A
Organização Europeia para Cooperação e Desenvolvimento é conhecida como o
“Clube dos Ricos”. Na verdade, essa entidade é uma reconfiguração do órgão
gestor do European Recovery Plan, na
prática a “Administração do Plano Marshall”, instalada pelos EUA em Paris em
1948 no Chateau de la Muette, antiga residência das amantes do Rei Luis XV,
Madame de Pompadour e Madame Dubarry. A atual OECD é anterior à própria União
Europeia, que a sobrepõe, deixando a impressão de ser hoje uma burocracia a
procura de razão para existir.
Encerrado o Plano Marshall a
administração desse vasto programa de recuperação da economia europeia virou a
atual OECD, entidade que visa tratar de temas comuns da economia de seus
membros, que hoje são 34, incluindo países não europeus como EUA, Canadá, Austrália,
Nova Zelândia, Japão, Coreia do Sul, Chile, Israel e México.
O Secretário-Geral
desde 2005 é o ex-Ministro da Fazenda do México (1994-1997) do governo Zedillo,
Angel Gurria, um notório e agressivo neoliberal dos anos 90, sendo estranho um
mexicano liderando uma entidade de expressão europeia, mas é explicável porque
o comando político da OECD é dos EUA, seu principal financiador com 80 milhões
de dólares por ano e Gurria é um completo serviçal dos interesses americanos
desde que foi o negociador mexicano do fatídico tratado NAFTA. Esse tratado
hoje é renegado pelo governo Trump, que despreza e espezinha o México como um
mendigo na rua, humilhando esse outrora orgulhoso País com um vexatório muro,
como a separar mestiços criminosos de brancos sadios.
Os neoliberais
mexicanos, de Salinas a Zedillo foram os responsáveis por essa diminuição de
estatura de um País prestigiado por sua política externa independente, que
negou relações com a Espanha franquista até a morte do ditador, foi o primeiro
país do mundo a nacionalizar o petróleo, hospedou Trotsky, que era escorraçado
no mundo inteiro, todo esse imenso legado de um regime altivo de grande País
foi jogado no lixo por figuras subalternas do neoliberalismo como Angel Gurria.
Ele que, no mês passado, veio ao Brasil nos passar lições arrogantes de como o
País deve ser dirigido. Mas ele não veio por conta própria, veio a convite dos
neoliberais brasileiros do mesmo naipe, que se sentiram honrados por receber
seu colega de subserviência ao sistema econômico dos países centrais, papel a
que se presta Gurria.
Angel Gurria foi também
Ministro do Exterior do México (1998-2000) e foi o arquiteto da integração da
economia mexicana na dos EUA. Ele é o criador do NAFTA pelo lado mexicano,
fazendo o México abandonar sua histórica e respeitada política externa
independente ostentada durante a maior parte do Século XX, respeitada em todo o
mundo. Hoje a integração que ele cultuou como grande obra está posta em cheque
por Trump que chama os imigrantes mexicanos de vagabundos, assaltantes e
estupradores, uma diáspora de milhões de trabalhadores valorosos essenciais
para a economia de serviços dos EUA.
Gurria pode se gabar de
ter colocado o México de joelhos e de forma humilhante perante os EUA, como
sócio minoritário do NAFTA, esse mesmo outrora lendário país da primeira
Revolução do Século XX, de Pancho Villa e Emiliano Zapata, que transformaram o
México em líder emblemático da América hispânica, país de sangrenta história e
orgulhosa cultura para se tornar como tributário menor da economia americana,
hoje submetido à humilhação de um “muro da vergonha” para isolar os sujos
mexicanos dos limpos americanos. Essa é a obra de Angel Gurria, líder da OECD
que vem aqui dar pitacos para ver se o Brasil entra na OECD na mesma condição
humilhante do México, aluno das lições neoliberais de segunda mãos que ele já
veio nos dar com a mensagem de “ vocês devem se enquadrar” mais do que o Brasil
já está.
Sua visão para o Brasil
é desse viés, o Brasil como dependente do sistema neoliberal anglo-americano
que hoje enfrenta desafios e contestações por todo lado, da Rússia à China,
especialmente dentro de casa com uma inédita ruptura social da classe média que
levou à eleição de Trump, ele mesmo um contestador da ordem globalista neoliberal,
que ironia.
A presença de Gurria na
Secretaria Geral é o maior indicativo dos caminhos da OECD.
Há por toda Europa
estadistas mais qualificados para um cargo tão sensível do que esse ferrabrás neoliberal
formado em Harvard que jogou fora a história do seu País para torná-lo uma
dependência humilhada e desprezada dos Estados Unidos, modelo que os Meirelles
daqui querem repetir como se fosse coisa boa, um Porto Rico maior.
