quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

O reacionário está na moda - por Marcelo Semer (Terra Magazine)

     Não foi surpresa que logo após o comentário em que deu status de legítima defesa a justiceiros, a jornalista Rachel Sheherazade tenha tido a oportunidade de escrever artigo no espaço mais nobre de um grande jornal.

     Foi vociferando a altos brados, contra todas as formas de ‘esquerdismo’, sem sutilezas nem decoros, que Reinaldo Azevedo ganhou o status de colunista nesse mesmo diário.

     Lobão foi guindado a uma revista semanal depois que minimizou a tortura dos anos de chumbo, desprezando quem se disse vítima por ter tido “umas unhazinhas arrancadas”.

     Diogo Mainardi pulou da revista para a TV a cabo, apelidando semanalmente o presidente de anta.

     Até humoristas que se orgulham de ser politicamente incorretos, sobretudo com o mais vulnerável, vêm emplacando programas próprios na telinha.

     Se alguém ainda tinha dúvidas, elas estão sendo dissipadas: o reacionário está definitivamente na moda.

     Não há veículo da grande imprensa que não tenha hoje um ou mais comentaristas dispostos a tirar o expectador da ‘zona de conforto’, e destilar o mais profundo catastrofismo, enquanto estimulam a ira e desprezam a dignidade humana em nome de uma hipotética Constituição de um único artigo: a liberdade de expressão absoluta.

     Tamanha reação do conservadorismo extremo, pelos novos ícones da classe média, poderia indicar que, de alguma forma, o país anda no caminho certo.

     Nenhuma redução de desigualdade, seja ela econômica, social, racial, de gênero ou orientação sexual, passa incólume à reação. Tradição e privilégios jamais se rendem sem resistência.

     Mas há dois componentes neste jogo que complicam a equação e nos aproximam da intolerância.

     Primeiro, o fato de que o catastrofismo sem limites, o derrotismo por princípio e o esforço de detonar o Estado de todas as formas e sob todas as forças, produz uma inequívoca sensação de que estamos sempre à beira do abismo. Mesmo quando evoluímos.

     A estabilidade política é desprezada, sufocada pela ideia que resume toda política em corrupção – mas que, inexplicavelmente, considera o corruptor apenas uma vítima do sistema que patrocina.

     Todo mal reside nos políticos, nos partidos, enfim no Estado – nunca no mercado ou nos mercadores.

     A maior autonomia dos órgãos de investigação e a independência dos operadores do direito, somadas ao fim da censura, têm ligação direta com esse mal-estar da liberdade: a democracia não é pior porque produz mais monstros, apenas mais incômoda porque é impossível escondê-los.

     O derrotismo desproporcional, que remete toda e qualquer política à vala comum, acaba por conferir a violência foros de alternativa.

     A criminalização da política é, assim, uma poderosa vitamina da intolerância. E seus responsáveis são justamente aqueles que mais bradam contra a violência que ao mesmo tempo estimulam.

     Mas não é só.

     A política também tem perdido seu prestígio por estar sendo sepultada pelo fator eleitoral.

     O pragmatismo sem freios destroça ideologias, pensamentos e valores e é um consistente obstáculo ao avanço civilizatório. Quando o poder é mais relevante que a política, os fins sempre servem para justificar meios.

     A rendição à pauta religiosa, de governos e oposições, é um sintomático reflexo desse excesso de pragmatismo que comprime o espaço republicano.

     A submissão rala à pauta punitiva, que ameaça inserir o país na lógica de um Estado policial, é outro indício. Como o instrumento penal é sempre seletivo, mais repressão significará mais desigualdade.
Esvaziar a política nunca é uma tarefa prudente, menos ainda quando o canto da sereia do reacionarismo está cada vez mais afinado.

     Há 50 anos, nossa democracia foi estuprada por militares que deram um golpe, civis que o financiaram e reacionários que o justificaram, inclusive e fortemente na imprensa.

     Que a efeméride, ao menos, nos mantenha vigilantes.

Um comentário:

Waldir Moreira Jr disse...

Enquanto vocês defenderem ladrões, assassinos e locupletantes em nome da democracia fica difícil crer em suas palavras e ideologia. Quando vejo um ex torneiro mecânico aposentado duas ou mais vezes, com fortuna amealhada em mais de 2 bilhões, não consigo acreditar em nada de bom, como não creio em quem simpatiza com ditadores como Fidel e Chaves e fala em democracia. Simplesmente, não dá!