A professora de Filosofia, Marilena Chauí, 69 anos, foi uma das intelectuais mais entusiasmadas no ato de apoio à candidatura de Dilma Rousseff (PT), no Teatro Oi Casa Grande, no Rio de Janeiro, segunda-feira à noite (18). No púlpito, puxou um santinho do adversário José Serra (PSDB) e criticou o uso de uma mensagem religiosa ("Jesus é a verdade e a justiça") na propaganda política. "É religiosamente obscena", atacou.
Militante histórica do PT, Marilena retornou aos verbos de campanha depois que a sua candidata passou a rebater ataques morais e religiosos. Nesta entrevista a Terra Magazine, após a manifestação de artistas e de intelectuais, ela afirma que Serra é uma "versão empobrecida" do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.
- Esse discurso religioso foi uma maneira de desconversar. Ele não tem um projeto para o Brasil. Ele é a versão empobrecida do horror que foi Fernando Henrique Cardoso e, por falta de um projeto real para o Brasil, eles encontraram uma maneira de desconversar.
Para Marilena Chauí, o governo Lula não se distanciou dos intelectuais petistas. O manifesto pró-Dilma, sustenta a professora da USP, "é a retomada do vigor da esquerda". Só não se reuniram antes porque "não tinham que gritar contra nada".
- A nossa presença foi difusa no interior nas várias áreas institucionais do governo. O que eu diria, é: o que nós tivemos hoje foi uma coisa que fazia tempo que a gente não fazia. Mas é porque fazia tempo que não tinha que gritar contra nada, reunir toda essa lindíssima história brasileira.
Confira a entrevista.
Terra Magazine - Ao discursar no ato de artistas e intelectuais que apoiam Dilma, a senhora mostrou e criticou um santinho de Serra, com a frase "Jesus é a verdade e a justiça". Como a senhora avalia a entrada de temas religiosos na campanha?
Marilena Chauí - Olha, esse discurso religioso foi uma maneira de desconversar. Ele não tem um projeto para o Brasil. Ele é a versão empobrecida do horror que foi Fernando Henrique Cardoso e, por falta de um projeto real para o Brasil, eles encontraram uma maneira de desconversar. Primeiro, foi "Dilma é guerrilheira". Não deu certo. Depois foi "Dilma e Erenice". Não deu certo. Agora é Dilma e o aborto. E ele, protetor da sociedade brasileira. É um escândalo, um escândalo. Sobretudo, o que eu acho mais grave, ele está fazendo essa operação através da TFP (Tradição, Família e Propriedade) e da Opus Dei. Nós temos uma pessoa que foi de esquerda, trazendo pela porta da frente aqueles que fizeram a ditadura no Brasil. Trazendo os produtores, os autores da ditadura brasileira. Trazendo pela porta da frente essa conversa religiosa. Isso é inadmissível. Isso é um escárnio. É tripudiar as nossas lutas. É tripudiar a memória. É tripudiar os mortos, os desaparecidos, os torturados. Isso é um escárnio, é um deboche!
Mas o PSDB acusa o PT de fazer também terrorismo com o tema das privatizações, já que Dilma afirma que eles querem privatizar o pré-sal. Não ocorre isso?
Ah, não, não, eles não têm um caráter privatista... A política econômica neoliberal, você sabe, não tem nada a ver com privatização... A ideia do Estado mínimo, a ideia do enxugamento, a ideia de que o Estado não tem que se encarregar dos direitos, mas apenas de serviços, e que o Estado não tem nenhuma obrigação de intervir diretamente na economia, não são princípios neoliberais... Não são princípios que foram adotados pelo PSDB... Não são os princípios que regeram a política do FHC e do Serra em São Paulo, no pouquinho que ele ficou na Prefeitura, no pouquinho que ele ficou no governo do Estado! Ele tem essa peculiaridade. Um homem que foi eleito senador e não cumpriu o mandato. Eleito prefeito, não cumpriu o mandato. Eleito governador, não cumpriu o mandato. Ele é o homem dos desmandatos.
O que esse ato de intelectuais e artistas representa para a campanha de Dilma?
Ele é a retomada do vigor da esquerda, do vigor de uma trajetória histórica de lutas pela democracia, de lutas pela vida republicana, de lutas pelos direitos, de lutas pelas igualdades, pela justiça. É o coroamento de um processo de dignidade dos brasileiros.
Pode significar uma retomada da participação dos intelectuais dentro do PT? Há essa sensação de que eles não estiveram tão integrados ao governo de Lula e deveriam estar, pelo que representaram na história do PT.
Não acho que houve distância entre os intelectuais e o governo. É que os intelectuais participaram de setores importantes da participação popular. Nas câmaras de direitos humanos, nas câmaras de economia solidária, nas câmaras de ecologia, no Bolsa Família nem se fala, no Pronaf (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar)... Por exemplo, eu participei do Conselho Nacional de Educação - e, como eu, inúmeros petistas, professores... A nossa presença foi difusa no interior das várias áreas institucionais do governo. O que eu diria, é: o que nós tivemos hoje foi uma coisa que fazia tempo que a gente não fazia. Mas é porque fazia tempo que não tinha que gritar contra nada, reunir toda essa lindíssima história brasileira.
A senhora sempre faz críticas às posições da imprensa. Como ela se comporta no processo eleitoral?
Eu sou crítica da mídia como um todo. Em primeiro lugar, o fato de ela ser um monopólio de quatro famílias e que identifique a liberdade de pensamento e de expressão com os lucros dessas famílias no mercado. É uma destruição da noção de liberdade de pensamento e de expressão. Eu tenho dito que aqueles que defendem, verdadeiramente, a liberdade de pensamento e de expressão têm como obrigação fazer a crítica da mídia e recusar a imposição que a mídia nos faz. E eu acho a coisa mais maravilhosa, mais perfeita, o que aconteceu com a (psicanalista) Maria Rita Kehl. Quer dizer, foi esse jornal, o Estado de S. Paulo, que iniciou a cruzada contra o "partido autoritário, totalitário, que impedia a liberdade de expressão". Ele encabeçou essa campanha. E na hora que Maria Rita Kehl escreve uma opinião que discorda da linha editorial do jornal, eles demitem a Maria Rita! Em nome do quê? Então, é preciso fazer a crítica.
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