quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Programa bom e cauteloso – por Antonio Delfim Netto (Valor Econômico)

Sempre foi evidente que boa parte dos analistas financeiros tem uma indisfarçável aversão ao presidente Lula e às políticas do seu governo. Instintivamente, ampliavam os seus equívocos (que existiam) e reduziam os seus méritos (que eram muito maiores). Temos uma nova presidente, Dilma Rousseff, tecnocrata moderna, sofisticada, pragmática e com sensibilidade social, definição que, para alguns fundamentalistas, pode soar como oximoro. Ela tem que lidar: 1) com as naturais dificuldades políticas que existem em todo estado de direito republicano e democrático; e 2) com os condicionantes físicos e humanos, que limitam a continuação de um projeto de longo prazo, que parece muito conveniente para o Brasil.

Desde a Constituição de 1988, quando - gostem ou não alguns fundamentalistas - a sociedade brasileira revelou suas preferências sobre a forma em que desejava organizar-se, o Brasil tem feito imenso progresso civilizatório. Esse não se deve apenas a eventuais virtudes pessoais de seus governantes mas, também e de forma decisiva, ao aperfeiçoamento de nossas instituições. Para avaliar objetivamente a realidade brasileira atual, é preciso aceitar, de uma vez por todas, que Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva já se foram. São apenas parte do passado! Cada um deles procurou cumprir o seu papel da melhor maneira que lhe foi possível, dentro dos limites políticos, físicos e humanos em que operaram.

Um bom começo é aceitar um fato simples. Não importa qual seja nossa orientação ideológica ou nossa pretensão científica sobre a melhor receita para a boa governança econômica, é impossível deixar de reconhecer que quase 90% de aprovação popular (num regime de plena liberdade de expressão, mídia alerta e, felizmente, inquisidora) tem pouca probabilidade de ser um acidente. A verdade é que o Brasil livrou-se rapidamente da crise mundial de 2007/2009 e terminou 2010 em condições econômicas e financeiras razoáveis e progressos sociais visíveis, dentre os quais o "sentimento" de que aumentou a igualdade de oportunidades para todos.

Depois das atrapalhadas financeiras do mundo desenvolvido, é difícil deixar de reconhecer, também, que a despeito de alguns discutíveis pecados veniais, nossa situação fiscal não tem a dramaticidade que querem atribuir-lhe analistas engajados. Temos, sim, graves problemas que precisam ser enfrentados: a desestabilização das expectativas inflacionárias, resultado de pressões internas e das altas dos preços internacionais das commodities; a teratológica taxa de juro real, resultado dos antigos equívocos no financiamento da dívida interna; a supervalorização do real, consequência da própria desvalorização do dólar (que estimula, junto com a baixa dos juros real nos EUA que a sustenta, a especulação nos mercados de commodities) e do imenso diferencial entre a taxa de juro real interna e externa etc.

Isso sem falar no longo prazo (infraestrutura, previdência, gestão, acabar com a "praga" da indexação legal etc). O ponto importante, e para o qual a presidente tem chamado a atenção, é que a melhor contribuição que o governo pode dar para ajudar a resolver essas questões é uma redução imediata das despesas de custeio e melhorar a qualidade da gestão pública. São preliminares para o enfrentamento dos problemas cruciais de longo prazo.

O programa proposto em nome do governo pelos ilustres ministros Guido Mantega e Miriam Belchior procura aquele objetivo. Todos já o conhecem. Trata-se de um bom começo para o ajuste fiscal. A receita foi corrigida adequadamente e compromete-se com um corte de R$ 50 bilhões no irresponsável Orçamento votado no Congresso. Se cumprido, teremos uma redução não desprezível do aumento das despesas primárias com relação ao PIB, o que dará mais apoio à política monetária.

Não se falou, mas a estimativa da receita parece indicar que se espera um aumento da relação receita /PIB como resultado, talvez, de um maior esforço arrecadador combinado com a natural inclusão de setores da economia informal. Vai doer executá-lo, mas ele é necessário e devemos apoiá-lo.

Certamente, vai estabelecer-se uma saudável controvérsia com os "falcões" do sistema financeiro, sobre a sua "credibilidade" e sobre a magnitude de seus efeitos no dimensionamento da taxa de juros Selic, como está acontecendo, aliás, com relação à "potência" das recentes medidas macroprudenciais.

O fato auspicioso é que a qualidade da discussão dá claros sinais de que vai melhorar. Já temos imaginosas tentativas de "medir" os efeitos "substitutivos" à necessidade de manobra da taxa juros.

Não devemos, nos impressionar com cálculos que exigem cortes mais dramáticos ou que negam a existência do "efeito substituição" porque, até agora, as evidências empíricas são de incerteza absoluta. Não podemos, entretanto, ignorar que provavelmente a manobra da taxa de juros tem um efeito mais geral e eficaz sobre a "expectativa" da inflação. É uma questão de aprendizado: o mercado vai reaprender com a sofisticação da nova política monetária do Banco Central.

No final, uma coisa é certa. Na modesta economia política, quando conseguimos determinar, inequivocamente, a direção (apenas o valor do sinal, positivo ou negativo) entre a causa e o seu efeito, já sabemos muito. E não há a menor dúvida que a relação entre um maior esforço fiscal e a possibilidade de uma menor taxa de juros real é claramente positiva!

Comentário

Mas se fossem os tucanos, ah, num momento similar a este, como os petistas os acusariam de serem de direita, neoliberais e que tais, por realizarem este mesmíssimo corte de gastos.

¿No mesmo momento em que cortam os gastos, sobem os juros. Não deveria ser um ou outro?

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