Os Estados Unidos invadiram o Iraque a pretexto de extinguir um arsenal de “armas de destruição em massa”. Nada assemelhado foi encontrado nos alegados esconderijos de Saddam Hussein. Agora, Tio Sam ameaça torpedear o acordo com o Irã patrocinado por Brasil e Turquia. Seja qual for o alcance do combinado, o Poder Americano insistirá na imposição de sanções.
Nada de novo sob o sol. Os ideólogos conservadores que inspiravam o governo republicano eram claros quanto aos propósitos da intervenção no Iraque. Eles falavam do que interessa: superioridade militar e controle de áreas sensíveis para a preservação do poder que se pretende absoluto.
Há tempos, o jornalista americano William Pfaff, do International Herald Tribune, afirmou que “o dinheiro desregrado não apenas dirige o resultado das eleições americanas, mas influencia as decisões do Congresso e as atitudes da Casa Branca, em matérias tão improváveis como a luta contra o tráfico de drogas na América Latina”. Pfaff, um ícone do jornalismo mundial e crítico duro das ações de seu país, antecipou com grande precisão como seria o desempenho dos republicanos no governo. Resta saber o que pensa o insigne jornalista dos democratas sob a presidência de Obama.
As transgressões aos direitos dos povos continuam a ser executadas com persistência, mas hoje edulcoradas com a preocupação de invocar – apenas invocar – a chamada comunidade internacional para justificar as tropelias. Agora, sob o acicate da crise, a razão imperial precisa, mais do que nunca, manter o demônio (qualquer demônio) vivo para impor as razões de sua divindade.
Para tanto, os processos de informação e de formação da consciência política e coletiva, ou seja, os espaços da autonomia individual estão permanentemente subjugados à lógica econômica e política de uma ordem imperial que deslocou a hegemonia do imediato pós-guerra para adotar o exercício puro e duro de seu poder. Na ordem americana, o nomos da terra significa a exigência de respeito à vontade imperial, à sua moral particularista, idiossincrática e assimétrica. O direito, dizia Hegel, enquanto existência da liberdade é uma determinação essencial na refrega contra a “boa intenção” moral. “Os protestos contra este desenvolvimento são... reminiscências do ‘estado bruto de natureza’ que revelam um apego doentio à própria particularidade, narcisisticamente desfrutada como moral”.
O narcisismo moral americano não precisa de adjetivos em sua espantosa objetividade. Está sempre preparado para qualificar os recalcitrantes e dessemelhantes como rogue States, o que significa deformar em proveito próprio o papel das instâncias integradoras no âmbito internacional. O avanço do narcisismo intervencionista americano é constitutivo de sua natureza e demonstra porque, a despeito de Woody Allen, os americanos tomam o seu país como a “utopia realizada”.
A supremacia apoiada na superioridade das armas e no despotismo da economia desregulada dispensa mediações da ordem jurídica e não quer ou não precisa compreender nada. O mundo em que tentamos sobreviver é uma prova diária da degeneração da razão ocidental, transformada e objetivada na execução desabrida dos métodos de domínio.
Os Estados Unidos, diz um dos gurus da nova direita, estão tornando o país mais parecido com ele mesmo. Uma reconciliação do fenômeno com o conceito, provavelmente a apoteose do fim da história. No fundo da alma, a nova direita tem certeza de que os processos e as instituições de negociação democrática, fora dos Estados Unidos, como a ONU, por exemplo, são geringonças inúteis. São estorvos para a consecução das políticas “corretas” isto é, aquelas que se submetem aos seus interesses e de suas empresas. Por isso é preciso coartar e controlar as instâncias de discussão pública da informação. A liberdade de opinião não é boa coisa, sobretudo quando começam a naufragar os programas econômicos e sociais recomendados pelos Senhores do Mundo como roteiros infalíveis para o sucesso.
Na família dos vulgarizadores da opinião subalterna não faltará quem pretenda acusar de "antiamericanismo” os que hoje dão nome e apelido aos episódios de reafirmação do poder imperial americano. Tratar assim uma questão tão grave e decisiva para o futuro da vida decente neste planeta é uma forma tosca de “misturar estação” com o propósito de interditar o exame crítico de qualquer processo político. Isso desfigura o debate racional sobre os conflitos contemporâneos, transfigurado numa guerra de preconceitos travada nos esgotos da alma humana.
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