Várias iniciativas anticorrupção foram deflagradas no Distrito Federal para enfrentar os males saídos de uma "caixa de Pandora" descoberta pela Polícia Federal. Essa caixa foi aberta por um colaborador de Justiça em busca de premiação legal e que, em troca dela, oferta provas de tentacular esquema de corrupção sob o comando do governador José Roberto Arruda. A propósito, o direito premial foi intuído em 1877 pelo jusfilósofo alemão Rudolfvon Jhering, que o considerou de emprego indispensável nos séculos vindouros em face do fortalecimento e da ousadia do poder criminal. Não se sabe ter a intuição de Jhering surgido ao comprar um panetone.
Passos largos já foram dados. Por exemplo, o aforamento, pela Procuradoria-Geral da República, de pedido de intervenção federal nos enlameados poderes Executivo e Legislativo do DF. Por seu lado, o Ministério Público distrital ajuizou ação para anulação do plano diretor, com convicção de canalização de obras públicas para as empresas do autodefenestrado vice-governador Paulo Octávio. Além disso, e como medida de segurança social necessária, a cúpula do Superior Tribunal de Justiça, por expressiva maioria, decretou a prisão preventiva do governador Arruda por tentar impedir a busca da verdade pela Justiça. Antes de rumar para a cadeia, Arruda licenciou-se do governo e trilha a mesma estratégia de resistência empregada por Renan Calheiros e José Sarney, bem típica de uma tropical república bananeira.
A decisão sobre a prisão cautelar não foi derrubada liminarmente em habeas corpus liberatório que tramita no STF e cujo exame de mérito ocorrerá em breve. No julgamento, haverá um embate jurídico entre o relator, o ministro Marco Aurélio, e o presidente do Tribunal, Gilmar Mendes, pró-soltura e que já deixou vazar pela imprensa algumas dúvidas sobre a participação de Arruda em tentativa de desvirtuar a apuração.
Revelou-se, porém, que Arruda, por informantes, teve conhecimento antecipado da operação policial e se mexeu. Assim, visitou o ministro responsável pelo inquérito (o mesmo que votou pela sua prisão cautelar), conseguiu peças sigilosas dos autos e colocou o chefe de gabinete do governador Aécio Neves para fazer lobby no gabinete do ministro relator. Será que Arruda seria capaz de corromper testemunhas ou só painéis eletrônicos do Senado?
O STF sinalizou pela inconstitucionalidade do dispositivo da Lei Orgânica do Distrito Federal (Constituição Distrital), que estabelece, como condição para persecuções criminais, a licença do Legislativo. Igualmente inconstitucional é o dispositivo que permite ao atual presidente da Câmara, no caso de vacância por renúncia ou impeachment do governador e do vice, a sua manutenção no cargo até o prazo final do mandato. Pela nossa Lei Maior, aquele que assume o cargo vago tem de marcar eleições dentro de 90 dias. E a escolha cabe aos deputados, na condição de representantes dos cidadãos. Nessa escolha indireta, a Câmara do DF poderá eleger o interino Wilson Lima, ligado a Arruda e a Paulo Octávio. Em síntese e consoante o consagrado escritor Tomasi di Lampedusa, mudar tudo para permanecer tudo como está.
Caso acolhida, a intervenção restabelecerá o equilíbrio necessário à manutenção da forma republicana e do regime democrático. No fundo, resta saber se o STF dará pelo prevalecimento da Constituição ou se preservará um sistema federativo capenga, minado por deslavada corrupção.
Em curso na Câmara e paridos depois de três meses de manobras, os processos de impeachments têm sido usados apenas como fachada de normalidade, na tentativa de afastar a intervenção federal e salvar alguns anéis, ou melhor, evitar um interventor a legislar por decreto, temporariamente. A manter em funcionamento uma casa legislativa com a maioria dos deputados acostumada a trocas, barganhas e vantagens, pode-se esperar qualquer coisa, menos compromisso com o Estado Democrático de Direito e a representação popular.
Não há dúvida de a intervenção significar o oposto da autonomia federativa consagrada na nossa Constituição. Só que ela é instrumento fundamental num sistema democrático de freios e contrapesos. Representa medida excepcional, de segurança do Estado e do equilíbrio federativo. E atende ao interesse imediato do cidadão, que, por evidente, não elegeu representantes para conspurcar ou emporcalhar o Estado Democrático. Nem conferiu mandato para se fraudar o sistema republicano. Isto, pelo controle de territórios e de fontes capazes de levar à obtenção de indevidas vantagens financeiras e políticas.
Pano rápido. Como ensinou um filósofo europeu contemporâneo, "a corrupção é ilícito gravíssimo porque priva de legitimação as instituições democrático-republicanas". Os ministros do STF deveriam pensar nisso.
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