Nenê Constantino se tornou dono da Gol com base na sua frota de ônibus do Distrito Federal, que constitui um país à parte dentro do Brasil. Foi, literalmente, um voo surpreendente, dos maiores da história da aviação brasileira.
Certo dia de 2006 Nenê Constantino foi chamado ao gabinete do presidente da república, no Palácio do Planalto, em Brasília. Quando chegou, já encontrou lá acomodado o advogado Roberto Teixeira ao lado do seu compadre, Luiz Inácio Lula da Silva.
Teixeira é o dono de um escritório de advocacia de São Paulo. Ele estava intermediando a venda da Varig para o fundo de investimento americano MatlinPaterson, comandado pelo chinês Lap Chan. Mas já então buscava outro comprador e para isso se lembrou do dono da Gol, que ficaria com a Varig se pagasse os 320 milhões de reais arbitrados pela transação.
Constantino fez o negócio, mas jamais utilizou a anteriormente valiosíssima marca Varig. Os 12 mil funcionários da companhia foram demitidos e suas cobiçadas rotas internacionais foram fechadas. Em 2012, seis anos depois do encontro, a Gol teve prejuízo de 1,5 bilhão de reais. Já Constantino foi acusado de mandar matar o genro, teve que sair do conselho de administração da empresa e colocado sob prisão domiciliar.
Denise Abreu, diretora da Anac, a única agência de regulação criada pelo governo Lula, não foi sequer informada sobre a transação. Quando as tratativas eram feitas em torno do fundo americano, ela foi pressionada pessoalmente em seu gabinete por Valeska Teixeira, filha de Roberto Teixeira, em cuja casa, em São Bernardo do Campo, Lula se hospedou por longo tempo, sem pagar aluguel. Denise se voltou para José Dirceu, em busca de apoio contra a pressão, mas ele não quis se envolver na questão.
Essa e várias outras histórias escabrosas são narradas por Consuelo Dieguez em longa matéria de capa da última edição da revista mensal Piauí. Ela mostra que a quebra da Varig foi causada mais por fatores políticos do que técnicos, por ação de bastidores do que pela movimentação no mercado. Foi um fim tão triste quanto o da Panair, vitimada na transição violenta do governo Goulart para a fase dos generais do regime militar.
Por ironia, a Varig foi escolhida pelos novos do poder para ocupar o lugar que fora da concorrente, sacrificada menos pelas suas dificuldades financeiras do que pela proximidade dos seus donos do presidente deposto.
A Varig tinha tudo para dar certo, se tivesse conseguido se desgrudar dessa parceria tortuosa com a política e os políticos. O que lhe deu a liderança no mercado foi também o que a vitimou. Ela não se alicerçou na excelência dos seus serviços e na competência da sua atividade, o que podia ter sido o efeito de sua administração partilhada entre os seus empregados.
Para pagar favores recebidos, prestava novos favores, o que comprometeu sua eficiência e suas finanças, levando-a à bancarrota definitiva, em 2010.
Essa promiscuidade entre a política e as companhias aéreas, que atuam num setor econômico muito sensível a subsídios para se manter, causou danos graves ao país. Juscelino Kubitschek quase matou a aviação comercial brasileira com seu apoio total ao transporte rodoviário e à indústria automobilística.
A maioria das empresas de aviação quebrou em seu período. Cidades e regiões, que antes eram servidas por linhas de penetração, saíram das rotas aéreas – então e para sempre. A Amazônia, que se espraia por dois terços do território nacional, foi a mais prejudicada. O isolamento só não foi total pela persistência do transporte pelos rios, mas em condições cada vez mais precárias, sem qualquer estímulo oficial.
O fim da Varig, uma das melhores companhias do mundo, que não encontrou sucedâneo nacional para manter suas rotas internacionais, acarreta a perda de bilhões de dólares ao Brasil todos os anos. Número crescente de cidadãos brasileiros utiliza empresas estrangeiras para circular pelo mundo.
O mais grave é que mais empresas de outros países penetram no mercado interno, que se tem desnacionalizado. Por inacreditável que pareça, o PT deu a maior contribuição nesse sentido, pela atuação espúria de petista e associados no governo e pela sua incompetência corporativista.
O Brasil se tornou um paraíso para a aviação internacional, por ser o quarto país em transporte aéreo de passageiros, é a conclusão que se tira da reportagem de Consuelo Dieguez. O segundo país, a China, simplesmente proíbe a participação de transportadoras estrangeiras em voos domésticos. Nisso, não seguimos um bom exemplo.
Embora extensa, a matéria podia aprofundar várias das questões que suscita ou às quais se refere superficialmente. Mas talvez nem precisasse mesmo ir a tanto. O que revelou já seria suficiente para causar abalos, se o Brasil se permitisse esse tipo de impacto.
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