizaram a linha do “corte-de-gastos com reformas”, falaram de
investimentos privados em concessões, saneamento como se isso fosse uma solução
e desse círculo fechado de ideias não saíram.
Um
País na mais grave recessão de sua história moderna não gera sustentação para
amplos debates sobre os rumos da economia, rendendo-se à rasa simplicidade de
dois ou três bordões de algibeira, cortes + reformas, Real valorizado e
obsessiva obediência às metas de inflação.
Todas
essas variáveis são até defensáveis mas há que SEMPRE medir o custo de
atingi-las, e é este o debate que não se faz, às vezes é melhor mais emprego e
menos fanatismo com metas de inflação, muitas vezes desvalorizar a moeda
relança a economia, como já fez a China incontáveis vezes nos últimos 30 anos, na
história por vezes um amplo programa de obras de infraestrutura com dinheiro
novo vale a pena, o BNDES tem enorme sobra de caixa porque não usar para
infraestrutura ao invés de entregar R$ 280 bilhões ao Tesouro, R$ 100 bilhões
já entregues na gestão Maria Silvia e mais R$ 180 bilhões até o fim do mandato
em 2018.
Esse
retorno de R$ 280 bilhões do BNDES ao Tesouro é uma CONTRADIÇÃO com o alegado
crescimento de 4% em 2018, como propaga o cabo eleitoral de Meirelles à Presidência,
o ex-Ministro Luis Carlos Mendonça de Barros. Como vai crescer 4% sem o BNDES
apoiando investimentos? E como o BNDES vai apoiar investimento sem dinheiro no
caixa?
Devolver
tal volume de recursos do BNDES para o Tesouro é jogar na retranca, não no
crescimento, é uma confissão de que a recessão deve continuar.
Ousadia muitas vezes é a saída para a economia e
não a retranca, mas a ousadia é para os fortes e corajosos, algo que parece
escasso na cena brasileira, inclusive na mídia econômica.
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