sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

Dez anos e mais dez? - por Antonio Luiz Monteiro Coelho da Costa (Cartacapital)

Na véspera do décimo aniversário de sua primeira vitória eleitoral, em 5 de dezembro, Hugo Chávez marcou para o fim de fevereiro de 2009 um novo referendo com o qual tentará, mais uma vez, aprovar uma emenda constitucional que permitirá a reeleição presidencial sem limites.

Chávez explicou a emenda que eliminará o limite à reeleição. “Simplíssimo. Ninguém vai se confundir. Os que querem que Chávez seja candidato nas eleições de 2012 têm de dizer que sim e os que não querem dirão que não. Estamos iniciando este novo período histórico, que vai de 2009 a 2019, para a criação da República Bolivariana Socialista da Venezuela.”

Depois de celebrar doze eleições e referendos e respeitar seus resultados mesmo quando não foram inteiramente do seu agrado, o presidente não deveria ser acusado de pretender a ditadura. Mas parece acreditar, apesar de proclamar sua fé na democracia participativa, que seu povo e seu partido necessitam de um pai, enquanto o movimento bolivariano não ultrapassar literalmente a idade da maioridade, depois de vinte anos de seu governo.

A constitucionalidade da proposta é duvidosa. O artigo 345 da Constituição de 1999 proíbe a reapresentação de uma proposta de emenda no mesmo mandato presidencial. A reeleição ilimitada foi rejeitada em 2007, ao ser incluída no bloco A (juntamente com a extensão do mandato de seis para sete anos, voto aos 16 anos, ampliação de poderes e financiamento dos conselhos populares etc.) de um complicado projeto de reforma de 69 artigos constitucionais submetido a referendo em dezembro de 2007, cujos objetivos não ficaram claros para muitos eleitores.

Esse bloco foi derrotado pela estreita margem de 50,7% a 49,3% e Chávez parece acreditar que a reeleição, separada das outras propostas, teria mais chances de ser aprovada. Além disso, deve se sentir encorajado pelos resultados das eleições locais de novembro de 2008.

Apesar da derrota de governistas em alguns estados e cidades ricos e importantes, seu partido, o PSUV (Partido Socialista Unificado da Venezuela), cresceu no interior e no cômputo total dos votos. Conquistou 63 municípios antes governados pela oposição, enquanto esta tomou apenas 25 das prefeituras antes chavistas.

Se esperar mais, as condições podem tornar-se menos favoráveis, dadas as dificuldades que poderão ser causadas pela queda (mesmo temporária) do preço do petróleo. E, mesmo que este não seja o caso, o chavismo será menos hegemônico na Assembléia Nacional depois de 2010. Hoje, o PSUV tem 141 dos 167 deputados e os demais estão próximos de suas posições, embora discordem em questões pontuais. Incluem os partidos Podemos (social-democrata, com seis deputados, o mais “oposicionista”), o PCV (Partido Comunista, cinco deputados), o PPT (esquerda histórica originada da antiga Causa Radical, cinco deputados), o NCR (quatro deputados, dissidentes chavistas) e o Movev (dois dissidentes chavistas, de orientação ecologista). Nas eleições parlamentares em dezembro de 2010, a oposição de direita dificilmente repetirá o erro de 2005, quando boicotou inteiramente o pleito para inutilmente tentar deslegitimar o processo. Deverá conquistar uma fatia do Parlamento, talvez suficiente para inibir a aprovação automática das propostas do governo.

A proposta de emenda constitucional foi formalmente apresentada pelos deputados do PSUV em 9 de dezembro. Os chavistas cantaram e dançaram ao som de ¡Uh, ah, Chávez no se va! por nove minutos, enquanto os líderes do Podemos, Ismael García, e do PPT, Wilmer Iglesias, que se recusaram a subscrevê-la, erguiam inutilmente as mãos para pedir a palavra. Iglesias chegou a tomar um megafone para se fazer ouvir. Quando finalmente puderam falar, García apontou a inconstitucionalidade da proposta, embora o governo alegue que, isolada, tal qual está sendo discutida, a emenda é nova.

