Este texto foi retirado do site http://www.google.com/notebook/public/03904464067865211657/BDRliSwoQ39WV-vQi , é uma coluna da folha.
AS VAIAS e os aplausos à delegação norte-americana na conferência do clima em Bali apontam para o que está errado no mundo de hoje. Os Estados Unidos foram vaiados pela obstrução ao consenso em tudo, das florestas às metas de redução de gases, passando pela ajuda financeira e tecnológica aos pobres. Quando, no apagar das luzes, decidiram não se opor ao consenso, o alívio fez a sala explodir em aplausos.
Em toda minha experiência de conferências da ONU, jamais vi algo parecido: diplomatas não são líderes estudantis e simplesmente não vaiam nunca. O que ocorreu em Bali foi explosão espontânea de frustração com um país que exerce uma liderança às avessas. A liderança positiva é contribuir com paciência para edificar o difícil consenso; a negativa é limitar-se a obstruí-lo. Os Estados Unidos perderam a capacidade de construir consensos. Em parte, devido ao unilateralismo de visão e ação: invasão do Iraque em violação à Carta das Nações Unidas, por exemplo.
Em parte, por terem perdido a legitimidade moral em razão dos horrores de Guantánamo e outros sinistros locais de prisão e tortura, direta ou terceirizada. Não sendo mais capaz de fazer os outros partilharem de suas percepções das prioridades internacionais e dos métodos para enfrentá-las, Washington passou a isolar-se numa oposição sistemática ao resto da humanidade.
Em contexto diverso, o saudoso embaixador Araújo Castro dizia que o Brasil dos militares, sempre isolado em minoria de dois ou três nas votações da ONU, sofria do "complexo de Greta Garbo": "I want to be alone (eu quero ficar sozinha)".
Esse papel pertence agora aos Estados Unidos, em geral solitária voz discordante da unanimidade do universo em favor do Protocolo de Kyoto, do Tribunal Criminal Internacional, do Tratado de Proibição das Minas Antipessoais etc. A exceção americana se faz sentir na natureza das questões e nos métodos de abordá-las. De parte da solução, os Estados Unidos passaram a ser parte substancial dos problemas contemporâneos.
Nas negociações comerciais de Genebra, os subsídios ianques se converteram em obstáculo pior que os europeus. No aquecimento global, o obstáculo é duplo. Os americanos não se contentam em serem os principais responsáveis pela questão: são também a pedra maior no caminho da solução.
Frustrados com o multilateralismo, que não passa da expressão da democracia em âmbito internacional, os EUA preferem impor seu poder em arranjos com parceiros escolhidos a dedo. Os acordos de livre comércio lhes permitem fazer engolir seus subsídios a países mais débeis, em troca do acesso destes ao mercado ianque. Em clima, organizam reuniões pequenas, como a que o Brasil se apresta a participar, com o objetivo de solapar o processo da ONU. Com isso, desfazem, passo a passo, o sistema político e econômico internacional que eles mesmos haviam criado sob a liderança de Franklin D. Roosevelt no final da Segunda Guerra.
Em "The Second Coming", os melhores não têm nenhuma convicção, os piores estão cheios de apaixonada intensidade, as coisas caem aos pedaços e a anarquia se derrama sobre o mundo. Tudo isso, na intuição poética de Yeats, quando "o centro não é mais capaz de sustentar". As eleições norte-americanas serão capazes de produzir uma "segunda vinda", não como na profecia, mas em termos de um centro regenerado e de uma liderança esclarecida?
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