quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

O mito japonês – por Daniel Gros (Project Syndicate - O Estado de São Paulo)

O crescimento do Japão é baixo, mas o avanço do PIB é alcançado mesmo com o envelhecimento da população trabalhadora

A primeira década deste século começou com a chamada bolha das pontocom. Quando ela estourou, os bancos centrais agiram para abrandar a política monetária e impedir um período prolongado de crescimento lento ao estilo japonês. Mas o período prolongado de taxas de juros baixas que se seguiu à recessão de 2001 antes contribuiu para o surgimento de outra bolha, desta vez nos setores imobiliário e de crédito.
Com o colapso da segunda bolha em uma década, os bancos centrais agiram rapidamente, baixando as taxas a zero em quase toda parte. Recentemente, o Federal Reserve (Fed, o banco central americano) esteve envolvido numa rodada sem precedente de "alívio monetário" na tentativa de acelerar a recuperação.

A formulação de políticas econômicas é dominada por "lições aprendidas" da história econômica. Mas a lição aprendida com o caso do Japão é em grande parte um mito. A base para o conto de terror do Japão é que seu Produto Interno Bruto cresceu na última década numa taxa média anual de apenas 0,6%, ante 1,7% nos Estados Unidos. A diferença é menor do que em geral se supõe, mas à primeira vista uma taxa de crescimento de 0,6% permite qualificar uma década como perdida.

Segundo esse padrão, pode-se argumentar que boa parte da Europa também "perdeu" a última década, pois a Alemanha registrou as mesmas taxas de crescimento que o Japão (0,6%) e a Itália se saiu ainda pior (0,2%); somente a França e Espanha tiveram um desempenho melhor.

Mas esse quadro de estagnação é enganoso porque deixa de fora um fator importante, a demografia.

Como se pode comparar históricos de crescimento num grupo de países desenvolvidos similares? A melhor medida não é o crescimento do PIB total, mas o crescimento da renda por pessoa da população economicamente ativa (não per capita). Esse último elemento é importante porque só a população economicamente ativa (PEA) representa o potencial produtivo de uma economia. Se dois países alcançam o mesmo crescimento da renda média da PEA, deve-se concluir que ambos têm sido igualmente eficientes em usar seu potencial, mesmo que suas taxas de crescimento do PIB sejam diferentes.

Quando se observa PIB/PEA, obtém-se um resultado surpreendente: o Japão na verdade se saiu melhor que os Estados Unidos e a maioria dos países europeus na última década. A razão é simples: as taxas de crescimento geral do Japão foram muito baixas, mas o crescimento foi alcançado apesar do encolhimento da população economicamente ativa.

A diferença entre o Japão e os Estados Unidos é instrutiva aqui: em termos de crescimento do PIB total, ela foi de aproximadamente um ponto porcentual, mas maior em termos de taxas de crescimento anual da PEA - mais de 1,5 ponto porcentual, dado que a PEA americana cresceu 0,8%, enquanto a do Japão encolheu na mesma proporção.

Outra indicação de que o Japão usou seu potencial é que a taxa de desemprego foi constante durante a última década. Por contraste, a taxa de desemprego americana quase dobrou, aproximando-se de 10%. Pode-se concluir, portanto, que os Estados Unidos deveriam tomar o Japão como exemplo de como espremer o máximo de crescimento de um potencial limitado.

As diferenças demográficas são importantes não só para comparar Japão e Estados Unidos, mas também para explicar a maioria das diferenças nas taxas de crescimento de longo prazo em economias desenvolvidas. Uma boa regra prática para as taxas de crescimento médias dos países do G-7 seria atribuir cerca de um ponto porcentual em ganhos de produtividade para a taxa de crescimento da população economicamente ativa. Os EUA se saíram ligeiramente pior que o sugerido por essa medida tosca: o Japão se deu um pouco melhor; e a maioria dos outros países ricos chegou muito perto. Olhando para a próxima década, essa análise sugere que se pode prever a taxas de crescimento relativas dos países ricos com base no padrão de crescimento de suas populações economicamente ativas.

Nessa base, o declínio relativo do Japão como uma grande potência econômica prosseguirá na medida em que sua população economicamente ativa continuará encolhendo em cerca de 1% ao ano. Alemanha e Itália mostram cada vez mais padrões de declínio japoneses em suas populações economicamente ativas, e por isso provavelmente vão crescer muito pouco também.

No caso da Alemanha, observa-se uma anomalia demográfica interessante: de 2005 a 2015, a população economicamente ativa está estabilizada. Mas isso será seguido por um declínio acelerado, pois a PEA declinará mais rápido que no Japão. A força atual da economia alemã se deve parcialmente também a sua temporária estabilidade demográfica. Mas um cenário ao estilo japonês parece inevitável após 2015. Por contraste, Estados Unidos, Grã-Bretanha e França provavelmente crescerão mais rápido pelas simples razão de que suas populações economicamente ativas continuam crescendo.

Duas lições emergem dessa consideração da influência de fatores demográficos no crescimento econômico. Primeiro, a ideia de uma "década perdida" em estilo japonês é enganosa - mesmo quando aplicada ao Japão. O crescimento lento do Japão na última década não se deveu a políticas macroeconômicas insuficientes, mas a uma tendência demográfica desfavorável.

Segundo, uma nova desaceleração das taxas de crescimento de países ricos parece inevitável, dado que mesmo nos países mais dinâmicos as taxas de crescimento da população economicamente ativa estão declinando. Nos menos dinâmicos, como Japão e Alemanha, uma estagnação parece inevitável. 

Tradução de Celso M. Paciornik

Comentário

É importante lembrar que o Japão nunca seguiu o “Consenso de Washington”, se é que – mesmo lá – houve consenso quanto a leviandade então pregada.

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