Após décadas acompanhando a política econômica, reprovei-me. Acredito no potencial do Brasil, tenho certeza de que é possível crescer a taxas maiores que as atuais, creio nas boas intenções do governo em alcançá-las e que há ações positivas nesse sentido. Entretanto, admito que algumas iniciativas me parecem contraproducentes e reduzem o potencial do país. Não entendo sua racionalidade e não consigo explicá-las. Ilustro.
Aprendi que quanto maiores forem os estoques menores serão os preços. Quando há muito tomate na feira, o quilo fica mais barato. Um estoque grande, com custo de armazenamento elevado e sem serventia, deprime o preço. É o caso dos legumes em fim de feira e é o que está acontecendo com as reservas internacionais.
O governo compra cada vez mais dólares, e a cotação está cada vez menor. Meu ponto é que a partir de um determinado valor de reservas, o aumento de seu volume tem um efeito perverso que é de dar mais segurança a investidores, atrair mais deles e baratear ainda mais o dólar. A estratégia de comprar mais para fazer seu preço subir, diminuindo a oferta interna de divisas não vai funcionar.
O efeito no preço causado pelos estoques altos e juros elevados prevalece sobre as tentativas de depreciar o câmbio com impostos e outras iniciativas como as aquisições. Há mais dólares no mundo do que é possível ser comprado pela autoridade monetária brasileira. Além do fato que não é a oferta e demanda que determinam seu preço, mas sim a expectativa de fluxo. Essa política só pode dar errado. Não consigo entender como defendem essa linha de ação, além de ser uma estratégia cara, muito cara.
Faltam recursos para ajudar os desabrigados na região Serrana do Rio e em Santa Catarina, abundam os pedidos de doações, todavia, destinam-se R$ 200 milhões por dia na política de reservas. Equivale a 25 mil casas populares por semana, ou a meio salário mínimo todos os meses para cada um dos 13,5 milhões de brasileiros severamente pobres. Está além da minha compreensão esse desperdício. Há estratégias melhores.
O investimento que interessa ao país é o produtivo que gera empregos, traz novas tecnologias, abre mercados no exterior para as exportações e estabelece bases sólidas aqui. O que não convêm é o especulativo que cobra juros e ao primeiro sinal de perigo sai do país. Entretanto, o investimento produtivo é tributado e as aplicações em renda fixa por estrangeiros estão isentas de imposto de renda. Desconheço uma explicação.
É permitido que um brasileiro tenha conta em divisas no exterior. Há bancos brasileiros em outros países em que correntistas do mundo inteiro têm depósitos em moeda estrangeira. Entretanto, um brasileiro, pessoa ou empresa, não pode ter conta em divisas no Brasil. É uma lógica que não faz sentido.
O governo deve gerar um superávit primário para que sobrem mais recursos para o setor privado e baixe o patamar de juros. Sempre achei que o certo seria cortar gastos, todavia, a solução adotada é mudar sua contabilização. Dessa forma, dispêndios deixam de ser despesas e numa manobra brilhante, consegue-se um superávit maior. Como ninguém pensou nisso antes para acabar com o déficit público no Brasil? Mágica para mim! Assumo que supera a minha capacidade de compreensão.
A valorização do real está tirando a competitividade da indústria brasileira no exterior e no país. As exportações de produtos básicos já superaram as de manufaturados e a cada dia que passa, importa-se mais o que pode ser produzido aqui. Parte da solução seria um conjunto de medidas para aumentar a produtividade das fábricas nacionais, entretanto, nada está sendo feito ou anunciado nessa direção. Não sei o porquê.
As médias e micro empresas empregam proporcionalmente mais pessoas que as maiores por unidade de capital. Quer-se mais empregos. Entretanto, aperta-se o crédito para o pequeno tomador, elevando os compulsórios e oferecem-se mais recursos a taxas subsidiadas e fixas para grandes conglomerados com aportes do Tesouro Nacional ao BNDES. É um paradoxo que não consigo decifrar.
Os congressistas acabaram de se aprovar um salário de R$ 26 mil, podem aposentar-se após dois mandatos apenas e têm assistência médica gratuita, além de outras mordomias. Professores ganham menos do que um décimo desse valor, têm que trabalhar até os sessenta anos ou mais para aposentar-se e acessam a rede pública para assistência médica, não têm nenhuma outra regalia. Sempre achei que a educação é a base do futuro de um país. Engano meu, os méritos dos eleitos em construir o porvir são maiores e merecem ter um padrão de vida melhor que os ex-docentes. Não faz sentido para mim.
Há mais coisas em que não acredito. Uma é a manutenção dos preços das commodities nesse patamar. A história mostra que eles oscilam e quando caem problemas acontecem. A crise da borracha e a do café são exemplos do século passado. Se não fosse a alta recorde de alguns produtos no ano passado, o Brasil já teria tido um déficit na balança comercial. Imagino que a reversão das cotações de nossas exportações vai coincidir com a entrada em produção do Pré Sal. Tomara, não conheço detalhes, mas tenho minhas dúvidas.
O país tem a 5ª legislação mais sofisticada para operações em bolsa e a 139ª em custo de burocracia para empresas e não há anúncios para modernizá-la. Não faz sentido para mim que o país da ginga é o que tem mais travas legais. Como é possível crescer num mundo que está mudando, sem modernizar suas instituições? A realidade está se transformando rapidamente em razão de avanços tecnológicos, globalização, dinâmica de outras economias e abundam reclamações dos empresários denunciando um processo de desindustrialização. Todavia, insiste-se em manter o modelo. Qual é a razão? Será que é para dar emprego a dezenas de milhares de despachantes, contadores, fiscais e advogados? Não tenho respostas.
Enfim, o Brasil tem uma economia pujante com potencial e um governo bem intencionado, mas vejo problemas no horizonte. Estou torcendo para ele estar certo e eu reprovado. Dessa forma, teremos um final feliz.
Roberto Luis Troster.Doutor em economia pela USP, foi economista chefe da Febraban, da ABBC, do Banco Itamarati e professor da USP, PUC-SP e Mackenzie. robertotroster@uol.com.br
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