Início de festa
Algumas pessoas questionam o início do governo Dilma, seus estranhos posicionamentos, como de ir ao jornal Folha de São Paulo, o mesmo que publicou uma ficha (da ditadura) falsa feita pelo DOPS*, que procurou saber de seu passado guerrilheiro no meio da campanha eleitoral com vistas a prejudicá-la, jornal que a atacou sumariamente, que defendeu seu adversário com unhas e dentes, que fez de tudo para conspurcar a democracia brasileira e eleger o candidato que eles desejavam – e não o povo.
Não só foi ao jornal, frise-se, como de maneira desastrosa, destacou o papel de Otávio Frias, justamente um dos maiores defensores da ditadura militar, que chegou a apoiá-la materialmente na persecução de seus nefastos objetivos. Se a presidente fosse lá única e tão somente defender a liberdade de imprensa, já cometeria por si só um erro estratégico grave, pois estes veículos de comunicação não possuem absolutamente nenhum apego a democracia. Tem sim, apego a continuar a bradar suas pseudo-verdades, independente do regime que aí se apresenta. Se o regime lhes é favorável ideologicamente (e financeiramente, claro), as favas com a liberdade.
O momento em que a Folha e alguns defenderam a redemocratização, foi quando o barco da ditadura já havia afundado – como é consabido, a Globo nem isto fez. Portanto, ao defender simultaneamente a liberdade de imprensa e o papel da Folha de São Paulo nela, a presidente, no mínimo, comete uma antinomia
Mais recentemente, a Folha – juntamente com seus irmãos ideológicos – apoiaram desmedidamente o inescrupuloso José Serra, que fez uma das campanhas mais sórdidas de que se tem notícia no mundo, talvez até mais abjeta que a de Collor. Dilma foi caluniada por todos os lados: era o poste, a assaltante de bancos, a defensora de abortos, a assassina, a ateia (¡que crime!), a lésbica, a terrorista.
Ela é presidente da república, e de fato deve governar para todos. Porém, julgo que o conveniente seria dar uma atenção especial para aqueles pelos quais ela foi eleita: pessoas mais humildes, trabalhadores organizados, movimentos sociais, etc. O que se observa, entretanto, é exatamente o contrário: a presidente, feito um cachorro com o rabo entre as pernas, vai, em direção – tanto física, quanto em atos políticos – atrás daqueles que a trataram a ferro e fogo.
O clima é o de início de festa. Mas toda festa tem um fim.
*: Convenhamos, “ficha falsa” é um pleonasmo: mesmo a ficha original, por ter sido escrita pela ditadura, já seria, por concepção, falsa.
O verdadeiro estelionato eleitoral
Não há compromisso por parte do governo com os movimentos sociais, aceno a sindicatos, mudança na lei dos meios de comunicação, sequer uma menção em acatar a decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos da OEA (Organização dos Estados Americanos) de investigar e punir as graves violações de direitos humanos perpetradas durante a ditadura militar.
Se a presidente, com uma inacreditável generosidade, perdoou as bestas-feras que a seviciaram, deve compreender que muitos outros torturados e seus familiares, bem como a sociedade brasileira – ou ao menos a parte íntegra dela – com toda a razão, não o fez: não querem revanchismo, querem justiça. Tem direito a isto.
Congresso
Ao invés de já começar seu governo tomando uma postura firme em direção a uma reforma política séria – que, pra começar, deve inserir o financiamento público de campanha –, não: o esforço do governo é para a aprovação de um salário mínimo vergonhoso – além do mais se considerando o recente aumento de R$ 16,5 mil para R$ 26,7 mil dos congressistas, e seus deletérios efeitos em cascata, que agregaram cerca de 1,8 bilhões de reais nos custos governamentais ao longo do país, concomitantemente a um discurso fuleiro do “corte de gastos”.
Afora, claro, as muitas mordomias a que os parlamentares têm direito: só trabalham de terça a quinta-feira; possuem uma (extensa) “criadagem” (muito bem paga, por sinal), condução, passagens aéreas, “auxílio-escritório”, “auxílio-transporte”, segurança, cotas gráficas, auxílio-moradia de 3 mil reais, ou, podem ficar com os novos “apartamentos funcionais”, que estão sendo reformados a um preço extremamente oneroso, destinados a criar verdadeiros palácios para os reis nus poderem ficar bem confortáveis. Mas, obviamente, votam favoráveis ao valor miserável de 545 reais por responsabilidade para com o país.
E o PT, o PDT, o PSB, o PC do B, que compõem a pseudo-esquerda brasileira, destaque-se, votaram a favor do aumento brutal de seus salários e irrisório no salário mínimo: no dos outros é refresco.
Ministério
Como já escrevi, observamos a nomeação de uma serie de pessoas altamente vinculadas ao que há de mais reacionário na política nacional (Nelson Jobim, Antonio Palocci, José Eduardo Cardozo, Paulo Bebêrnardo, Garibaldi Alves, Edson Lobão, Moreira Franco, etc) - afora o vice-presidente, claro.
