Essa tendência ao embromation, evidente na entrevista do JN com o candidato Serra, apenas é continuação de tudo o que foi visto no passado. É típica de uma situação onde simultaneamente há falta de projeto e falta de realizações a mostrar. É possível pela colaboração midiática, comum ao PSDB como um todo, não é especificamente em relação ao Serra ou para esta campanha. Não reverterá um 3º declínio eleitoral sucessivo e algum dia será substituída por uma oposição propositiva.
Em 1994 não se disse na campanha de FHC que haveria, de 1995-1998, privatizações, novos impostos e, paradoxalmente, grande aumento da dívida pública. Por mais que as pessoas sejam gratas ao Plano Real ficou evidente que algo não foi bem feito. Mesmo que, eventualmente, se considere que as privatizações foram oportunas e a valor justo (o que não aconteceu), trata-se de algo que não foi combinado antes com o eleitor nem foi bem discutido com a sociedade. Reeleição em 1997 idem.
Em 1998 ocultou-se da população a insustentabilidade do câmbio (mas desde setembro ou outubro daquele ano todos os bancos, exceto dois, passaram para posições compradas em US$, ou seja, quem tinha informação não acreditou no discurso eleitoral.) Também não foi usado em campanha a Reforma da Previdência em gestação. Por anos (1999-2002) uma completa ausência de transparência com a sociedade, que só foi possível pela supercoligação PSDB/PFL/PMDB/PTB/PP (o PPS não fazia parte na época e o PL, hoje PR, saiu no final legando o vice José Alencar ao Lula.)
Qualquer capital político que o PSDB pudesse ter tido com o Plano Real e as iniciativas na saúde se perdeu aí: nessa combinação de fazer coisas intempestivamente, usando crises internacionais como muleta para a inépcia, e legando como herança a mais longa estagnação da economia brasileira (1997-2003) e situações fiscal e cambial em frangalhos.
Não é de admirar que o nome FHC mal pode ser usado hoje em campanha, então por que crer que o Plano Real teria ainda apelo eleitoral? Seus créditos já foram gastos. Mas ficou o discurso "oh céus, oh vida, o eleitor não reconhece o bem que fiz..."
Em 2002 ainda se tentou estabelecer o discurso do medo em relação à alternância de poder (que naquela época era criticada pelo PSDB que hoje a louva). Surpreendentemente adota-se por quase todo o ano uma política monetária frouxa, que em nada combinava com a ortodoxia habitual. É claro que a cotação do dólar disparou e elevou-se muito o risco-país, culminando com a "Carta ao Povo..." Se a administração desastrada da política econômica foi inabilidade ou proposital há controvérsias, mas adequada não foi. Muito diferente do que se vê hoje, em que há mais realismo que o necessário.
O acúmulo de desgastes foi tão grande que mesmo a adoção tímida do Bolsa-Escola e Cartão-alimentação, no final de 2001, não pôde recuperar a credibilidade do governo. Naquela campanha de 2002, seu candidato Serra dispunha do dobro de tempo de Lula na TV e não foi capaz de reverter o desejo de mudança em relação a todo esse contexto. Por que imaginar que seria hoje capaz de estimular um retorno? A mídia não é mais poderosa hoje que então.
Qualquer mensalão, de qualquer partido, por mais condenável que seja, traz menos prejuízos efetivos para a sociedade que a conjunção de incapacidade com acobertamento midiático, mesmo que ambos estes não sejam ilegais. Foi o que pensei em 2006 e não me arrependo. Ainda que sem uso de argumentação, é muito possível que boa parte da população intua do mesmo modo, de forma que o episódio do mensalão do PT terminou por ser assimilado, e não trará dividendos tentar trazê-lo novamente à tona. Nem usar macacão com logotipos de estatais, como em 2006, ou buscar a paternidade de programas sociais ou de saúde ajuda, porque, ao fim e ao cabo, a fama de insinceridade ficou com a oposição mesmo, tanto que o PT tem a preferência eleitoral de 25% das pessoas (recuperando a posição de 2004) versus 6% do PSDB.
E nem as realizações em SP, não obstante as constantes reeleições para o PSDB, podem ser tomadas como convincentes. Não se comparariam com as do governo federal de qualquer modo, mas entre-se em alguns detalhes:
- de 2003 a 2009 a arrecadação passou de 8% para 11% sem contrapartida em aumentos para o funcionalismo, realização de obras ou melhora da capacidade estadual de realizar investimentos.
- não houve novas estradas em SP além do Rodoanel, com 96 km feitos em 12 anos. O que há de extraordinário em 8 km/ano? As rodovias privatizadas já eram boas, apenas foi feita a concessão sob outorga para obter recursos (imagine-se uma pessoa hipotecando a casa ou fazendo leasing do próprio veículo). Ora, essa conta a ser paga pela população está sendo vendida como "pedágios", isto é, como se fosse uma prestação de serviços, mas economicamente trata-se apenas de tributos arrecadados antecipadamente. A privatização das rodovias federais usa outro modelo, onde os pedágios são usados apenas para a manutenção, não para caixa do governo.
- no demais, a administração estadual de SP não realizou nada para mostrar que não seja visível em outras unidades da federação, tendo como pano de fundo o bom momento econômico do país. Parte da popularidade do governo de SP vem disso, do mesmo modo que em vários outros estados. Sim, houve a criação de uma política antifumo controversa (não nos objetivos, mas nos métodos de fiscalização) que curiosamente está sendo esquecida para uso eleitoral agora que completou um ano.
Ainda que parte da população acredite na grande mídia, não é de se admirar que haja hoje mais condições para uma continuidade decidida em primeiro turno que em 1994 ou 1998. Fica a dúvida se seria necessária tanta popularidade do governo para isso.
Comentário
Ótima análise, que em minha opinião só peca quando trata da tal “carta ao povo brasileiro”. Segundo alguns membros da direita querem fazer crer os incautos, o presidente Lula só foi eleito depois de escrever este documento.
Entre, porém, num ônibus, ou vá a uma praça e pergunte a quem quer que seja que votou no presidente Lula em 2002 sobre esta tal carta e verás o quanto ela de fato influiu no resultado eleitoral.
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