O que vivemos atualmente no Brasil não pode sequer ser
chamado de democracia de baixíssima intensidade. Se tomarmos como referência
mínima de uma democracia sua relação para com o povo, o portador originário do
poder, então ela se nega a si mesma e se mostra como farsa.
Para as decisões que
afetam profundamente o povo, não se discutiu com a sociedade civil, sequer se
ouviram movimentos sociais e os corpos de saber especializado: o salário
mínimo, a legislação trabalhista, a previdência social, as novas regras para a
saúde e a educação, as privatizações de bens públicos fundamentais como é, por
exemplo, a Eletrobrás e campos importantes de petróleo do pré-sal, bem como as
leis que definem a demarcação das terras indígenas e, o que é um verdadeiro
atentado à soberania nacional, a permissão de venda de terras amazônicas a
estrangeiros e a entrega de vasta região da Amazônia para a exploração de
variados minérios a empresas estrangeiras.
Tudo está sendo feito
ou por PECs, decreto ou por medidas provisórias propostas por um presidente,
acusado de chefiar uma organização criminosa e com baixíssimo apoio popular que
alcança apenas 3%, propostas estas enviadas, a um parlamento com 40% de membros
acusados ou suspeitos de corrupção.
Que significa tal
situação senão a vigência de um Estado de exceção, mais, de uma verdadeira
ditadura civil? Um governo que governa sem o povo e contra o povo, abandonou o
estatuto da democracia e claramente instaurou uma ditadura civil. Assim pensa
um de nossos maiores analistas politico Moniz Sodré, entre outros. É exatamente
isso que estamos vivendo neste momento no Brasil. Na perspectiva de quem vê a
realidade política a partir de baixo, das vítimas deste tipo novo de violência,
o país assemelha-se a um voo cego como um avião sem piloto. Para onde vamos?
Nós não sabemos. Mas os golpistas o sabem: criar as condições políticas para o
repasse de grande parte da riqueza nacional para um pequeno grupo de rapina que
segundo o IPEA não passa de 0,05 de população brasileira, (um pouco mais de 70
mil milhardários) que constituem as elites endinheiradas, insaciáveis e
representantes da Casa Grande, associadas a outros grupos de poder anti-povo,
especialmente de uma mídia empresarial que sempre apoiou os golpes e teme a
democracia.
Transcrevo um artigo de
um atento observador da realidade brasileira, vivendo no semiárido e
participando da paixão das vítimas de uma das maiores estiagens de nossa
história: Roberto Malvezzi.
Seu artigo é uma denúncia e um alarme: Da ditadura civil para a militar.
“Antes do golpe de 2016
sobre a maioria do povo brasileiro trabalhador ou excluído, já comentávamos em
Brasília, num grupo de assessores, sobre a possibilidade de uma nova ditadura
no Brasil. E nos ficava claro que ela poderia ser simplesmente uma “ditadura
civil”, sem necessariamente ser militar. Entretanto, como em 1964, ela poderia
evoluir para uma ditadura militar. Naquele momento pouquíssimos acreditavam que
o governo poderia ser derrubado.
Para mim não há dúvida
alguma que estamos em plena ditadura civil. É um grupo de 350 deputados, 60
senadores, 11 ministros do Supremo, algumas entidades empresariais e as
famílias donas da mídia tradicional que impuseram uma ditadura sobre o povo. As
instituições funcionam, como dizem eles, mas contra o povo e apenas em favor de
uma reduzidíssima classe de privilegiados brasileiros. Claro, sempre conectados
com as transnacionais e poderes econômicos que dominam o mundo.
Portanto, nós, o povo,
fomos postos de fora. Tudo é decidido por um grupo de pessoas que, se contadas
nos dedos, não devem atingir mil no comando, com um grupo um pouco maior
participando indiretamente.
Acontece que o golpe
não fecha, não se conclui, porque a corrupção, velha fórmula para aplicar
golpes nesse país, hoje é visível graças a uma mídia alternativa presente e
cada vez mais poderosa. E a corrupção está em todos os níveis da sociedade
brasileira, sobretudo nos hipócritas que levantaram essa bandeira para impor
seus interesses.
Mas, a corrupção é
apenas o pretexto. Segundo a visão de Leonardo Boff, o objetivo do golpe é reduzir
o Brasil que funcione apenas para 120 milhões de brasileiros. Os 100 milhões
restantes vão ter que buscar sobreviver de bicos, esmolas e participação em
gangs, quadrilhas e tráfico de armas e drogas.
Então, começam aparecer
sinais do verdadeiro pensamento de quem está no comando, uma reunião da
Maçonaria, um general falando a verdade do que vai nos bastidores, a velha
mídia com a opinião de “especialistas”, nas mídias sociais os saudosos da
antiga ditadura dizendo que “quem não é corrupto não precisa ter medo dos
militares”.
Enfim, estão plantando
a possibilidade da ditadura militar. Para o pequeno grupo que deu o golpe ela é
excelente, a melhor das saídas. Nunca foram democráticos. Não gostam do povo.
Inclusive nessa Câmara e nesse Senado, poucos vão perder seus cargos ou ir para
a cadeia.
O pior de uma ditadura
civil ou militar é sempre para o povo. As novas gerações não conhecem a
crueldade de uma ditadura total.
É de gelar a alma o
silêncio da sociedade diante das declarações do referido general”.
Que Deus e o povo organizado nos salvem.
Leonardo Boff é articulista do JB on line e escritor
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