E eu tenho uma tese, que deveria desenvolver em outro momento, mas a apresento resumidamente aqui: onde Antonio Palocci esta, nada pode dar certo. Eu realmente não sei o que este tucano (e põe tucano nisto) faz no PT. Parece-me que ele é uma espécie de Midas ao avesso. Tudo que toca...
Perdidos no espaço
Enquanto isto, o governo fica com seu discurso absolutamente torto: enquanto deseja aumentar as exportações de produtos com alto valor agregado, dependendo menos dos produtos primários, corta 10% dos gastos em educação superior no país.
Chamem todos: Marx, Kant, Hegel, Schopenhauer, Rousseau, Hume, Sartre, Pascal, Locke, Descartes, Leibniz, Platão, Maquiavel, Stuart Mill, Adam Smith, Spinoza, Voltaire, qualquer um deles: nenhum conseguirá entender a lógica disto.
Concessões
Se alguém pensa que esta trégua entre o governo e a velha mídia é inarredável, basta lembrar que o início do governo Lula foi a mesmíssima coisa.
Talvez a mídia não esteja batendo como de sempre, porque o governo Dilma começou bem similar ao que o do Serra seria.
Em uma análise totalmente equivocada, vi um comentarista escrever que a grande imprensa estaria “pedindo água” com este clima mais ameno. Ledo engano. Não há absolutamente nenhuma capitulação da mídia: há do governo Dilma. A velha mídia esta onde sempre esteve.
Se alguém duvida, façamos uma análise: ¿quais foram as ações de maior impacto desde que ela assumiu a presidência? Responde-se com extrema facilidade: corte de gastos, aumento de juros e elevação irrisória do salário mínimo.
Destarte, pode-se fazer uma pergunta deveras interessante: ¿qual a diferença desta plataforma para a do Serra?
Eu não sei se a presidente toma tais atitudes conservadoras (de modo similar ao presidente Lula no início de seu mandato – este começou muito mal) para adquirir confiança, gerar confiança, e conseguir ao longo do tempo, de maneira mais harmônica, impor sua agenda. Se é esta a estratégia, acredito que ela esta fadada ao fracasso. Por mais que faça concessões, ela jamais será aceita pela direita. É como João Goulart (evidentemente, cada um com seu contexto), que cedeu inúmeras e inúmeras vezes. Assim mesmo, foi deposto. Ou, utilizemos um caso mais recente e similar, o do próprio Antonio Palocci. Era o símbolo, o baluarte da direita nativa no governo Lula, o queridinho, a “racionalidade”, o que “ganhou todas”. Quando foi interesse de alguns barões, isto não bastou para impedir que ele fosse bombardeado de todas as formas e caísse (a mídia fez isto porque, acreditando em suas próprias mentiras, julgou que tirando o Palocci arrasar-se-ia o governo Lula de vez, mas sua análise foi extremamente precária: exatamente quando o neoliberal foi tragado pela maré de denúncias e um desenvolvimentista assumiu o ministério da fazenda que o governo Lula embalou e o Brasil passou a crescer de maneira robusta – claro, a velha mídia jamais admitirá que uma política adversa a que defendia gerou o belo crescimento que o Brasil atravessa).
Em outros termos, o governo Dilma faz amplas concessões que são absolutamente inócuas para “selar a paz”. São apenas um armistício temporário, enquanto o inimigo se rearma para atacar mais adiante – e ainda posar de imparcial.
Tempos atrás, Ricardo Kotscho citando o jornalista Frederico Branco, bem destacou como age a direita brasileira: eles não aprendem, não esquecem e não perdoam.
Futuro
Sem bola de cristal, apenas com uma capacidade analítica mínima, podemos prever o futuro político do Brasil: fatalmente, mais adiante ocorrerá um novo “escândalo” no governo. Este escândalo, mesmo que não baseado em fatos, devido ao volume exagerado de notícias, de repercussão, de editoriais raivosos – se é que há alguma notícia que não seja um editorial nos dias de hoje – gerará uma nova “crise”. E, baseado no “escândalo” e na “crise” que a própria mídia gerou, esta mesma partirá com tudo pra cima, tentando derrubar a presidente, como é de sua natureza golpista.
Atores sociais
Neste momento de crise, a presidente Dilma vai recorrer aos babacas de sempre, exatamente para aqueles que agora ela vira as costas: aos sindicatos (especialmente a CUT), aos movimentos sociais, aos estudantes, a parte progressista da internet, etc., para não ser derrubada. Em nada diferente do que ocorreu com o presidente Lula – excetuando a relevância da internet, que na época era menor.
Não devemos nos esquecer que no auge da “crise” do “mensalão”, houve protestos nas ruas favoráveis ao presidente Lula em várias cidades. Isto é muito significativo. Relembro-me de uma entrevista em que Jorge Bornhausen disse explicitamente que a oposição queria o impeachment do presidente, porém, só não ia para as ruas defendê-lo porque não havia apoio político do povo para isto.
