Em seu improviso, ontem, em Sorocaba, Lula soltou uma definição precisa do seu governo. Descobriu que a economia se faz com simplicidade, sem firulas, sem volteios. Simplesmente porque percebeu que não havia relações causais automáticas entre “lição de casa” e crescimento. Desenvolvimento é trabalho diário e pertinaz, removendo os entraves ao crescimento.
Recentemente conversei com um ex-Ministro do governo Lula. Ele me contava o modo de trabalho do presidente – aliás, desde os tempos de presidente do PT.
Não tem cansaço para a discussão. Pode passar horas discutindo uma medida, ouvindo argumentos, pedindo explicações. Só se impacienta com papo furado.
Seu método de avaliação é simples: 1) É viável? 2) Que benefícios traz para o país? 3) Quais os riscos? Com esse método, mais a rapidez para captar detalhes, quase sempre consegue encerrar a discussão com a melhor proposta. Quando não está suficientemente convencido, remarca a reunião para dali a alguns dias.
Provavelmente desde Geisel não aparece um presidente que se envolva tanto com todos os pontos de seu governo – sendo que o Brasil de Geisel era muito menor e mais simples que o de Lula.
Foi graças a esse objetividade e à busca permanente de resultados, que Lula foi conseguindo se desvencilhar – ainda que lentamente – de todo o aparato ideológico que sustentava o imolibismo das políticas públicas. Constatou, primeiro, a importância do equilíbrio fiscal. Mas, na crise, se deu conta que excesso de rigor fiscal mata o crescimento. Entendeu a importância da pró-atividade na política econômica, assim como a importância das empresas públicas em casos específicos – sem incorrer em estatização generalizada. Em suma, sintetizou o ideário de um centro-esquerda não dogmático que a era FHC liquidou no PSDB. Graças à crise conseguiu aplicar na política econômica uma versão do sindicalismo de resultados.
Por tudo isso, é incompreensível o imediatismo, a falta de visão de futuro, com que trata a questão cambial.
O que matou o PSDB foi a constatação, anos depois, dos malefícios do neoliberalismo exacerbado de FHC. Enquanto se produziam os desastres do primeiro governo, não se cuidava da auto-crítica, dos ajustes. Lembro-me de artigos meus, em 1998 ainda, percebendo alguns avanços que ocorriam e preevendo: a política cambial liquidará com o governo FHC.
O mesmo acontece agora, mas de uma forma mais nociva, porque, ao contrário do desastre da gestão Gustavo Franco, agora a apreciação cambial se dá de uma forma consistente, graças à formação de um amplo colchão de reservas cambiais e ao fato do Brasil ter se tornado o pato da vez da alta liquidez internacional. Fechou-se espaço para o Sr. Crise se manifestar e corrigir rapidamente os desmandos do câmbio.
Daqui a alguns anos, o legado de Lula incluirá obras importantes e irreversíveis, como a massificação das políticas sociais, o trabalho da Fazenda, evitando a crise, a manutenção da responsabilidade fiscal, o pacto federativo embutido no PAC (Programa de Aceleração do Crescimento).
Mas contabilizará, também, a enorme irresponsabilidade da política cambial e os efeitos sobre a desindustrialização brasileira.
O déficit de informação no país permite que analistas – como esse «professor de Deus» – manipular dados, efetuar duplas contagens, assim como fez com as contas paulistas, para negar a desindustrialização. Para tanto, basta contabilizar como produção nacional equipamentos importados e revendidos por empresas nacionais.
Só que Lula não tem o álibi da ignorância. Ele se escora, mensalmente, em reuniões com dois dos economistas mais atentos a esse desastre: Delfim Netto e Luiz Gonzaga Belluzzo. Então, qual a razão de permitir esse estrago, que compromete o futuro do país irreversivelmente – na medida em que tira competitividade da indústria nacional em um momento crucial, em que a China avança vorazmente sobre mercados antes ocupados pelo Brasil?
Daqui a alguns anos, quando esses números estiverem mais claros, a história irá debitar essa conta ao governo Lula – como debita, hoje em dia, a estagnação e a desindustrialização dos anos 90 ao governo FHC.
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