Se fosse para escolher a frase da semana, não teria dúvida em apontar a do ministro Gilmar Mendes: “A capacidade de perpetrar abusos é hoje tão grande que é preciso que se engendrem novos modelos institucionais de defesa da cidadania”.
Efetivamente, vivemos no país dos abusos e das contradições, a começar pelos perpetrados por aqueles, como o ministro Gilmar Mendes, que não olham o próprio rabo, como se diz popularmente. Ou, mais adequadamente, só enxergam a trava no olho alheio.
Com efeito, existem dois presos preventivos acusados, na condição de mandatários (executores), de uma tentativa de crime de corrupção ativa. Consoante denúncia já transformada em processo criminal, o valor da oferta ao delegado a ser subornado seria de 1 milhão de dólares.
Nenhum dos dois mandatários, Humberto Braz e Hugo Chicaroni, possuía, pelo que se sabe, tal disponibilidade financeira. O mandante e beneficiário, Daniel Dantas, encontra-se solto, embora processual e socialmente mais perigoso e pernicioso que os seus paus-mandados, Braz e Chicaroni.
A propósito, Dantas, preso preventivamente, foi solto por abusiva liminar do ministro Gilmar Mendes, com flagrante violação ao princípio do juiz natural. Essa liminar foi concedida, também, com desprezo à jurisprudência do STF e ele fez tábula rasa aos manuais sobre primeiras linhas do direito processual penal, que não preconizam, em órgãos colegiados e em casos de habeas corpus liberatório, liminar de soltura, salvo casos de flagrante ilegalidade ou de abuso de autoridade.
Na sua história pós-Constituição de 1988, em sede de pedido de habeas corpus liberatório, o STF só apreciou o mérito de casos em que o coator era o Superior Tribunal de Justiça (STJ) ou nos de autoridades sujeitas à sua jurisdição (foro privilegiado). Em outras palavras, o STF não conhece de pedidos quando o coator é juiz de primeiro grau e Dantas não gozava de foro privilegiado, até a liminar do ministro Gilmar.
Sobre outros abusos e disparates do ministro Gilmar, convém lembrar o destacado pelo professor Dalmo Dallari, quando da indicação de Gilmar Mendes, então advogado-geral da União, para o STF: “Mais recentemente, o advogado-geral da União, derrotado no Judiciário em outro caso, recomendou aos órgãos da administração que não cumprissem decisões judiciais... Indignado com essas derrotas judiciais, o dr. Gilmar Mendes fez inúmeros pronunciamentos pela imprensa, agredindo grosseiramente juízes e tribunais, o que culminou com sua afirmação textual de que o sistema judiciário brasileiro é um ‘manicômio judiciário’. E não faltaram injúrias aos advogados, pois, na opinião do dr. Gilmar Mendes, toda liminar concedida contra ato do governo federal é produto de conluio corrupto entre advogados e juízes, sócios na ‘indústria de liminares’”.
Por outro lado e objetivamente, o “sentimento de medo” na sociedade e o “Estado policial” que afirma o ministro Mendes não se refletem nas pesquisas de opinião. Numa correta chave de leitura, a sociedade teme mesmo é o ministro Gilmar, que solta, sem ser competente, potentíssimo banqueiro de colarinho-branco. É bom que se reconheça que abusos e erros estão a ocorrer, mas ganharam surpreendente dimensão com a prisão de Dantas. Por evidente, para agentes da Polícia Federal não se poderia conceder um “bill” para bisbilhotagens. Ou melhor, não caberia autorização judicial para acesso ilimitado a todos os cadastros e históricos de ligações telefônicas.
Mais ainda, escritórios de advogados, que não são partícipes ou co-autores de crimes, não podem ser violados para busca aleatória de eventuais documentos, a comprometer investigados.
Infelizmente, tal procedimento ilegal ganhou impulso, na Polícia Federal, ao tempo do então ministro Márcio Thomaz Bastos. Ele fechou os olhos para os abusos policiais e considerou tudo isso como reação à nova polícia que cunhara, no modelo do FBI. Um FBI que emprega desnecessariamente algemas, como a polícia brasileira.
Só esqueceu o então ministro Bastos que o FBI caiu em descrédito desde o fiasco na prevenção e nas apurações sobre a explosão do Boeing da TWA que comprometeu os Jogos Olímpicos de Atlanta (1996). E o descrédito aumentou depois de 11 de setembro de 2001.
Por evidente, mudanças para aperfeiçoamentos são necessárias. Só que entre elas não se fala nunca na forma de escolha de ministros do STF, na fixação de prazo para os seus mandatos, com possibilidade de recall (cartão vermelho) pelos cidadãos.
Dentre as medidas propostas, tem até a infeliz e autoritária idéia do ministro Gilmar, que, em vez de soluções para acabar com a morosidade do Judiciário, propõe a criação de varas especializadas em crimes de abuso de poder. Só faltou o ministro Mendes completar o pensamento, ou seja, varas especializadas a seguir futuras súmulas vinculantes do STF.
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