Já vimos por aqui um presidente da Assembleia Legislativa preso e um governador do Estado que quase acabou cassado. O Poder Judiciário também foi parar no banco dos réus com a Operação Naufrágio, e os atos do Tribunal de Contas já foram colocados em xeque num passado recente, no esquema que ficou conhecido como Beija-Flor. Agora parte da nata da sociedade capixaba, empresários que construíram fortunas trabalhando com o produto que é o principal da nossa economia – o café –, se vê envolvida num esquema de corrupção. Sim, porque sonegar impostos também é uma forma de corrupção.
Em outras palavras, a mesma (alta) sociedade que muitas vezes reclama da política e de suas mazelas se vê ligada a empresas laranjas fictícias que atuam como intermediárias entre o comprador de café e o exportador. Um modelo com o disfarce legal, mas que, segundo as investigações, foi construído para ganhar créditos tributários – em outras palavras, uma forma de ganhar mais dinheiro.
Segundo o que foi apurado pela Receita, Polícia e Ministério Público Federal, essas empresas laranjas existiam exclusivamente para vender notas fiscais para a geração de crédito de PIS e Cofins, que proporcionavam um total de 9,25% para os verdadeiros beneficiários do esquema – que seriam os grandes grupos econômicos de café.
Foram centenas de depoimentos tomados e meia dúzia de caixas de um inquérito que, agora que a Operação Broca foi deflagrada, vai ganhar um volume muito maior. Fora o manual da fraude ensinando a fugir da ação da Receita Federal, há, segundo autoridades envolvidas nas investigações, gravações e documentos que sugerem que os empresários ou apostavam num risco calculado ou na certeza da impunidade.
A prática parecia ser encarada de forma tão comum que provavelmente ninguém imaginava que o setor de café quase inteiro seria preso, que os maiores contribuintes de ICMS do Estado seriam apontados como laranjas e que as maiores e mais importantes empresas de torrefação local seriam enquadradas. É claro que todos terão a oportunidade de se defender – e o principal argumento dos grandes grupos é o de que toda a documentação das empresas laranjas, inclusive o CNPJ, estava em dia, o que dificultava a identificação de irregularidades –, mas a Operação Broca aparece como mais um exemplo de que não existem intocáveis, de que poder ou dinheiro não blindam ou livram ninguém da possibilidade de ir para a prisão – ainda que temporariamente. Permite refletir também que a política é um reflexo do que temos na sociedade – ou em parte dela.
Segundo fontes que têm ligação direta com a investigação, em alguns casos chegava-se a ganhar mais com o crédito fictício do que com a venda do café. Curioso é que, ao longo de dois anos e meio de apuração, as empresas laranjas que vendiam notas fiscais aparentemente não se intimidaram. Teria havido até uma tentativa de sofisticar o esquema para burlar ainda mais a Receita: se antes era um intermediário, criou-se mais um, dificultando a fiscalização.
De acordo com o que foi apurado, em alguns casos há indícios de que grandes empresas estimulavam a formação das empresas laranjas. Algumas, inclusive, eram comandadas por ex-funcionários desses grupos, segundo fontes ligadas às investigações. Consta ainda que os corretores se utilizavam abertamente do termo laranja (e similares) para se referir a um negócio irregular, mas que era tratado com naturalidade. A responsabilidade direta dos grandes empresários sobre os intermediários é uma tese que o MPF vai se dedicar a provar.
Ainda que a legislação em vigor tenha brechas e que mereça um debate sobre a necessidade de mudança, isso não isenta ninguém de responsabilidades. É verdade também que a carga tributária é pesadíssima e que há estudos que apontam que, quanto maior o tributo, maior a sonegação. No caso do café, a legislação que passou a valer a partir de 2003 deveria corrigir distorções. Mas, como disse o cientista político Bolívar Lamounier em recente entrevista ao Estadão , “o Brasil é essencialmente corrupto”: “Se fôssemos punir, segundo o que manda a lei, toda a corrupção que há no país teríamos que pôr na cadeia metade da população”. Operações como a que foi realizada terça-feira ajudam na profilaxia.
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