Henrique Dufles Baptista Teixeira Lott foi um dos grandes vultos das Forças Armadas brasileiras. Entre outras coisas não se subordinava a Washington como boa parte dos nossos militares e tampouco tinha aversão ao processo democrático. Ao contrário. Impediu em 11 de novembro de 1955 um golpe dos “patriotas” contra a legalidade.
Ministro da Guerra, era como se chamava o Ministério do Exército, hoje abrigado como Secretaria dentro do Ministério da Defesa, evitou duas tentativas de Golpe contra o governo de JK e acabou candidato da coligação PSD/PTB à presidência da República em 1960.
Disputou as eleições contra Jânio Quadros, ex-governador de São Paulo, e um terceiro candidato, Adhemar de Barros, uma espécie de Paulo Maluf da pré-história, também ex-governador de São Paulo.
Perdeu-as. Jânio foi eleito presidente por larga maioria de votos.
Lott não tinha boa oratória, as campanhas àquela época se sustentavam principalmente em comícios e, aliado a esse fato, Lott tinha a mania da franqueza. Da honestidade em suas palavras. Em suas propostas.
Jânio era um produto da demagogia, mero projeto pessoal de ditador. Renunciou numa manobra tragicômica esperando que o povo o reconduzisse ao governo com plenos poderes. Tudo sob efeito da “mardita” pinga. Candidato da UDN sem nunca ter sido udenista e de Carlos Lacerda, a quem usou até espremer e terminar espremido, não era necessariamente louco como diziam. Demagogo, interrompia comícios para tomar uma injeção de glicose (vivia bêbado), alegando que o cansaço na “luta pelo povo” o obrigava a “sacrifícios” que prejudicavam sua saúde.
Tinha o hábito de assistir filmes de western ao contrário, ou seja, do fim para o princípio. Achava interessante o bandido levantar-se e tomar um soco de John Wayne do que a ordem natural da cena: tomar o soco e cair.
O marechal Lott passou a campanha inteira advertindo aos brasileiros que Jânio levaria o País ao caos. Num dado momento, chegou a propor um pacto de unidade nacional em torno de uma candidatura única, no caso o general Juracy Magalhães, governador da Bahia, e que havia sido derrotado por Jânio na convenção da UDN.
Para que se possa ter uma idéia da personalidade do marechal Lott.
Em visita a uma cidade no interior de Minas, descia num automóvel para o centro da cidade, saindo do aeroporto, quando um eleitor de Jânio enfiou uma vassoura dentro do carro, pela janela e tentou atingi-lo. Lott mandou o carro parar e em meio a lottistas de um lado e janistas de outro, foi até o cidadão, tomou-lhe a vassoura, jogou-a no chão e disse com o dedo em riste: –“O senhor pode votar em quem quiser, é um direito que eu assegurei quando garanti a posse do presidente Juscelino. Mas o senhor respeite a mim e a democracia. Proceda como homem de caráter”.
Voltou ao automóvel sob aplausos de seus correligionários e silêncio dos janistas. Por sinal, Jânio perdeu as eleições nessa cidade.
Em muitas cidades que visitava, pouco antes de subir ao palanque, Jânio dirigia-se a um botequim estrategicamente escolhido, pedia um sanduíche de pão com mortadela, alegava falta de tempo para jantar, uma pinga e uma cerveja quente. Sentava-se à mesa com alguém que lá estivesse. Chegou a sentar-se no meio fio e com gestos teatrais ia comendo, bebendo e conversando com as pessoas.
Já ex-presidente, escreveu com Afonso Arinos (que se redimiu depois, pois era um homem inteligente e um político íntegro) uma enciclopédia da língua portuguesa. No lançamento no Rio de Janeiro, em 1967, almoçava no Clube Ginástico, no centro da cidade, presentes o próprio Arinos (fora seu ministro das Relações Exteriores), quando surpreendeu a todos, inclusive jornalistas, com seu pedido. Uma omelete simples, uma pinga especial e uma cerveja quente.
A surpresa maior veio depois. Foi recortando a omelete até dar-lhe a forma de uma suástica e sequer engoliu uma garfada. O que sobrou amassou com as mãos, formou um bolo e colocou fora do prato. Bebeu a pinga, duas ou três cervejas quentes e foi-se.
Segundo Foucault, “não há exclusão entre loucura e crime, mas sim uma implicação que os une. O indivíduo pode ser um pouco mais insano, ou um pouco mais criminoso, mas até o fim a loucura mais extremada será assombrada pela maldade”.
