terça-feira, 2 de março de 2010

As eleições e os analistas-postes - por Luis Nassif

Essa história da seleção de fontes pelo critério ideológico produziu uma mixórdia analítica na velha mídia. Foi ampla a falta de critério na seleção de fontes.

Qualquer jornalista político minimamente experiente sabe que ser cientista social ou historiador não é atestado de conhecimento dos rumos eleitorais. O acadêmico com boa formação consegue enxergar os grandes temas da política, as grandes linhas.

Mas o jogo eleitoral exige o conhecimento do dia a dia, presente apenas nos bons repórteres políticos, capazes de se abastecer nas boas fontes. Exige intuição para entender o jogo futuro, o impacto das alianças sobre os candidatos, os efeitos da conjuntura econômica, um mínimo de conhecimento sobre o potencial de cada candidato e, principalmente, sobre a alma do eleitor.

Como a necessidade de analistas engajados mediocrizou o debate, surgiram os comentaristas-poste tendo como único discurso que a eleição estaria ganha por Serra porque, do outro lado, havia uma candidata-poste. Em todo entrevista, lá vinha o gênio da lâmpada com ar professoral sacando da algibeira a menção à “candidata-poste”.

Todos os demais fatores foram ignorados, pela própria incapacidade desse pessoal de processar mais de uma variável. São monofásicos. Saem à rua, se está chovendo, sua previsão é que nos próximos meses choverá; se no dia seguinte faz sol, garantirão que os próximos meses serão de sol.

Ficou-se nesse chavão da candidata-poste e em elogiar todas as iniciativas do candidato Serra. O sujeito travado, sem conseguir avançar uma ideia, uma iniciativa sequer e o analista-poste vendo no travamento sinais de augusta sabedoria.

Dentre todos, não existe ninguém que supere o professor Marco Antonio Villa, o autêntico analista do cenário do dia. É de uma incapacidade total de enxergar um mês à frente. Não se está falando em anos à frente, mas em um mês.

Confira.

Primeiro, propunha que o candidato da oposição encarnasse o anti-Lula:

O candidato da oposição teria que, além de apresentar um novo projeto para o país, desmitificar o presidente Lula. E o tempo para tudo isso está acabando. “A oposição já perdeu muito tempo em 2005, deu um respirador ao governo no momento em que ele estava à beira do nocaute, parou a luta no momento em que poderia levar o presidente a nocaute, ao impeachment, achando que não era hora e que era melhor levar o candidato sangrando ou quase derrotado para vencer em outubro.” A estratégia se mostrou um fracasso, observa. E a oposição vive a dificuldade de construir sua candidatura diante desse novo cenário de recuperação do presidente Lula.

O PSDB terá muitos desafios para imprimir em seu candidato todas as características do anti-Lula. Na opinião de Marco Antônio Villa, o candidato será José Serra, e ele é maior do que o PSDB. “Serra consegue pegar votos de setores da esquerda, por exemplo.” O tucano terá que mostrar que não é, em hipótese alguma, o candidato dos ricos contra o candidato dos pobres, “desmascarando a estratégia de Lula”, observa o professor. “Mostrar que o candidato dos ricos é aquele que dá o maior lucro da história para os banqueiros, ou seja, Lula.” Serra terá ainda que eliminar essa divisão regional que caracteriza o PSDB e que reflete uma disputa do Sul e Sudeste contra o Nordeste. “E mostrar que o presidente, em três anos e pouco de mandato, não construiu uma política para o Nordeste. A região vive momentos de seca e falta de esperança, e Serra tem que ir derrubando essas barreiras.”

Depois, previa que a crise mundial provocaria o desmonte da popularidade de Lula:

Como entender isso diante da enorme popularidade de Lula?

As pesquisas sobre popularidade registram um apoio político maior do que o existente na realidade, porque são feitas sem o contraditório. Não são produto de discussão política, como ocorre no processo eleitoral. Lula achou que, dada sua popularidade, bastaria apoiar um candidato para que fosse sagrado pelas urnas. O pior é que a oposição também acreditou nessa falácia.

É uma lição para 2010?

O PT vai pensar com mais cuidado na escolha de seu candidato para a Presidência. Será mesmo a Dilma Rousseff? Se alguém quiser dar nome a um poste, pode chamá-lo de Dilma. Ela nunca foi eleita para um cargo representativo, não tem experiência eleitoral. Como pretendem jogá-la na eleição de 2010, que se anuncia como a mais disputada da história republicana do Brasil?

Em que medida a crise econômica mundial, que começa a ter efeitos no Brasil, influirá na sucessão?

A crise ainda está no começo. Se atingir o Brasil fortemente, como parece que vai atingir, um dos efeitos será a queda da popularidade do presidente. Quando isso ocorrer, o primeiro partido a sair da base do governo será o PMDB, que é um aliado dos bons momentos: quando vê uma tempestade, ainda ao longe, o PMDB é o primeiro a abandonar o navio. Isso fará com que o partido chegue ainda mais dividido em 2010, mais sujeito às decisões dos caciques regionais. Hoje sabemos que Jarbas Vasconcelos, de Pernambuco, apóia José Serra para a Presidência, enquanto Roberto Requião, do Paraná, apóia quem Lula indicar. Numa situação como essa, com a queda da popularidade e perdas na base de apoio, a possibilidade de vitória de um candidato indicado por Lula diminui ainda mais.

http://portal.pps.org.br/portal/showData/104686

Aqui, a incrível entrevista ao Valor, do dia 27 de janeiro passado, pouco mais de um mês atrás. Não se está falando em enxergar o futuro nebuloso, mas em analisar fatos que ocorriam debaixo do seu nariz. E o que diz o cientista-poste?

A prudência do tucano pode estar certa, a se confirmar análise do historiador Marco Antonio Villa, da Universidade Federal de São Carlos.

Ele prevê “a campanha mais violenta da história”, com troca de acusações e guerra de dossiês, tudo facilitado pelo uso da internet. Por trás, estarão os grupos que sustentam as candidaturas e delas dependem.

Para Villa, apesar da antecipação da campanha da parte de Lula e do PT, a ministra ainda é uma incógnita como candidata. “Dilma terá de começar a caminhar com as próprias pernas”, afirma. Por enquanto, ela não se apresentou. É candidata em formação, tartaruga empurrada pelo presidente e pelo PT. Serra observa. Aliados próximos dizem que, ao contrário da lebre, o tucano não está parado. Corre nos bastidores.

Aí, menos de um mês depois, o Datafolha mostra Dilma empatada com Serra. Todos os prognósticos de Villa estavam furados. Volta-se a entrevistá-lo porque não existe controle de qualidade nos jornais. Pouco importa o analista que sempre erra, desde que diga o que se quer. Ele refaz tudo o que disse até então, diz que a demora de Serra em se decidir ajudou Dilma e insiste que Serra não poderá se apresentar como o anti-Lula.

Para Marco Antônio Villa, professor de história da Universidade Federal de São Carlos, Serra tem que assumir logo a candidatura. Diante de si, terá um desafio: “Precisa ser anti-Dilma sem ser anti-Lula”, diz o professor.

— Serra não pode brigar com os fatos e dizer que o governo Lula é ruim. Ele tem que conseguir que as pessoas vejam as diferenças na trajetória dele e da Dilma e convencer que ele fará o país crescer mais e melhor.

Até hoje só o professor Albert Fishlow conseguiu essa proeza, se traçar um cenário de acordo com a chuva de cada dia. E continuar sendo ouvido por uma imprensa sem o menor cuidado em entregar produtos de qualidade para seus leitores.

Nenhum comentário: