É correta a posição do nosso governo de preparar medidas de retaliação nos negócios da área de patentes, devido à negativa do governo americano em retirar os subsídios aos seus produtores de algodão. Os Estados Unidos simplesmente se recusam a acatar a decisão da Organização Mundial do Comércio (OMC) no julgamento da queixa suscitada pelo Brasil, com a adesão de vários outros países produtores. Eles são submetidos à competição desigual de preços do algodão americano no mercado mundial. Além do prejuízo nas exportações, a indústria têxtil dos países sofre com a concorrência da manufatura subsidiada.
É uma situação de desigualdade que se sustenta há mais de cinco décadas, cuja correção vem sendo reivindicada pelos concorrentes produtores e pelos consumidores desde os tempos do antigo Gatt, o Acordo Geral de Tarifas e Comércio, que antecedeu a atual OMC. Durante esse período, foram poucos os países, como o Brasil, que lograram manter uma produção regular de algodão.
O setor cujos negócios foram selecionados para a retaliação não podia ter sido mais bem escolhido, porque atinge o fígado do establishment americano, particularmente sensível nas questões relacionadas com a reserva de patentes, direitos autorais, com a propriedade intelectual e outros temas correlatos.
Os brasileiros, especialmente os produtores de algodão, têm razão em se indignar com a teimosia americana em descumprir acintosamente os termos do acordo internacional sobre o comércio que eles subscreveram como todos os demais. Trata-se de uma demonstração de prepotência. Para os americanos, a sua lei pretere todas as demais leis do universo. Vencidos no julgamento, terão, porém, de se haver com uma negociação, e o Brasil preparou seus trunfos.
No início desta semana, na conversa que habitualmente mantemos durante o programa matinal das segundas-feiras, no Jornal Gente da Rádio Bandeirantes, o companheiro Salomão Esper levantou essa questão. Ele observou que, afinal, a OMC é o fórum adequado para dirimir as disputas no comércio internacional e corre o risco de ser desprestigiada.
É algo intolerável que, tendo decidido o litígio a nosso favor, um membro da comunidade se recuse a aceitar o resultado. E mais ainda, havendo essas decisões por força de lei no âmbito internacional, por que o Brasil terá de se mobilizar para negociar o cumprimento daquilo que passou a ser um direito adquirido? Os Estados Unidos detêm exclusivamente o privilégio da desobediência, e fica por isso mesmo?
Não foi por prazer nem por bravata que escolhemos comprar briga com os Estados Unidos. O objetivo é levá-los a negociar a retirada dos subsídios, porque eles não podem ser mais utilizados em benefício de seu setor algodoeiro. Os subsídios terão de acabar mesmo.
A retaliação produz estragos em ambos os lados, mas não tínhamos alternativa, depois de vencer a disputa no tribunal da OMC. O que acredito apressará uma solução é o fato de o alvo da retaliação ser realmente sensível, a área de criação, de inovação. Temos condições de ter sucesso, pois não há empresário inovador americano que possa se manter indiferente a esse tipo de ameaça real ao uso de suas patentes. Serão nossos aliados no processo.
O que vai acontecer é que os poderosíssimos lobbies dos setores-alvo da retaliação terão de vencer os lobbies dos algodoeiros e convencer os congressistas de que não há mais condições de manter os escandalosos subsídios à produção e comércio do algodão. Poderão resistir ao cumprimento das leis durante algum tempo, mas os prejuízos acumulados os obrigarão a encontrar a forma de terminar os subsídios, porque a decisão terá de ser cumprida.
A retaliação não é o melhor instrumento, não é uma coisa saudável, envolve setores que nada teriam a ver com essa briga. Ao Brasil, contudo, não restou outro caminho, após esgotado todo o arsenal de argumentos ao longo de várias décadas na tentativa de convencer os Estados Unidos a programarem uma retirada ordenada dos subsídios.
Com sua sustentação, eles retardaram o desenvolvimento mundial da produção algodoeira e da indústria de fiação e tecelagem, além do vestuário, notadamente nos países mais pobres.
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