segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

A vitória de Snowden e o fracasso de Obama - por Cauê Seignemartin Ameni (OutrasPalavras / CartaCapital)

     Ex-agente que denunciou NSA indicado para Nobel da Paz. Em Washington, presidente debate-se para preservar espionagem e salvar aparências

     Aos poucos vão surgindo as evidências de que a história trabalha mais a favor do ex-agente Edward Snowden, do que do presidente americano Barack Obama. Na quarta-feira (29/01), o ex-agente que revelou a maior plataforma de vigilância da história, foi indicado para concorrer ao Prêmio Nobel da Paz. Oscar Wilde, escritor inglês do século XIX, sintetizou uma vez a importância histórica de fatos como este: “a desobediência, é aos olhos de qualquer estudioso da História, a virtude original do homem. É através da desobediência que se faz o progresso, através da desobediência e da rebelião”.

     No outro lado da corda, Obama admitiu pela primeira vez em público (17/01), a necessidade de mudanças no trabalho da Agência de Segurança Nacional americana (NSA). Depois de sete meses de revelações cada vez mais desconfortáveis e crescente clamor público, ponderou: “nossa liberdade não pode depender das boas intenções de quem está no poder, e sim da lei que restringe esse poder”. Num longo discurso, apoiou alguns pontos do grupo de especialistas criado pela Casa Branca para reformular o sistema de vigilância do governo. Mas ignorou as sugestões mais importantes, mantendo-se em apenas dois pontos superficiais: 1) restringir progressivamente o programa de armazenamento maciço de dados telefônicos nos EUA, tal como existe hoje e; 2) limitar a espionagem sobre líderes aliados – inimigos continuam sendo alvo –, que provocou uma tempestade diplomática com países amigos.

     Para os vastos setores da opinião pública que pedem o fim da perseguição a Snowden, o governo americano passou longe do esperado. Em seu editorial, o próprio New York Times classificou o discurso de Obama como “eloquente sobre a necessidade de equilibrar a segurança da nação com privacidade pessoal e liberdades civis”, mas “frustrante em detalhas e vago na implementação”. O jornalista Lorenzo Franceschi-Bicchierai, especialista nos assuntos sobre ciber-política na revista digital Mashable Nova York, listou algumas mudanças importantes que foram completamente ignoradas.

1. Todos os outros programas de coleta em massa de dados continuam

     Obama apoia a proposta do grupo de especialistas que criou, para retirar da NSA o banco de dados sobre as chamadas telefônicas. No entanto, o governo não pronunciou uma palavra sobre como restringirá a coleta em massa de metadados da Internet. “Esse tipo de programa pode ser utilizado para obter mais informações sobre nossas vidas privadas e abre as portas a outros programas mais intrusivos”, diz o NYT.

2. O Defensor Público, no Tribunal FISA

     O grupo interno recomendou a criação de um “Advogado Defensor do Interesse Público”, para lutar pela privacidade e liberdades civis perante os juízes do “Tribunal FISA” – que podem impedir a coleta de dados privados sobre cidadãos… Advogados e juristas apoiaram a ideia, uma vez o “Tribunal FISA” não respeita direitos civis básicos. Apenas os defensores do governo podem prestar depoimento; as sessões e os veredictos são secretos. Obama porém, não confirmou a aceitação da proposta. Apenas disse, vagamente, que um grupo de especialistas participará das sessões secretas do tribunal. E que serão ouvidos só em “casos significativos…”

3. Revisão Judicial das Cartas da Segurança Nacional

     O FBI vem usando as chamadas Cartas de Segurança Nacional há anos, para exigir que bancos, empresas de internet e de telefonia entreguem dados de seus clientes e usuários. Funcionam como uma espécie de “salvo-conduto” administrativo, liberando o FBI para requerer dados dos usuários diretamente às empresas, sem necessidade de pedir uma autorização judicial. O grupo interno de Obama, sugeriu que mudasse esse procedimento, reformando a lei, para tornar indispensável a aprovação de um juiz em todos os casos. Porém, a Casa Branca apoiou apenas mais “transparência” e não disse uma palavra sobre a necessidade de supervisão judicial.

4. Espionagem nas bases de dados de empresas comerciais norte-americanas em todo o mundo

     Documentos vazados em outubro por Snowden, revelaram que a NSA recolhia vasta quantidade de dados de usuários na internet, sem que as empresas como Google e Yahoo soubessem. A agência obteve acesso aos servidores onde os dados eram armazenados. Obama não disse nada a respeito e o porta-voz da Casa Branca, contatado pelo site Mashable, não quis comentar o assunto.

5. O trabalho da NSA para derrubar os padrões de segurança e encriptação

     Em setembro, o New York Times revelou o enorme esforço da NSA para derrubar os padrões de segurança e encriptação, de modo que os agentes tivessem acesso a comunicação que usuários acreditavam estar protegidas.

     A NSA e até o FBI foram acusados de invadir sistemas criptografados, depois de terem solicitado que empresas de software incluíssem “portas do fundos” nos programas vendidos a consumidores, uma espécie de entrada secreta, por meio das quais espionavam os usuários da nova versão do Windows, por exemplo.

     O grupo para reformular a NSA, apoiou a criação de tecnologia mais forte de encriptação, argumentando que o governo não pode “de modo algum subverter, minar, enfraquecer ou trabalhar para tornar vulneráveis, softwares oferecidos à venda a consumidores como se fossem seguros.” Obama nada disse sobre o caso.

Graves denúncias, nenhuma resposta

     Obama também calou-se em relação às denúncias feitas ao longo dos últimos meses por grandes publicações internacionais, que se assustaram com a capacidade cada vez mais invasora da NSA. Numa das mais recentes, o New York Times revelou, em janeiro de 2014, o programa de implantação de vírus em cerca de 100.000 computadores mundo afora, para devassar dados e lançar ataques até mesmo a computadores sem acesso a internet.

     Usada desde 2008 para invadir computadores, a tecnologia via rádio permite contornar uma das principais dificuldades enfrentada pela agências durante anos: penetrar em máquinas cuja os adversários tornaram impermeável à espionagem ou ciber-ataque. O dispositivo é inserido fisicamente pelo fabricante do equipamento ou por um espião, transmitindo dados do computador visado através de radiofrequência.

     O principal programa que usa este método radical de espionagem tem codinome Quantum. E entre seus alvos, estão o exército chinês; o sistema militar russo; a rede utilizada pelos cartéis mexicanos; instituições comerciais dentro da União Europeia, e terroristas inimigos da Arábia Saudita, Índia e Paquistão.


     Ao expor tudo isso, Snowden girou a roda história. Revelou, lembra o New York Times, a ignorância e falta de controle do presidente americano, que não tinha conhecimento das operações obscuras perpetradas pela agência de segurança de seu próprio governo. Infelizmente, ao invés de parabenizá-lo, Obama preferiu desaprovar seus métodos. “A defesa da nossa nação”, disse, “depende em parte da fidelidade daqueles a quem os segredos são confiados”. A diferença é que, ao contrário do presidente, o ex-agente é mais fiel aos cidadãos do que as agências militares.

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