Na tarde de 7 de agosto, a voz pastosa do general Gilberto Barbosa de Figueiredo pairou sobre a platéia de 600 espectadores espremidos no Salão Nobre do Clube Militar, no Rio de Janeiro. Presidente da entidade, Figueiredo havia organizado um ato em protesto contra a possibilidade de contestação da Lei da Anistia e abertura de processos contra os repressores da ditadura. Poucos dias antes, o ministro da Justiça, Tarso Genro, e o secretário especial de Direitos Humanos, Paulo Vannuchi, haviam defendido a punição a torturadores a serviço do Estado.
A primeira parte do convescote, com a apresentação do tema da discussão e a íntegra das falas de três palestrantes convidados, foi gravada pela direção do Clube Militar e, posteriormente, registrada em um CD com 133 minutos de duração. CartaCapital teve acesso a este material. Entre cômicas e trágicas, as intervenções ecoam aquele espírito que precedeu as casernas às vésperas do golpe de 1964.
Foi um festival de louvores ao autoritarismo, defesa explícita do golpismo e os mais rotos chavões a respeito do “perigo comunista”. Os palestrantes – um general, um pecuarista e um ex-ministro do Superior Tribunal de Justiça – conseguiram transformar a centenária confraria militar, instalada no número 251 da avenida Rio Branco, numa espécie de hospício para traumatizados da Guerra Fria.
Confira agora alguns trechos selecionados do discurso dos militares, que mostram o que a caserna brasileira pensa realmente sobre a abertura dos arquivos da ditadura e a punição aos torturadores.
“A anistia de 1979 não era para idealistas que rompiam com a legalidade na esperança de um país melhor. Era anistia para marxistas, marxistas-leninistas, revolucionários maus, perversos, que não perdoam a derrota”. (General Sérgio Augusto Coutinho, ex-chefe do CIE)
“O coronel Brilhante Ustra é o alvo enigmático (sic) da tortura no Brasil”. (General Coutinho)
“O revanchismo não é só um prazer de quem faz, porque esse prazer é de uma pessoa que é um revolucionário, que é um marxista-leninista, e, portanto, ele tem ainda um sonho, o sonho do socialismo do proletariado”. (General Coutinho, provavelmente se referindo ao ministro Tarso Genro ou ao presidente Lula)
“Mudar a cabeça dos nossos oficiais, acostumá-los a conviver com o contraditório, a adquirir o senso comum, a um passo, portanto, de fazer o consenso com a revolução socialista”. (General Coutinho, ao revelar o plano da esquerda, em andamento, para “permear” ideologicamente os militares brasileiros)
“O revanchismo satisfaz o ego do revanchista, mas, na verdade, está abrindo o caminho da revolução (socialista). Há, no Brasil, um processo revolucionário socialista em curso, sutil e mascarado, com aparência democrática, espalhando a violação dos princípios básicos do Direito”. (General Coutinho, ressurgido da Guerra Fria)
“Eleições são meros mecanismos de escolha, o Vaticano e o Comando Vermelho (organização criminosa dos morros cariocas) têm os seus. Eleições, isoladamente, não garantem a democracia”. (Antônio José Ribas Paiva, advogado da UDR, porta-voz civil do golpe, na reunião do Clube Militar)
“O pessoal que hoje se insurge contra a lei que os beneficiou estava fora do País, não estava nem trabalhando. Estavam (sic) vivendo às custas de dinheiro da conspiração internacional”. (Ribas Paiva, sobre o que ele alega ser a ingratidão da esquerda com a Lei da Anistia)
“A nação brasileira estava trabalhando e pensou neles: ‘será que esses brasileiros, (será) que talvez tenham se emendado?’. Talvez seja interessante a pacificação, a exemplo do que fazia Caxias. Mas hoje estão no Congresso nacional e não aprenderam nada. Desprezam o benefício que a nação lhes concedeu”. (Ribas Paiva, sobre os anistiados, atualmente, com mandato parlamentar)
“Quem coordenou a guerrilha e o terrorismo foi o ETA, único grupo terrorista especializado em guerrilha urbana; quem explodiu a sede do Ministério Público foi o IRA, que tem conhecimento de engenharia militar com nitroglicerina; e as Farc executaram as pessoas, as concentrações de tiros com armas automáticas evidenciam a experiência de combate. A esquerda radical e revolucionária no poder sentiu-se ameaçada por algum motivo, e lançou o terrorismo, novamente”. (Ribas Paiva, corrigindo a informação oficial de que, em maio de 2006, foi o governo federal, e não o PCC, o responsável pelos ataques à cidade de São Paulo).
“Ou ele desapeia do cavalo, ou monta direito, porque senão vamos tirá-lo de lá. Ou sai pelo voto, ou sai porque nós vamos para a praça pública, em frente ao Palácio do Planalto, fazer comício lá também, não é só sem-terra não. Vou levar o Rotary (Club), vou levar a maçonaria e gritar ‘fora com os golpistas, fora com os golpistas!’”. (Waldemar Zveiter, ex-ministro do STJ, sobre como pretende convencer o ministro da Justiça, Tarso Genro, a não mexer na Lei da Anistia).
“Na Polônia, elegeram um metalúrgico, fez (sic) a experiência. Mas os poloneses tiveram inteligência suficiente de elegê-lo uma única vez e nunca mais! Aqui, demos um exemplo magnífico para a história dos povos e elegemos um metalúrgico, inclusive com o charme de falar (sic) com quatro dedos. Não tivemos a sabedoria dos poloneses e o reelegemos. A culpa é nossa, temos que aturar. Mas o mandato é certo, no final, vão sair. O presidente, o ministério e toda a turma que subiu com ele vai ficar (sic) nos seus devidos lugares. Ele será, sem dúvida nenhuma, um excelente presidente de sindicato, isso, provavelmente, dos metalúrgicos. Se for dos professores, vai meter os pés pelas mãos, como está metendo no governo”. (Zveiter, tropeçando no português, zombando da deficiência física do presidente Lula e insuflando o preconceito de classe, sob aplausos e gargalhadas, no Clube Militar)
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