Uma pequena história exemplar, sobre como dar sobrevida a chavões dos cabeças-de-planilha
Em junho passado, os economistas Thiago Rabelo Pereira e Adriano Nascimento Simões, do BNDES (Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social) desenvolveram uma avaliação inovadora para estimar o custo fiscal líquido do empréstimo de R$ 100 bilhões concedido pelo Tesouro ao banco.
Publicaram um estudo de 50 páginas intitulado «O papel do BNDES na alocação de recursos: avaliação do custo fiscal do empréstimo de R$ 100 bilhões concedido pela União em 2009».
O pensamento cabeça-de-planilha sempre simplificou a conta fiscal dessas operações. Comparavam a taxa Selic (vista como custo de carregamento da dívida pelo Tesouro) com a TJLP (o indexador do BNDES para seus empréstimos). E, a partir daí, soltava um número qualquer sobre o custo fiscal do empréstimo.
O trabalho visava justamente questionar essa conta simplificada.
Primeiro, questionava a comparação direta entre Selic e TJLP. Mostrava o descasamento entre prazo médio dos empréstimos e a rolagem futura das dívidas do Tesouro; o fatio de metade da carteira de títulos ser indexada ao IPCA; a falta de mercado para apurar a trajetória futura da TJLP; o fato das operações pré-fixadas de títulos públicos embutirem uma taxa de risco futura, o que deturpava a visão correta do mercado sobre a evolução da Selic.
Depois, mostrava os ganhos que a União teria e que não eram considerados nessas análises. O fato da União ter um retorno sobre esses empréstimos sob forma de dividendos, tributos e da incorporação ao patrimônio do banco dos resultados auferidos com a intermediação financeira.
Todo esse esforço, que permite uma visão nova sobre a questão, foi deixado de lado pela mídia.
No dia 25 de junho, a repórter Vera Saavedra Durão publicou matéria no jornal O Valor com duas impropriedades. A primeira, foi considerar apenas a primeira parte da conta – o diferencial de juros -, fugindo totalmente do enfoque dado pelo trabalho, cujo objetivo era justamente questionar essa maneira simplificada de analisar a operação.
A segunda foi uma regra de três, aplicada pela repórter para estimar o custo do primeiro empréstimo (de R$ 100 bi) e do segundo (R$ 80 bi), o que elevou o custo anunciado para R$ 66,6 bi – que serviu para esquentar a manchete.
No dia 28, três dias depois, o jornal publicou uma carta de esclarecimentos do banco, questionando a maneira como a repórter chegou ao número mencionado – que não constava do estudo do banco – e ignorado as demais conclusões.
Na retificação, o jornal reduziu o valor estimado de R$ 66 bi para R$ 58,5 bi. Mas continuou ignorando o ponto central do trabalho.
Aí o Estadão, sem ler o trabalho mencionado, pegou a matéria do Valor e soltou um editorial em cima dos números apresentados (clique aqui)
O banco enviou nova carta de esclarecimentos, publicada no dia 7 de julho. Nela, alertava para o fato do editorial ter mencionado declarações do autor do trabalho – que ele nega ter feito – e desconsiderado o ponto central do trabalho que era justamente medir o efeito líquido do aumento de arrecadação menos o diferencial de juros da operação.
Só aí o jornal resolve consultar o trabalho, para poder responder à carta. Mais uma vez, selecionou trechos que se encaixavam no seu raciocínio e escondeu do leitor o ponto central da análise (clique aqui).
Por aí se percebe a enorme dificuldade em fugir dos bordões simplificadores de mercado.
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