quinta-feira, 16 de setembro de 2010

A infinita hipocrisia do Ocidente - por Fidel Castro (Granma)

EMBORA houvesse artigos sobre o tema antes e depois de 1º de setembro de 2010, nesse dia, o jornal La Jornada, do México, publicou um de grande impacto intitulado "O holocausto cigano: ontem e hoje", que lembra uma história verdadeiramente dramática. Sem acrescentar nem tirar uma só palavra da informação que oferece, selecionei algumas linhas textuais de seu conteúdo que refletem fatos realmente comoventes, dos quais, o Ocidente e, sobretudo, o seu colossal aparelho midiático, não diz nada.

"Em 1496: auge do pensamento humanista. Os povos rom (ciganos) da Alemanha são declarados traidores dos países cristãos, espiões a soldo dos turcos, portadores da peste, bruxos, bandidos e sequestradores de crianças."

"1710: o século das luzes e da razão. Um edital ordena que os ciganos adultos de Praga sejam enforcados sem julgamento. Os jovens e as mulheres são mutilados. Na Boêmia, cortam-lhes a orelha esquerda. Na Morávia, a orelha direita.

"1899: o apogeu da modernidade e do progresso. A polícia de Baviera cria a Seção Especial de Assuntos Ciganos. No ano 1929, a seção foi elevada à categoria de Central Nacional e transferida para Munique. Em 1937, foi instalada em Berlim. Quatro anos mais tarde, meio milhão de ciganos morreu nos campos de concentração da Europa central e oriental."

Na sua tese de doutoramento, Eva Justin (assistente do doutor Robert Ritter, da seção de pesquisas raciais do Ministério da Saúde alemão), afirmava que o sangue cigano era extremamente perigoso para a pureza da raça alemã. E certo doutor Portschy encaminhou um memorando a Hitler sugerindo-lhe que os submetesse a trabalhos forçados e à esterilização em massa, porque punham em perigo o sangue puro dos camponeses alemães.

"Qualificados de criminosos inveterados, os ciganos começaram a ser presos em massa e, a partir de 1938, foram internados em blocos especiais nos campos de Buchenwald, Mauthausen, Gusen, Dautmergen, Natzweiler e Flossenburg."

"Num campo de sua propriedade de Ravensbruck, Heinrich Himmler, chefe da Gestapo (SS), criou um espaço para sacrificar as mulheres ciganas que eram submetidas a testes médicos. Foram esterilizadas 120 meninas ciganas. No hospital de Dusseldorf-Lierenfeld foram esterilizadas ciganas casadas com não ciganos."

"Milhares de outros ciganos foram deportados da Bélgica, da Holanda e da França para o campo polonês de Auschwitz. Em suas Memórias, Rudolf Hoess (comandante de Auschwitz) relata que entre os deportados ciganos havia idosos quase centenários, mulheres grávidas e grande número de crianças."

"No gueto de Lodz (Polônia) [...] nenhum dos 5 mil ciganos sobreviveu."

"Na Iugoslávia, eram executados por igual os ciganos e os judeus na floresta de Jajnice. Os camponeses ainda lembram os gritos das crianças ciganas levadas para os locais de execução."

"Nos campos de extermínio, apenas a paixão dos ciganos pela música foi às vezes o desafogo deles. Em Auschwitz, eles, famintos e cheios de piolhos, juntavam-se para tocar e animavam as crianças a dançar. Mas também era lendária a coragem dos guerrilheiros ciganos que militavam na resistência polonesa, na região de Nieswiez."

A música foi o fator que manteve neles a unidade que os ajudou a sobreviver, como o foi a religião para os cristãos, os judeus e os muçulmanos.

La Jornada, em sucessivos artigos desde o final de agosto, refrescou os acontecimentos quase esquecidos sobre o que aconteceu com os ciganos na Europa, que vítimas do nazismo, foram esquecidos depois do julgamento de Nurenberg, em 1945-1946.

O governo alemão de Konrad Adenauer declarou que o extermínio dos ciganos antes de 1943, respondia a políticas legais de Estado; as vítimas nesse ano não receberam nenhuma indenização. Robert Ritter, perito nazista no extermínio dos ciganos, foi libertado; 39 anos mais tarde, em 1982, quando a maioria das vítimas tinha morrido, foi que se reconheceu o seu direito à indenização.