Na verdade, a OECD é
uma anomalia e nem deveria existir. É uma entidade de “CAUSAS” e não de
Estados, se propõe a liderar causas de todos os tipos por cima e acima dos
Estados nacionais. O que aparecer no mercado de causas mediáticas e
politicamente corretas a OECD abraça e torna sua bandeira, todas essas causas
operam contra os Estados fracos.
Os EUA de hoje não dão
a mínima importância à organização, uma espécie de sub-ONU regional mais focada
em temas econômico-sociais do que em relações internacionais de natureza
estratégica, a OECD prefere questões pacificadas do que áreas de conflito,
abocanhando uma longa série de pequenos pedaços de soberanias em temas
específicos, retirados da zona de decisão de Estados para colocá-los nas mãos
de uma burocracia não-eleita, modelo que também é da União Europeia e que está
causando grandes fissuras.
O Brasil apresentou sua
candidatura em 30 de maio do ano passado sem qualquer discussão no Congresso ou
em lugar algum, nem dentro do Governo e nem com a sociedade, mas tem
aparentemente o veto dos EUA, enquanto a Argentina tem seu ingresso apoiado
pelos EUA.
Pergunta-se, a Comissão
de Relações Exteriores e Defesa da Câmara dos Deputados foi ouvida sobre esse
ingresso na OECD? E a Comissão de Relações Exteriores do Senado?
A adesão do Brasil a
OECD não é coerente com uma estratégia de afirmação como país de liderança
especial entre os grandes emergentes. A OECD persegue uma visão neoliberal
somada a uma filosofia excessivamente focada em multiculturalismos com um viés
iluminista e internacionalista que conflita com Estados com forte projeto
nacional, como deveria ser o Brasil por sua dimensão geopolítica, ecológica, de
recursos naturais e cultura multifacetada.
Há um enorme número de
convenções, convênios, acordos e protocolos sobre múltiplos temas dentro do
guarda chuva da OECD e um país uma vez aceito como membro deve aderir a esse
vasto número de compromissos que significam uma parcial abdicação de soberania
em significativo número de temas – não é, portanto, um clube social recreativo,
há obrigações.
Antes mesmo do País ser
aceito, veio ao Brasil uma delegação da OECD chefiada pelo inefável
Secretário-Geral Angel Gurria, com sua voz rascante e em péssimo portunhol
dando grande número de palpites no orçamento federal, a partir de um completo
desconhecimento da realidade brasileira, mas sempre na linha do ajustismo “a la
grega” tão desmoralizado, palpites que o Brasil não pediu e que aqui dentro a
mídia vira-lata amplifica, espalha e usa como arma contra o Governo. Quem
precisa disso numa crise que já tem nossos ingredientes?
O Brasil entrar na OECD
é ao fim reforçar forças dentro do País que produzem um mecanismo desagregador
do Estado Nacional. Aliás, pelo perfil dos proponentes do ingresso do Brasil na
OECD o que pretendem é comprar mais uma camisa-de-força para amarrar um futuro
governo nacionalista dentro do “esquemão neoliberal globalista” onde os países
são parte de uma engrenagem, o que pode funcionar para países pequenos, mas são
incompatíveis com um País das dimensões geopolíticas de um grande Estado
continental como é o Brasil.
Nos últimos vinte anos
a OECD apontou artilharia pesadíssima contra paraísos fiscais a ponto de
demonizá-los e praticamente liquidar com grande numero deles, algo que em nada
diminuiu o tráfico, o terrorismo e a evasão fiscal, mas dificulta o movimento
de capitais legítimos e a proteção de recursos financeiros de governos,
sujeitando todos ao arresto comandado por Estados fortes, como os EUA fizeram
com o Irã em 1979 e com a Líbia em 2012. É, na essência, a criação de um
sistema de controle financeiro supranacional, visando colocá-lo dentro do
arbítrio de uma vasta burocracia comandada por Washington sob o pretexto
virtuoso de combater a “lavagem de dinheiro”, expressão que serve para
enquadrar qualquer pessoa, empresa ou Estado que o Governo americano queira
atingir.
A regra apresentada
como causa nobre “combater o tráfico, a corrupção e o terrorismo” serve para
desproteger as grandes petroleiras estatais que controlam 91,5% das reservas de
petróleo do planeta tornando suas contas bancárias vulneráveis a arrestos e
bloqueios comandados pelo Departamento de Justiça, sob o disfarce de uma causa
nobre.
O leigo aplaudirá o
desmonte dos paraísos fiscais, maior obra até hoje da OECD, mas sob a capa
moralista está a submissão de todo dinheiro do mundo ao controle do
Departamento do Tesouro dos EUA, através de sua poderosa Divisão Internacional.
