Nassif,
Gostaria de pensar, a partir do exemplo, coletado na página da Folha On line, os limites éticos do jornalista diante das pressões que sofrem da direção.
Peguemos o caso da jornalista Gabriela Guerreiro, que assinou o texto reproduzido integralmente abaixo do comentário.
Observe que em nenhum momento ela revela o que Lina disse: “não viu na suposta atitude de Dilma interferir no processo beneficiando Fernando Sarney”.
Observe que a jornalista vai contornando esta que foi a “revelação” principal de Lina. Ela vai tergiversando parágrafo a parágrafo.
O contorcionismo guerreiro de Gabriela é tanto que ao final a jornalista dá o entender que Lina disse o contrário do que disse.
Observe
“A ex-secretária não quis fazer ligações entre o pedido de Dilma e as eleições no Legislativo -com a conotação de que o objetivo do governo seria beneficiar Sarney”.
O leitor desavisado e que não acompanhou o depoimento acreditará que Dilma interveio para beneficiar os Sarney.
Nassif vem insistindo que a versão final e distorcida das matérias jornalísticas tendem a ser culpa dos editores.
A regra não se aplica sempre. Dificilmente neste caso, por se tratar de matéria de rede, a jornalista teve o texto reeditado.
Ao evitar sabidamente as palavras de Lina que contradiziam o que publicou a Folha (ou seja, que Dilma teria pedido para não prosseguir com o caso) a repórter agradou a chefia.
O caso de jornalistas que escrevem não o que percebem, o que testemunham, mas simplesmente o que a chefia quer ouvir, faz-nos questionar até onde vai o equilíbrio entre ética e conveniência profissional.
É claro que de alguma maneira a jornalista Gabriela Guerreiro não poderia fazer o que bem entendesse. Longe de nós acreditar que em terra de caciques é fácil ser índio comum.
Mas supomos por exemplo que ela estivesse escrevendo sobre pressão insuportável da direção para não dar tratamento favorável à versão de Lina.
Ainda assim a linguagem é deslizante e rica o suficiente para que uma jornalista possa driblar a vontade da chefia, deixando pelo menos cacos no caminho.
Seria simples para ela dizer que o debate no Senado, por muito tempo, girou em torno da palavra “agilizar” que a oposição teria entendido como “facilitar” e o governo como “dar celeridade” - justamente a expressão que ela usou no depoimento.
E que de alguma maneira, “a oposição não ouviu o que queria”.
Simples. Foi o que Valdo Cruz, com mais liberdade opinativa trouxe. Mas a jornalista ou foi pouco ágil com as palavras, ou deliberadamente não quis desagrar os grandes.
Expondo os dois pontos de vista, a jornalista se preservaria diante da cúpula do jornal e não deixaria o leitor desinformado.
Mas não. Preferiu fazer uma redação torta, desinformativa, incorrendo num grave equívoco ético. É como se o leitor, que por acaso não assistiu ao depoimento, não merecesse consideração.
Quando se considera mais a chefia que o leitor alguma coisa está errada. Geralmente com a chefia. Mas boa parte das vezes com o jornalista. Nunca com o leitor.
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Só quem assistiu ao depoimento pode fazer a comparação.
Mas deixo abaixo o texto de Gabriela Guerreiro. Deveríamos usar este exemplo para nos perguntarmos o que é o jornalismo. E o que é o jornalista hoje nos grandes meios.
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Lina diz que pedido de Dilma foi incabível e que está disposta a fazer acareação
GABRIELA GUERREIROda Folha Online, em Brasília
A ex-secretária da Receita Federal Lina Vieira classificou nesta terça-feira de incabível o pedido da ministra Dilma Rousseff (Casa Civil) para acelerar o andamento de processo contra familiares do presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), no âmbito da instituição.
Em depoimento de cerca de seis horas à CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) do Senado, Lina Vieira confirmou o encontro com Dilma revelado à Folha e disse que está disposta a sentar lado a lado da ministra para apresentar sua versão dos fatos. “Estou disposta a qualquer coisa que possa ajudar a esclarecer [o encontro]“, afirmou.
O senador Pedro Simon (PMDB-RS), que questionou a ex-secretária sobre a acareação, disse não passar pela sua cabeça que Lina Vieira inventou um encontro com Dilma. “Eu tenho o maior respeito pela senhora. Não passa pela minha cabeça que Vossa Excelência iria inventar uma coisa dessas, não ia ganhar coisa nenhuma. Mas não dá para entender porque a ministra não pode dizer”, afirmou.
“Eu não mudo a verdade no grito, nem preciso de agenda para dizer a verdade. A mentira não faz parte da minha biografia”, afirmou.
Lina disse que, depois que Dilma lhe pediu para agilizar as investigações sobre a família Sarney, retornou à Receita Federal para analisar o processo -mas constatou que a Receita já havia acelerado as investigações a pedido do Poder Judiciário.
“Eu pedi ao meu subsecretário que me desse as informações a respeito das fiscalizações que estavam sendo tocadas pela Receita. Eu não disse a ele o assunto, eu não disse a ninguém o assunto. Depois que eu retornei, eu fui apurar. Pedi um relatório geral de fiscalizações, eu não comentei nenhum tipo de assunto”, afirmou.
A ex-secretária disse que dois servidores da Casa Civil, um homem e uma mulher, a viram entrar no gabinete de Dilma no final do ano passado. ‘Eu não sou fantasma, eu tomei café, me serviram café. Certamente há registros de que eu estive lá’, afirmou.
Apesar de Dilma negar o encontro, Lina Vieira apresentou detalhes de sua conversa com a ministra.
“Cheguei no quarto andar do palácio, não tinha ninguém me recebendo. Veio a Erenice Guerra [secretária-executiva da Casa Civil], fui para sala onde estavam duas pessoas e ali fiquei aguardando. Eu não perguntei o nome dessas pessoas. Tomei uma água, um café. Não demorou muito. Dali eu saí e fui para a sala da ministra conduzida pela Erenice. Nós conversamos amenidades. Como foi muito rápido, eu não me lembro dos móveis, ela só me fez esse pedido. Foi simpática”, afirmou.
Prevaricação
O senador Aloizio Mercadante (PT-SP) acusou a ex-secretária de prevaricação uma vez que, na sua opinião, a ex-secretária deveria ter comunicado os seus superiores sobre o pedido da ministra -se o considerou irregular ou com o objetivo de beneficiar Sarney na disputa pela presidência do Senado.PUBLICIDADE
“Aqui [na entrevista de Lina à Folha] está dito que estava no processo de eleição no Senado. Isso a obrigaria a representar contra a ministra Dilma ou comunicar ao seu superior. Ou a senhora prevaricou ou está faltando com a verdade. Vossa Excelência tinha a obrigação de comunicar o seu superior, não o fez”, disse o petista.
Segundo o Código Penal, comete prevaricação o funcionário público que “retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal”.
Lina Vieira afirmou que a Receita Federal já havia agilizado as investigações sobre a família Sarney a pedido do Poder Judiciário. A ex-secretária não quis fazer ligações entre o pedido de Dilma e as eleições no Legislativo -com a conotação de que o objetivo do governo seria beneficiar Sarney.
Comentário meu: como o governo poderia querer beneficiar a eleição de Sarney no legislativo, se ele concorria com Tião Viana, senador do PT?
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