A proposta deve ser votada no dia 18 e ainda necessita da coleta de 2,55 milhões de assinaturas (15% dos eleitores) para ser levada a referendo. Recebeu apoio do PCV, que prometeu ajudar a coletar as assinaturas, embora não haja necessidade disso. O PSUV tem 5,7 milhões de filiados, 2,5 milhões dos quais compareceram às primárias para seleção de seus candidatos às eleições de 2008. Mas, como seus pares de outros países, o PCV parece ter baixa resistência imunológica ao culto à personalidade e, evidentemente, tem como prioridade reconciliar-se com Chávez, que na última campanha o acusou de “contra-revolucionário”, com o PPT e outros setores da esquerda que o apóiam desde 1997. Tudo porque estes partidos ousam manter sua autonomia e disputar prefeituras com o PSUV: “A questão de fundo é que não reconhecem a minha liderança e, então, eu tampouco os reconheço. Eu me encarregarei pessoalmente de que desapareçam do mapa político venezuelano”, disse em comícios de seu partido.

A oposição já tem seu slogan para esta campanha: “Não, presidente, quatorze anos são suficientes”. Mesmo quem aceita a constitucionalidade da proposta pode dar atenção a esse argumento. Por mais que se discorde dos oposicionistas e se vejam pontos positivos no projeto político chavista, é preciso perguntar por que a liderança de um movimento que se diz democrático, participativo e socialista não pode ser confiado a outros indivíduos e por que seus partidários não podem admitir críticas da esquerda.

Essas atitudes podem ser responsáveis por boa parte das (limitadas) vitórias da oposição conservadora nas eleições de novembro. Muitos dos chavistas derrotados caíram pela vontade de eleitores que apóiam o governo, mas repudiam a corrupção ou incompetência de vários dos seus representantes que pretendiam a reeleição. Como um taxista de Caracas entrevistado pela BBC, que disse ter votado na oposição pela primeira vez em dez anos: “Continuo a apoiar o presidente, mas os prefeitos chavistas simplesmente abandonaram este bairro (23 de Enero, tradicional reduto chavista) e se dedicaram à corrupção. Precisamos de mão forte para combater a delinqüência”, afirmou.

Não é só a opinião da massa desorganizada. Em entrevista à revista espanhola El Viejo Topo de outubro, Marcela Máspero, líder da central sindical chavista Unete (rival da oposicionista CTV) e militante do PSUV, expressou o mesmo pensamento: “Nós, trabalhadores, coincidimos com o programa que o presidente Chávez expressa. Mas há um setor muito grande do governo que dirige o processo para o leopardismo, mudar para que nada mude, e são os principais violadores dos direitos dos trabalhadores e do povo. Aterroriza a esta nova casta burocrática que a classe trabalhadora se converta em sujeito histórico, porque isso acabaria com seus privilégios. Por isso anulam qualquer possibilidade de participação realmente independente”.

Boa parte da esquerda venezuelana e internacional dá mostras de que concorda com Chávez quanto à necessidade de sua permanência para aprofundar e consolidar as reformas socialistas. Depois do colapso dos partidos comunistas e da acomodação dos partidos social-democratas e trabalhistas ao neoliberalismo, o líder venezuelano passou a encarnar a esperança de um modelo capaz de promover medidas sociais sem cair no totalitarismo. Mas, ao obcecar-se com sua permanência e premiar seguidores em razão da fidelidade pessoal, o presidente esvazia de substância a sua proposta de radicalização da democracia, além de correr o risco de sofrer uma derrota desmoralizante. Do ponto de vista do sucesso de seu projeto, poderia ser mais proveitoso investir em torná-lo menos dependente de sua personalidade e preparar um sucessor digno.

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