O ocaso político de Serra institui uma boa questão: qual o rumo da grande imprensa partidária no governo Dilma? A realocação para Aécio Neves será automática? Depende. A única certeza é que grande imprensa (liderada por Globo, Abril e Folha) continuará sendo anti-petista. Isso não vai mudar.
Não porque o governo petista apresenta-se como de esquerda. Lula nem fez um governo ao estilo esquerda tradicional: foi liberal na economia; multiplicou o mercado consumidor e permitiu que os grandes conglomerados empresariais lucrassem mais do que nunca; além disso, não interferiu nas relações trabalhistas.
A imprensa não torceu contra a inclusão massiva de trabalhadores, nem contra o aumento de consumo (o que indiretamente favorece sua própria receita publicitária), nem foi contrária aos programas sociais por uma maldade conservadora. O Bolsa Família, como todas as ações do governo Lula, só foi combatido pelos aquários (os staffs da imprensa), porque de alguma forma davam mais poder político a Lula.
A antipatia contra o PT tem a ver exatamente com a opção trabalhista do partido. A grande imprensa brasileira é um cartel empresarial que odeia movimentos sociais e sindicais, organização trabalhadora e, principalmente, mudança das relações de poder no Estado.
Há outro aspecto que hoje acirra os ânimos da grande imprensa em relação ao governo Lula e que se manterá no governo Dilma: a opção por pulverizar parte dos anúncios, e mais recentemente o início ainda que tímido do apoio efetivo à grande rede, único sistema de comunicação capaz de ofertar contraditório nacional em relação à própria grande imprensa.
Proximidade com movimentos trabalhistas e sociais e uma atenção maior à rede manterão o "ódio funcional" ao governo petista. Mas para que lado vai a mídia tucana?
Aposta em crises políticas
A resposta mais imediata é que ela cairá imediatamente no colo de Aécio Neves, o futuro líder da oposição. Mas isso se o desmame de Serra for pacífico. Aí é que entra o problema: a imprensa tem certeza de que Dilma, sem o carisma de Lula, não conseguirá manter os "anticorpos" necessários para deter campanhas massivas de escandalização.
Além disso, aposta também que Dilma será refém do jogo político, principalmente, das "divergências" entre PT e PMDB, e o que isso poderia acarretar de conturbação na base aliada.
É evidente que o objetivo primeiro da mídia será a perturbação da ordem desta base, com contrafactuais referentes a guerras entre partidos de apoio a Dilma e a aposta num clima de permanente crise política.
Dissolver a unidade da base para esta imprensa, mesmo que às custas da governabilidade e da paz política no país, é fundamental para seus propósitos de chegar ao governo com a oposição.
Como a economia mantém boas previsões para os próximos anos, a guerra da mídia contra Dilma se dará no campo político, talvez com as mesmas estratégias de escandalização e futricas de Congresso.
Mas para quem trabalhará a imprensa tucana se não se sabe o que os tucanos vão fazer da vida? A mesma impressão de "fragilidade política e eleitoral" de Dilma alimentará ilusões hoje dadas como perdidas.
Serra pode estar certo de que sua última chance foi 2010. Mas, obcecado que é pelo poder, ficar sem mandato, sem lugar político, não é bem o que se espera do atual candidato tucano.
Daqui a dois anos, tem eleição para prefeito, mas Serra se sentiria humilhado em ter que disputar um pleito municipal. Nem que fosse para terminar o que nunca conseguiu: um mandato executivo.
Embora abalado com a derrota nas eleições de 2010, em poucos meses Serra estará fazendo planos para 2014. O Senado talvez seja o seu fim político. Ou quem sabe o sonho de voltar ao governo do Estado, o que se tornará impossível se Alckimin vencer as eleições e chegar bem avaliado ao final do mandato - até porque, se não chegar bem, o PSDB se despede do poder.