Referia-se, embora seja um conceito amplo, a Doucelin, conde D’Albuterree, que avocava a si a condição de herdeiro da coroa de Castela e que dizia falar com Deus todos os dias, além de receber a visita de Maria algumas vezes por semana.
O problema é que Jânio não rasgava nota de cem. Ao contrário, cultivou a fama de honesto e implacável na defesa do dinheiro público, enquanto ia guardando o “seu” em bancos suíços.
As advertências do marechal Lott se confirmaram e foram além. Com a renúncia de Jânio, em 25 de agosto de 1961, depois de ter proibido desfile de miss com biquíni, briga de galo e imposto o slack como uniforme para os servidores públicos, militares brasileiros comandados por Washington se levantaram contra a posse do vice, João Goulart que se encontrava em missão na China, a pedido de Jânio. Queria-o longe à hora do “golpe”.
E uma das primeiras prisões feitas foi a do marechal Lott, que logo se pronunciou pela legalidade.
Jango acabou tomando posse, com a reação decisiva de Brizola. Mas os mesmos militares golpistas deram um golpe em 1964 e impuseram ao Brasil uma sombria e cruel ditadura sob controle dos EUA.
Outra vez, um ano após o golpe, impediram a candidatura de Lott ao governo do antigo estado da Guanabara, temerosos de que sua liderança acabasse por despertar a reação popular à quartelada. Como Lott fosse eleitor em Teresópolis, criaram a figura do domicílio eleitoral.
José Arruda Serra é uma versão abstêmia de Jânio Quadros. O que às vezes costuma ser pior. Quando secretário de Franco Montoro tinha mania de dar batida nos órgãos públicos do governo do Estado de São Paulo para verificar se havia desperdício de clips, elásticos e aparas de papel.
Jânio, quando candidato a prefeito de São Paulo pela primeira vez, chegou a colocar um boné de motorneiro e tentar dirigir um bonde. Nesse dia estava numa água só. E dava incertas (mas avisava a imprensa) em repartições públicas.
O curioso é que, morto politicamente, Jânio foi ressuscitado por FHC, em 1985, derrotando-o numa eleição para a mesma prefeitura de São Paulo. No dia da posse pendurou um par de chuteiras à entrada de seu gabinete para comunicar que estava encerrando sua vida pública.
José Arruda Serra é só uma versão abstêmia de Jânio Quadros. Demagogo, sem qualquer escrúpulo ou respeito pelo que quer que seja. É evidente que sendo abstêmio, ou seja o oposto, tenha manias do tipo desinfetar as mãos com álcool ao fim de uma sessão de cumprimento a eleitores, embora não sente em meio fio e nem coma sanduíche de mortadela. Mas usa o tal desinfetante bucal que protege por doze horas já que em campanha tem que beijar crianças.
Vale-se da sofisticação que as campanhas políticas ganharam nos dias atuais e que permite a demagogos como ele, Arruda Serra, vender um peixe que não existe.
É a velha alma udenista/golpista assombrando o Brasil (e olha que na UDN, creio que, por equívoco, havia figuras como Afonso Arinos, Adauto Lúcio Cardoso, Milton Campos e outros de caráter e integridade indiscutíveis).
A simples hipótese de um sujeito como Arruda Serra ser presidente da República (está cada dia mais difícil, mas todo cuidado é pouco) aterroriza.
É só olhar o governo de FHC e multiplicar por um fator que podemos chamar de muitas vezes pior e teremos o resultado.
Pior ainda que um bêbado como Jânio, projeto mambembe de ditador, é um abstêmio doentio e sem escrúpulos como Arruda Serra.
Tucanos são a UDN repetida como farsa e por isso mesmo, revestidos de cinismo.
No fundo seria um passo gigantesco atrás. Um retrocesso sem tamanho.
Lott continua tendo razão absoluta sobre os “jânios” que volta e meia aparecem.
Reside aí a grandeza do velho marechal. Ser brasileiro, ter compromisso com a democracia sem adjetivos.
Ao contrário de seu antigo adversário Jânio Quadros, que levou o País ao caos e da versão seca, José Arruda Serra, que intenta o mesmo.
E para não dizer que não falei de flores, nas eleições de 1960, quando as organizações GLOBO se limitavam ao jornal THE GLOBE, editado em português como O GLOBO, e a algumas emissoras de rádio, família Marinho apoiou Jânio Quadros.
Quem disse que o marechal Lott não tem nada a ver com as eleições de 2010 ?
A História não morreu. Está mais do que viva.
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