No passado quando um País enfrentava dificuldades cambiais e corria o risco de
arresto e bloqueio de reservas depositadas no exterior, transferia a reserva
essencial para importação de comida e matérias primas para a Suíça, para
protegê-la de arrestos. O Brasil fez isso em suas moratórias. Hoje isso se
tornou impossível porque a OECD conseguiu derrubar os paraísos fiscais suíço,
luxemburguês e todos os do Caribe, sempre sob a capa nobre de “combate ao
terrorismo, corrupção e tráfico” junto do que foi a legítima proteção de
reservas internacionais. Os EUA são campeões nesse mecanismo, arrestando em
1979 US$ 109 bilhões das reservas do Irã que estavam depositadas em Londres, ultrapassando
a soberania britânica que covardemente obedeceu às ordens do Departamento do
Tesouro, dinheiro esse devolvido 36 anos depois pelo Governo Obama no âmbito do
acordo com o Irã.
Até hoje os depósitos
do Governo da Líbia na Europa, estimados em US$150 bilhões, estão arrestados,
como também foram as reservas do Iraque de Saddam Hussein. Lembrando que a
Suíça foi o último refúgio de dinheiro de refugiados europeus na Segunda
Guerra, milhares de famílias conseguiram sobreviver e fugir porque conseguiram
a proteção suíça para seus recursos financeiros de sobrevivência.
O pedido de ingresso do
Brasil, protocolado em 30 de maio de 2017, tem ao que tudo indica o dedo do
Ministro da Fazenda Henrique Meirelles, que vê o Brasil como sócio menor e
obediente do clube neoliberal, usando a desbotada desculpa de que aí ficaríamos
melhor na foto sendo membro da OECD, os juros para empréstimos ao Brasil
cairiam. Não há indicação alguma que isso aconteça só porque o Brasil entrou no
clube dos ricos, quer dizer que se o Brasil for bonzinho e simpático vão nos
cobrar menos, é simplesmente ridículo, são bordões que se lançam no ar para
leigos que nada entendem de economia. A Turquia é país fundador da OECD e paga
juros mais altos que o Brasil por razões próprias de sua economia.
Mas o pior que pode
acontecer, e parece que é o que está acontecendo, é o Brasil pedir para entrar
no clube pedante e ser rejeitado, é o apogeu da humilhação ao mesmo tempo que
parece que a Argentina vai ser recebida com tapete vermelho porque sabe se
apresentar melhor, afinal o Presidente Macri tem DNA italiano e parece um
milanês rico, a Argentina é mais europeizada do que o Brasil tropical e os
argentinos sempre se consideraram sub-europeus bem vestidos com aparência de
ingleses que falam espanhol.
Além disso, por razões
de ajuste ou má gestão, o Brasil tem atrasado sistematicamente o pagamento de
seus compromissos com organismos multilaterais, a OECD significa um novo custo
estimado em seis e meio milhões de dólares por ano, vamos atrasar também?
A perda de prestígio
internacional do Brasil pode levar a uma recusa de seu ingresso na OECD, um
vexame diplomático jamais sofrido pelo Brasil e que pode ser colocado na conta
da trágica crise do Estado brasileiro causado pela autoflagelação e negação do
País em nome de causas ao mesmo tempo em que o Estado brasileiro se decompõe no
fracionamento de poderes que leva ao desprestígio diplomático de um dos maiores
países do mundo.
Pedir para entrar no
clube e ser barrado vai custar muito mais caro ao Brasil do que ficar de fora
porque não faz questão de entrar, vale para o Country Club e para a OECD.
A maior prova da
fragmentação de poderes é o pedido de ingresso na OECD ter partido, como todas
as indicações apontam, do núcleo econômico porque acha que com isso o Brasil
pagaria menores taxas de juros, uma fantasia. Quando o tema e todas suas
implicações dizem respeito ao Estado e dentro deste ao Itamaraty, organismo
secular que trata das relações internacionais do País, que não podem estar
subordinadas a caixeiros de bancos, pessoas que não tem a experiência, o
treinamento, a visão estratégica para temas diplomáticos, a entrada na OECD é
um assunto de relações internacionais, não é assunto só de economia.
Lembrando que governos
anteriores, por boas razões, não pediram ingresso na OECD, porque isso
significa o Brasil assumir mais compromissos sem ter ganho algum, mais
obrigações, mais custos, sem que se perceba que beneficio terá com tal
filiação.
O processo do pedido de
ingresso é claro: neoliberais DENTRO do Brasil querem amarar mais o Brasil ao
“clube” neoliberal para dificultar os movimentos de qualquer novo governo
progressista que assuma aqui, da mesma forma que os neoliberais brasileiros
usavam o FMI para lhes dar força no Brasil – os aliados de fora apoiando os
neoliberais de dentro, o velho truque de usar o estrangeiro como escudo para
atingir objetivos anti-nacionais.
Comentário
Bom artigo, só faço a ressalva sobre os paraísos fiscais,
que devem sim ser eliminados.
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