Não se surpreendam se Serra vier a interpretar os fatos de 2010 como apenas adiamento de um sonho, o que o colocará em rota grave de colisão em relação a Aécio Neves. O ex-governador mineiro contou com uma certeza: só cedeu 2010 a Serra porque sabia que o paulista não tinha qualquer chance.
Aderir a um mineiro?
Aécio não aceitaria adiar por quatro ou oito anos sua ambição presidencial, sob o risco de chegar a 2018 na garupa de um partido desgastado de poder. Melhor que Dilma vencesse, para que ele colhesse os frutos da tal fragilidade atribuída pela imprensa.
Esse é o principal complicador do futuro da imprensa tucana: apoiar Serra numa aventura pós-Dilma, ou simplesmente aderir imediatamente a Aécio? Ou quem sabe apostar num Alckmin revigorado?
Não tenhamos dúvida que os jornais mineiros já estão com Aécio. E daqui do Rio de Janeiro, podemos dizer: as relações com as Organizações Globo são muito boas. A incógnita são os veículos de São Paulo. Mais "nacional" do que Serra, Aécio pode ainda capitalizar seu patrimônio midiático junto aos outros estados, principalmente porque é certo que há uma demanda pelo descentramento do poder midiático.
Em 16 anos de governo paulista, instalou-se em São Paulo algo como uma República da Mídia: há negócios muito interessantes do ponto de vista financeiro entre Governo de Estado e grupos de imprensa em SP.
Os ganhos vão se manter: de grandes anúncios a serviços de material didático, passando por distribuição massiva de jornais e revistas em escolas, e intermediação com as teles, o PSDB soube transformar a imprensa paulista em sócia do poder.
Por isso o livre trânsito nos corredores do Palácio Bandeirantes. O sonho de Frias, Mesquistas e Civitas de chegar a Brasília via Tucanato S.A é fruto de corretagem paulista. Mas Aécio tem outras debêntures a pagar.
Além disso é evidente que o fim do paulicentrismo na política federal implica em reconfiguração de relações de poder midiático, ainda mais em tempos de crescimento da rede.
Ora. Aécio, pelas mãos de Andrea Neves, é hábil negociador de imprensa. Que ele vai levar todas as fichas não tenha dúvida. Mas a imprensa paulista será o último bastião do sonho tardio de Serra e ela só franqueará seu apoio a Aécio se Serra recobrar a consciência.
Ainda que venha a aderir a Aécio, a imprensa paulista não se sentirá tão feliz ao lado do ex-governador mineiro, que precisará lidar muito bem com o sentimento de província de veículos habituados a estar dentro de palácios de governo desde 1995: este é o marco inicial da perda de posicionamento moderado da grande imprensa.
A turma do Serra
A título de curiosidade, podemos também especular sobre o futuro dos colunistas, que junto aos editores e apresentadores de telejornal são a linha de frente da "opinião tucana" no país: Ricardo Noblat, Dora Krammer, Miriam Leitão, Ronaldo Sardemberg, Merval Pereira, William Waak, Gilberto Dimenstein, Josias, além de spin doctors e livre-atiradores. Para onde se voltará o coração destes nomes que tão apaixonadamente se alinharam com o tucanato paulista?
Uma possibilidade é a dispersão: alguns serão amantes de primeira hora de Aécio Neves. Outros, no entanto, talvez pratiquem um anti-petismo mais independente. Determinante, no entanto, para saber o futuro deles, é conhecer o que ocorrerá na grande temporada de negociações políticas entre mídia e tucanato. O que determinará até mesmo o estilo da grande imprensa.
Se Serra (ou quem sabe Alckmin) mantiver esperanças, o tom dos ataques, a velocidade dos contra-fatos será idêntica ao que se tem hoje. Justamente porque este é o estilo que Serra herdou de FHC e seu grupo (Álvaro Dias, Arthur Virgílio etc).
Se Aécio assumir a liderança isolada do campo oposicionista a partir de primeiro de janeiro, talvez o tom seja diferente: justamente porque o governador mineiro já percebeu que o radicalismo mais atrapalha do que ajuda.
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