Mais de 75% dos ciganos, calculados entre 12 e 14 milhões, moram na Europa central e oriental. Somente na Iugoslávia socialista de Tito os ciganos foram reconhecidos com os mesmos direitos que as minorias croatas, albanesas e macedônias.

O órgão de imprensa mexicano qualifica de "particularmente perversa" a deportação em massa de ciganos para a Romênia e a Bulgária, ordenada pelo governo de Sarkozy — judeu de origem húngara —; são as palavras textuais com que a qualifica. Não tomem isto como uma irreverência da minha parte.

Na Romênia, o número de ciganos calcula-se em 2 milhões de pessoas.

O presidente desse país, Traian Basescu, aliado dos Estados Unidos e membro ilustre da OTAN, chamou uma jornalista de "cigana nojenta". Como se pode observar, uma pessoa extremamente delicada e de linguagem cortês.

O site Univision.com comentou as manifestações contra a expulsão de ciganos e a "xenofobia" na França. Aproximadamente "130 manifestações seriam realizadas na França e em frente das embaixadas francesas de vários países da União Europeia com o apoio de dezenas de organizações de direitos humanos, sindicatos e partidos de esquerda e ecologistas", informou a agência de notícias AFP. A extensa notícia fala da participação de conhecidas personalidades do mundo da cultura, como Jane Birkin e a cineasta Agnes Jaoui, lembrando que a primeira "fez parte, junto com o ex-lutador contra a ocupação nazista da França (1940-1944) Stephane Hessel, do grupo que se entrevistou posteriormente com os assessores do ministro de Imigração Eric Besson."

"'Foi um diálogo de surdos, mas é bom que tenha acontecido para lhes mostrar que a maioria da população se encoleriza diante desta política nojenta’, indicou o porta-voz da Rede de Educação sem Fronteiras...".

Outras notícias sobre o espinhoso tema chegam da Europa: "O Parlamento Europeu colocou na guilhotina [pública] a França e Nicolas Sarkozy pela repatriação de milhares de ciganos romenos e búlgaros num tenso debate em que foi qualificada como escandalosa e ridícula a atitude de José Manuel Durão Barroso e da Comissão pela sua aparente pusilanimidade e por não condenarem, por ilegais e contrárias ao direito comunitário, as decisões de Paris", informou El País.com num artigo de Ricardo Martínez de Rituerto.

O jornal La Jornada publicou em outro de seus artigos, o impressionante dado social de que a mortalidade neonatal da população cigana é nove vezes maior do que a média europeia e a esperança de vida apenas ultrapassa os 50 anos.

Com antecedência, no dia 29 de agosto, tinha informado que "embora as críticas não tenham faltado — tanto por parte das instituições da União Europeia (UE) quanto por parte da igreja católica, a ONU e o amplo leque de organizações a favor da migração — Sarkozy insiste em expulsar e deportar centenas de cidadãos da Bulgária e da Romênia — e, portanto, de cidadãos europeus – sob o pretexto do suposto caráter 'criminoso' desses cidadãos".

"É difícil acreditar que, no ano 2010, — conclui La Jornada — após o terrível passado da Europa no que se refere ao racismo e à intolerância, seja ainda possível criminalizar toda uma etnia por ser considerada um problema social."

"A indiferença ou, inclusive, o beneplácito face às ações da polícia francesa hoje, italiana ontem, mas, europeia em geral, deixa sem palavras o mais otimista dos analistas."

De repente, enquanto escrevia esta Reflexão, lembrei que a França é a terceira potência nuclear do planeta e que Sarkozy tinha também uma pasta com os códigos para lançar uma das mais de 300 bombas que tem. Por acaso tem algum senso moral e ético lançar um ataque contra o Irão, que é condenado pela suposta pretensão de fabricar uma arma deste tipo? Onde está o bom senso e a lógica dessa política?

Suponhamos que, de repente, Sarkozy fica louco como parece que está acontecendo. O que vai fazer nesse caso o Conselho de Segurança das Nações Unidas com Sarkozy e sua pasta?

O que acontecerá se a extrema direita francesa decidisse obrigar Sarkozy a manter uma política racista em contradição com as normas da Comunidade Europeia?

Poderia o Conselho de Segurança responder a estas duas perguntas?

A ausência da verdade e a prevalência da mentira é a maior tragédia em nossa perigosa era nuclear.

2 comentários:

Anônimo disse...

Obrigado, bom trabalho! Este foi o material que eu tinha que ter.

Anônimo disse...

post impresionante. Realmente disfruté la lectura de su blog.