Quando explodiu a crise em 2008, muitos aproveitaram para decretar o fim do período neoliberal e anunciar que, daquele momento em diante, o estado e a sociedade estariam novamente ditando as regras do jogo. A ideologia do livre-mercado deveria admitir o erro da crise causada e recuar. Vacinados pelo desastre, estados e sociedade passariam a controlar os excessos do livre-mercado.
Esse otimismo auto-ilusório dos setores progressistas da sociedade, ao mesmo tempo esperançoso, mas também demais envolvido emocionalmente com os fatos que se seguiam, obscureceu a capacidade de se analisar criticamente os efeitos da crise e de se perceber as respostas rápidas que poderiam surgir no contra-ataque do modelo de capitalismo de livre mercado. E foram, de fato, rápidas.
No primeiro momento da crise, como se sabe, veio o socorro aos bancos e as grandes empresas. Países ao redor do mundo derramaram cifras trilionárias de dinheiro público para salvar e premiar os especuladores que apostaram contra as vidas de milhões de trabalhadores e da sociedade em ativos artificialmente inflacionados. Enfraquecidos ideologicamente, os apostadores do livre-mercado, de fato, recuaram. Ouviram um sermão, mas recuaram com os bolsos preservados a preenchidos com o dinheiro público.
Mas, já num segundo momento, os ideólogos do livre mercado ressurgiram, agora cobrando a conta pelo rombo causado por aquele mesmo socorro trilionário nas finanças públicas. O mesmo socorro trilionário que salvou os especuladores passou a ser visto pelos economistas de plantão como sinal de gastança pública e mau gerenciamento do estado.
Empresas de rating começaram a baixar as notas de avaliação de risco dos estados nacionais. Estes, por sua vez, e de forma articulada, se puseram a cortar os gastos sociais: pensões, direitos trabalhistas, educação, saúde, investimentos públicos, tudo congelado, cortado ou revisto para baixo. Todos os "privilégios" sociais, incompatíveis com a modernização da gestão do estado enxuto, conforme a cartilha da mitologia do livre-mercado, foram revistos. Os que ainda não foram, estão em vias de ser. De quebra, acelera-se ainda o processo de privatizações de empresas públicas. Tudo para dar uma resposta rápida e não abalar a confiança do livre-mercado.
O modelo neoliberal, dado como morto, em pouco tempo se impõe novamente como agenda política e como a fórmula inconteste para sair da crise provocada pelo próprio modelo. Em vez de precipitar o fim do modelo, a crise o fortaleceu.
A profecia do fim do neoliberalismo tem efeito inverso: na conta do sacrifício imposto aos trabalhadores e a sociedade está, ainda, a flexibilização das leis trabalhistas e a destruição dos modelos de seguridade social. Basta se atentar para o discurso de Obama, Sarkozy, Berlusonci, etc e etc...
Além disso, na Europa e nos EUA, nunca se contratou tantas pessoas em condições de trabalho precário, temporários, meio período, etc. As grandes empresas ganham duas vezes: o estado reduz os custos trabalhistas, e a crise as ajuda a congelar salários e demitir em massa. Os sindicatos recuam para preservar o pouco emprego que resta. Não à toa, as grandes empresas ao redor do mundo começam a publicar balanços com lucros recordes. Os trabalhadores perdem, mas o grande capital continua a ganhar.
O fim do neoliberalismo pode, na verdade, ser o começo de uma era de capitalismo ainda mais sombria para o mundo: tradicionalmente, o enfrentamento dos abusos e excessos do capitalismo é feito pelos trabalhadores organizados. Mas a crise foi uma oportunidade de ouro para o capital “higienizar” sua relação com os trabalhadores: o poder de negociação e enfrentamento dos trabalhadores está sendo aniquilada, com a ajuda decisiva dos estados nacionais.
Ainda, as grandes empresas aproveitam a debilidade causada pela crise nas pequenas e médias empresas para aniquilar ou absorver concorrentes. O mercado fica mais concentrado, os trabalhadores mais enfraquecidos e as grandes empresas ainda mais poderosas, podendo interferir ainda mais nas leis e na regulação do estado e em toda vida social.
Fim do neoliberalismo ou o início de um neoliberalismo ainda mais devastador?
Comentário
Hoje Caetano Veloso escreve em alguns jornais uma coluna em que critica o "retorno do estado" na economia brasileira, dizendo que isto não é o que está sendo feito no resto do mundo. Nenhuma palavra é dita sobre o fato do Brasil estar crescendo - com esta política - muito mais do que a grande maioria dos outros países do mundo, além de ser um dos que menos foi afetado com a crise dos neoliberais.
Nenhuma palavra, também, com os trilhões de dólares gastos para encher os bolsos dos especuladores defensores do "livre mercado" contra o Estado. Nenhuma raiva, nenhuma ironia, nenhum desprezo.
Certa vez Cateano definiu-se como um "subintelectual de miolo mole". Neste caso, não posso discordar dele.
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