¿E não havia por quê? Porque os trabalhadores organizados, os estudantes, os movimentos sociais, aqueles que de fato puxam este tipo de mobilização estavam com o governo.
A tal falácia da estratégia do “deixar sangrar” – que alguns da oposição até hoje cobram seus pares por terem-na adotado – não era uma escolha. Se houvessem tentado derrubar o presidente Lula, teriam, no mínimo, conseguido apenas uma “venezuelização” do Brasil, com extremos se digladiando o tempo todo, e exterminando o “centro” político do país. E no máximo, teriam conseguido gerar um dos mais atrozes eventos da sociedade que é uma guerra civil.
Em outros tempos, os polutos da direita brasileira pagaram pra ver, porque supuseram que, de um jeito ou de outro, sairiam vencedores deste embate – como de fato, saíram. João Goulart preferiu fugir a iniciar uma guerra civil no Brasil, e a direita, sem disparar uma única bala, assumiu o poder.
Já em 2005, a análise não era tão clara, no fim das contas a direita poderia sair perdedora e arrasada: eles preferiram não pagar pra ver, e tentar derrotar o presidente Lula mais adiante, nas urnas. Não foi uma estratégia “deixar sangrar”. Era a única opção viável.
Armistício com quem não negocia
Voltando ao assunto principal, ¿por que a mídia ficaria batendo no governo logo de início, se a presidente esta encampando suas principais bandeiras? Corte de gastos, elevação de juros e precário aumento do salário mínimo, nomeação de diretores “juristas” para o Banco Central, tudo isto temperado com um ministério altamente conservador, acenos e mais acenos de paz, discurso moderado, esquecimento da tortura, da lei dos meios de comunicação, das reformas sociais, da diminuição da carga horária semanal para 40 horas, etc.
¿Bater pra que, se ela esta fazendo tudo que eles querem?
¿E de que adiantarão todas estas concessões do governo? ¿Pensam que assim estarão conquistando a amizade da mídia? Não adiantará nada. Pode-se escrever em pedra. Mais adiante, partirão com tudo pra cima do governo e da presidente – uma questão de classe.
Abandono
Ao invés de se voltar para os seus, a presidente escolhe um caminho diverso, ao invés de fazer um governo de esquerda, ao contrário, opta por cair nos braços da direita e ser mais realista que o rei.
Talvez queira agradar a todos os lados, porém, jamais conseguirá. Os interesses são antagônicos. E, se pensa que fazendo uns agrados a direita ela pode manter o essencial a esquerda, a presidente esta muito enganada. É um fosso sem fundo - por mais que ela ajude os conservadores, eles nunca dar-se-ão por satisfeitos. Por outro lado, se ela tenta agradar a esquerda (se é que tenta fazê-lo com a esquerda, eu mesmo creio que não) e à direita, ela bem me lembra a frase do revolucionário latino-americano Che Guevara, “os meios-termos não podem significar outra coisa senão a ante-sala da traição”. Ou esta com nós ou esta com eles.
Suponho, de maneira lúgubre, que a frase não caiba no contexto em que a insiro, porque não há meio-termo nenhum: com raras exceções, o governo é como um todo, um governo extremamente conservador. Esta com eles, portanto.
Eu não acredito que estou escrevendo isto, mas se for pra governar desta forma, pasmem, talvez a eleição do Serra fosse menos nociva ao país, pois ao menos assim as forças progressistas estariam desde o início armadas contra o conservadorismo. Agora, não: boas pessoas, das origens mais diversas, deixam-se levar, não pelo que veem no governo Dilma, mas pela oposição que fazem a seus inescrupulosos adversários políticos.
A direita esta derrotando o governo Dilma da mesma maneira como a igreja católica derrotou os Vikings: não pela luta (no caso, as urnas), mas por dentro.
A diferença entre o PT no governo (não seus militantes) e o PSDB se esvai – e não é pelo fato, infelizmente, de o PSDB ter passado a ser um partido progressista. A cada dia deste governo, como já escrevi de quando da nomeação ministerial, parece se repetir a última cena de A revolução dos bichos: os porcos se levantam, pois já não há mais diferença entre eles e os homens.
Pedindo baixa
De quando da perspectiva da eleição de José Serra, fiz de tudo o que estava ao meu alcance para impedir sua nefasta eleição: muitos e-mails e postagens em meu blog, conversas com vizinhos, parentes, amigos e colegas de serviço, fui as ruas bandeirar e distribuir panfletos, enfim, fiz o que me cabia, como proletário e como homem.
Porém, quando a próxima crise política vier, quando estes “novos amigos” lhe darem não só as costas, como atacarem este governo e a presidente com tudo que possuem, e aí então o governo e a direção do PT se lembrarem de suas bases, de quem os elegeu, se lembrarem para pedir ajuda, quando a presidente e seu partido necessitarem de apoio nas ruas, tenham certeza de que contarão com um soldado a menos.
Até porque, como já bem disse, sou um operário – e não um palhaço.
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