Pronto. Saímos do reino das meias palavras. Eis o que diz o editorial da Folha de hoje:
“No Supremo, o momento mais dramático, estima o próprio Mendes, foi o episódio dos dois habeas corpus concedidos em sequência ao banqueiro Daniel Dantas. O recurso é uma garantia constitucional dos cidadãos contra abusos de autoridade -e cabia a Mendes julgar o caso. O juiz de primeira instância havia decretado uma primeira ordem de detenção PROVISÓRIA contra o banqueiro, que o presidente do STF decidiu reverter. O juiz decretou então NOVA PRISÃO. Ainda que agisse dentro de suas prerrogativas, O GESTO GANHOU CONTORNOS DE PROVOCAÇÃO. Não houve equívoco nem exagero do presidente do Supremo ao determinar que o banqueiro fosse novamente libertado.
“É um erro considerar o episódio de forma isolada. Mendes defendeu o mesmo princípio quando comandou os chamados mutirões carcerários, em 20 Estados, que colocaram em liberdade cerca de 20 mil pessoas indevidamente encarceradas. Num país marcado pela impunidade, pode soar impróprio -e é certamente impopular- defender suspeitos da sanha persecutória de setores do Estado. Mas é tarefa da Justiça fazê-lo, e Mendes cumpriu com desassombro sua função.”
Vale a pena ler o editorial com cuidado. Bem lido, ele equivale ao reconhecimento de que a decisão de Gilmar Mendes não tinha base legal, mas apenas e tão-somente institucional. Grafei em maiúsculas os termos que subrepticiamente operam a falácia, e introduzi um parágrafo para marcar as duas partes em que essa operação falaciosa se divide. A primeira negativa incidia sobre uma PRISÃO PROVISÓRIA, como o editorial confessa. A segunda, não. Utilizava uma outra tipificação legal, e tinha outras bases. A safadeza retórica se expressa na ausência de adjetivação. De Sanctis teria decretado uma “OUTRA PRISÃO”, deixando no ouvido do leitor incauto a impressão de que o juiz teria apenas ignorado o primeiro habeas corpus, e batido o pé no chão, querendo prevalecer a qualquer custo sobre a decisão de instância superior. Nâo foi nada disso, como estamos todos carecas de saber. Gilmar Mendes agiu, na melhor e mais caridosa das hipóteses, para afirmar o seu poder, sem se importar com o que diz a lei, ou com o conteúdo da segunda sentença. Instrumentalizou o processo para pôr o juiz de Sanctis no seu devido lugar. Não reagiu tendo em vista a arbitragem do conflito entre Daniel Dantas e a sociedade, mas simplesmente para sair vitorioso no conflito pessoal entre ele, Gilmar Mendes, e o juiz de primeira instância. Numa outra situação, poderia, seguindo a mesma lógica, ter mandado alguém para a cadeia simplesmente para dar combate as “gesto” de um colega que tivesse ganhado “contornos de provocação”. O energúmeno que escreveu esse editorial confessa, enfim, candidamente que a sentença teve motivação INSTITUCIONAL, e não jurídica, e acha isso a coisa mais normal do mundo. Como se juízes pudessem usar suas decisões processuais para brigar entre si. É o fim do mundo.
Como o argumento é mesmo roto, a segunda parte tenta jogar a decisão insustentável de Gilmar Mendes num contexto mais amplo. Ele é assim mesmo – “garantista”, como se diz. Agiu no sentido de reverter prisões (esta, sim) escarradamente arbitrárias de miseráveis pelo Brasil afora. Ou seja, o editorialista doidivanas ousa comparar a situação de Daniel Dantas, que tentara subornar um delegado, à situação de pessoas presas há anos, sem nenhuma condenação, nessas masmorras medievais espalhadas pelo Brasil.
O pano de fundo do editorial é claramente José Roberto Arruda. É dele que o editorialista da Folha evita a todo custo falar, mas é dele que, sem querer, está falando o tempo todo. É no lugar dele, José Roberto Arruda, que essas miseráveis abandonados à própria sorte foram postos. A mesmíssima lei e os mesmíssimos pressupostos que mantêm Arruda atrás das grades deveriam ter levado Gilmar Mendes a determinar a prisão preventiva de Daniel Dantas. Esse é o ponto. É por isso – para não ter que explicitar a analogia escancarada com o caso Arruda – que o editorialista da Folha fala a respeito da suposta ação de Gilmar Mendes em favor dos pobres presos injustamente. É nojento.
Aos poucos, vai caindo a máscara da Folha de São Paulo e de todos os órgãos de imprensa que resolveram cerrar fileiras em torno da revista Veja para evitar que Daniel Dantas abrisse a boca. Nós, leitores, não nos esqueceremos jamais.
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